quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Pelo grosso

Teu despencado
Agourado sonolento
Leão barrigudo
Escapa sortudo
Do escasso soar
Que num tudo leoa feliz,
Feroz e ferido
Até que poema
Se perca felpudo
Na juba que acaricio
Em eterno confuso rimar.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Nervo contra osso

Tudo calou
De tal maneira que doeu.
O calo que irrompeu
Contra a pele
Bagunçou os nervos
Espremidos sobre osso,
E eis que dos gemidos tímidos nasceu
Uma flor de pus que escorreu
Silenciosa como a calada
De onde brotou.

Facejado

Quem é você quando não estou
Ou o dia acabou
Na noite apocalíptica do ser?
Quem é esse rosto
Que de vício se apagou
No tanto que beijei
Com esses lábios carniceiros?
Tento me dizer que és elíptica,
Mas há tantas palavras
Escorridas no assoalho
Que a pele e os olhos
Jazem... Onde?
Em algum lugar troquei
As faces pelas frases - pensamentos.
Deve ser em nome do conforto que me traz
Ver o mundo refletido em caveira seminua,
Fonética, silábica,
Em sons que só no meu tom pude ler.
Quero estar em busca de traços
Que só nos laços da expressão
Não se possam apreender,
Mas é duro transpassar
Uma forma viciada de viver;
Até que um dia eu acorde atordoado
E não conheça a tua face,
Pois mudou noite passada -
Aí, então, no susto vou entender.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sonho translúcido

Um dia...
Ah, esse dia tal...
Um dia o malabares vai passar;
As esferas de vidro vão flutuar
E não vou mais precisar de um equilíbrio
Insano, insonso, vazio,
Pilhado nessa escassa
Passagem de ser
Que reprime, releva, remuda
Na confusa escuridão de escuso transparecer.
Um dia pouco importará
Se o vidro quebre no chão ou estoure no espaço;
Passará elétrico no céu
Num impulso fluido,
E a translucidez que me devora,
Seca a alma e evapora,
Tornará em alabastro
A firmemente plantear infinito
Daqui ao mais além.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Torção

Meio a meio o céu implode
Côncavo entre pureza
E nuvens laranja
Na calada da noite clara
Que não cala nem limpa
No seio do batimento
A pintar seu caimento.
Luz cai do céu,
Luz sobe da terra,
Luz floresce inteira
No recôncavo do preto
Até a terra torcer
Um céu de rodamoinhos coloridos
Na madrugada
Feito pano exprimido
Pingando ondas arco-íris
No balde iluminado.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cortina III

Meu chumaço é fuligem
A polvorenta esfarelar
Como poeira que devo varrer,
Mas para onde
Se em todo lugar
Sobra forro vermelho?
Fico tal qual travesseiro de penas
A deplumar e vazar
Por entre a fronha.
Assim passo - a escorrer seiva rouge
Manchando os sofás,
Os lençóis e o assoalho
Até no tecido em pano murcho
Só a extensão do tempo sobrar.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cortina II

De tempestade e cor
Não há como pôr
Mais que um sol
De fosco amarelo
Que clarifica, escurece,
Brilha e estarrece
Inundando os pulmões em areia.
Não há nada que possa
Perturbar e encontrar
Tão ao ponto quanto
O furor com que o chão
Ascende aos céus
Fazendo cortina de contramão.

Cortina I

A chuva veio passar na cidade
E voou numa onda
De lá para cá.
Ela bordou a janela em cinza,
Tapou as ventanas
E me contornou.
Então sugou o meu ar,
Entrou na minha casa,
Pairou em guerra
E amortecimento
Até que em cinza
Meu tom se tornou.

Tragada

Trôpego
Em pêssegos podres
É o rolar de câmera lenta
Na roda-gigante da fantasia.
Ela, que não se conforma na
Vida, embebeda-se em si
E sai a andar alegórica
Em romaria.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

E entenderás

Guarde
Que o entalhe
No teu tronco
Espalhe com o suor
E o grave enclave do meu amor
Dissipe na fechadura
Quando a chave
Rodar de impudor.
Derreterá a tatuagem,
Escorrerá a tinta
E penetrará
Nos poros de mim
Até na carne rasgar
A pele a nos separar.

sábado, 26 de novembro de 2011

You know so much about these things

Venda-me os olhos;
Assim talvez eu encontre o caminho.
Entre as encruzilhadas vazias
Do meu clichê,
As ruas lotadas
Do meu vai-e-vem,
Só encontro mãos decepadas
E luas fatiadas.
Vem salvar-me da multidão
Das decepções desiludidas
Que ouso chamar 'coração'.
Quero bater num ritmo próprio,
Apropriado ao sanguinhar do amor.
Quero, quero, quero
O resfrio de um sangue estio
Que teu flua no meu.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Musa

Ai, meu desejo...
Faca das faces
Dos teus dois gumes,
Um meu e outro em teu coração.
Meu desejo é
Capturar tuas asas em rede -
Sou caçador de borboletas.
Mas ainda que lavre
Teu levitar,
Meu camafeu jamais passará
De um pingente
Que carregarei
No colar.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Lucifera

De um sol
Devaneio
No espaço quebrado do céu
Partem(-se) as luzes
Equestres de São João.
O estranho é que estão
Minguadas num único feixe;
O que serão?
Da beleza ao horror
Não parece haver neste clarão
Separação ou animosidade;
Elas vêm e caem sombrias
Sobre as esquinas oblíquas
Da minha projeção.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Fluência

Esqueço-me a cada passo traçado.
Pena que a vida não dure o bastante
No papel; pena que não se comove.
Tento e tento deixá-la contente
Pintada num manuscrito fluente,
Mas tempo vai, tempo vem,
E ela passa nas páginas do caderno
Caindo num outro poema,
Às vezes nem mesmo do lado de cá
Da poesia. Ela gosta mesmo
É de se deixar vagar em sua casa
Olhando tímida e escusa
Para fora de alguma janela
Só quando lhe couber olhar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Hecatombe

Teu dia hoje correu.
Correu mesmo, de um lado a outro,
Mesmo que entre as paredes
Da tua sublime consciência.

De um lado parece
O quarto tremer e rolar
Em apocalipse de justa causa;
Mereces tombar,
Face rente ao chão,
Num extermínio de si
A queimar-te o ventre.
Entre um soco na face
E tiro no estômago
O rodopio enleva-te a vida;
A dor faz homem do cão.

De outro és mausoléu
Fitando defunto o rodar
Como se do escafandro
Da morte em vida
Pintasses as cores do sofrimento
Totalmente puras:
É inútil retumbar na pele
Tentando fugir da coceira
Que ela te dá.

Corre, então, de um lado a outro
Enquanto tudo espira
No teu respirar,
E fica, tão longe, mas junto,
Olhando daqui
O espetáculo do louco
Lançando-se às paredes
Em espasmos frenético e calmo
A dizer coisa alguma.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Teleotempo

Teleotempo
Vaza de mim
Não do relógio
Mas curvo e cágado
Enchendo de mudo o som
Baixando em espírito o tom
Funesto em desprezo da vida
Por si. Não rompe; não pode romper;
Se cai da tormenta ousa saber que o silêncio
Há e resta só na imensidão do ruído rouco tossido
De um suspiro a outro; de um nó só feito no pó.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Allegro

Mas eu não sei.
Quando desejo mais
Ela diz 'menos';
Se não quero
Ela dá.
A louca só vive
De escapismos
Passando de lá pra cá,
Cruzando meu caminho
E parando vez ou outra
No mesmo lugar
Em que estou.
Talvez ela seja,
Na verdade, essa correria
Ou mesmo só onde está.
Acho que não é um
Nem outro;
Acho que é
Num lugar diferente
E só me aparece
Dizendo 'olá'
Quando menos espero,

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Acho que estou consciente

Tenho um silêncio
Que beira o anti-moderno
Passando por entre embalagens
Do plástico ao papel alumínio;
Uma vida paralela que paira
Em algum lugar entre meus olhos
E o momento que fugaz se desfaz
Ao cair na prateleira, nos livros
E no ar ostensivo dos cômodos.
Juro ter visto passar nalgum ponto
Antes do mirar
Uma vista hermética, cerrada sobre si.
Juro! Juro...
Mas não sei como explicar no escuro
Que há algo ali.
Só resta-me usar as palavras
Para algo explícito, e ainda tão pouco,
A perambular feito criança
Por sobre um chão de madeira na sala.
Na verdade, acho que estou falando
Justamente do ranger
Que as tábuas cantam
Em nosso passar.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Nicho

Cadê você, meu bem?
Eu lembrava tão bem,
Mas já não sei.
Agora você sumiu em algum lugar,
Acho que te afoguei,
Nesse nosso pequeno parque
Macabro, escuro e embaçado
Nevoeiro adentro.
Perdemos o nexo
Do dia e da noite
Em torno desse nascente cinza-escuro
Que talvez poente queira se encerrar.
O problema de perder-te
É mais que da fronteira entre nós
Toda vez se faz abismo
De apatia e remorso enclave.
Não te escondas, meu lindo sangue;
Não saias desse chão
Escorrendo por todo lugar.
Eu preciso que precises aqui ficar
Para, em transe, em banho, em luto,
Restar um bicho vivo.

Pulso

De repente a mente
Outrora quente
Não se sente.
Subiu pelas paredes
Escalou o teto
Rodou no ar
E desvaneceu
Da remitente razão
Rumo a um pulso
Que ecoa vazio
Na animalesca indecisão
De um impulso
Rolando escuso
No confuso
Do breu,
Do vão,
Do humanamente
Até cair de joelhos no chão
E gritar num grito agudo
Toda a pena viva
Escarnecida
De falar e só ser mudo -
Pare!!! Não!!!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Poema brasileiro da brasilidade

Poema brasileiro
Da brasilidade
Em brasa
Brada;
Que beleza de opinião
Tem esse varão viril
Do meu Brasil,
Desde o sertão
Ao matagal,
Mas mais no furacão
Da urbanização.
Brasão da gritaria
Louca de razão
Vai rodando na mesa
Feito peão
Sem saber de que lado
Cai a confusão
Da rotação
Do brasileirismo
Opinador
Rapinador
Do meu Brasil -
Quê?

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pure liberté

Você não me torna
Nem tornou
A promessa que fiz
A mim mesmo.
Relevo no espaço aberto,
Na janela descoberta
A facear o mundo lá fora,
Uma minha humanidade
Empurecida -
Desisto de crê-la, de sê-la,
Tentá-la.
Tudo que vim a entender
Desse lado de mim
Para cá da paisagem
É um puro reflexo
De si,
Sem que influísse o meu pedido,
A nossa promessa,
Em algo qualquer.
Você, liberdade,
É excessiva em mim
Ao ponto de nem caber
Outra coisa.

Rodamoinho

Tenta são ficar
Na tentação do balanço
A ninar.
Tenta aguentar
O calor do chocar
Dessa vida
A transformar teu casulo,
Teu ovo, tua casca
Em imensidão
Da realidade,
Que não quer lhe amar
No abraço de mãe
A isolar desse rodamoinho.
Antes, gira meus pulmões
Entre água e ar
Muito mais veloz
Do que eu poderia suportar.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Segredo

Conto tudo
Num conto sobre a mesa
Saboreando as frutas,
E você também, a ouvir.
Ficarão as palavras e paladares;
De tudo a memória não vai
Nem saber.
Pena...
Mas há coisas que são melhores
Só faladas, sem se entender.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Leviana

O tempo é mudo
Como o som em sua essência.
Nele tudo passa
A crescer, soar e dissipar
Sem sequer rememorar
Os passos que já ficaram;
Desço o rito da caminhada
Na colina ensolarada
Aconchegado no sono,
Na sonata de uma vida
Que vai leve acordando
Ao silêncio sob o sol
Espairecida.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Vida paralela

Ah, minha vida,
Você foge de mim
Assim, paralela,
Sem nunca remediar.
Você me convém
Num distúrbio
De agouro da posse
Mas não vem comigo quedar.
Toda cheia de 'não-me-toque's
Perambulando na sala de estar
Vagueia vazia no quarto
Onde meu tempo
Não ousa encontrar.
Você se esvai no espaço
Perdida em rimas pobres
Buscando um poema íntimo
Sem nunca me formular
E cai num destino sem foco
No caminho do envelhecimento
Até de mim o amor
Por inteiro escoar,
Mas ele vai tão fundo
Que eu já não sei
Se só de rima pobre
Consegue se esvaziar.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Mundo, por menor que sejas

Estou muito longe de conhecer o mundo.
O mundo não me conhece.
Ele e eu vamos tagarelando
Numa pormenorice vadia,
Captando uns trechos cada qual
De cada outro, cada um,
Que restam, afinal, esquecidos
Na sobra de conversa.
O mundo e eu
Rachamos apê,
Damos um rolê
E voltamos aos seus quartos.
Dia tal vamos juntos,
Caímos em nossos corpos,
Varamos a noite em cigarros e nudez.
De manhã acordo à tarde,
E sozinho embrulhado nos lençóis
Sumo no mundo que me chama outra vez
A pormenorizar
Nas muitas almas
Entre ele e eu
Que formam o meu breu.

O poema cai da janela

O poema cai da janela
Como um
Poema cai
Da janela como
Um poema cai da
Janela como um poema
Cai da janela como um poema
Como um poema cai da janela como
Um vaso marrom com flor
Que é a vida
A repetir a cor
De cor
Até a dor.

sábado, 15 de outubro de 2011

Fisiocaos

O caos já cai de meu corpo
Como gordura morta.
Perdido no espaço
Entre escamas e pele velha
Estrebucho em frenesi
Enquanto parece-me sumir
Uma parte.
Desejo contê-la,
Mantê-la aqui,
Como um lábaro
Disposto sobre o caixão
Tão mais morto que o resto.
Mas a vida ainda não quer se esconder.
Ela deseja das escamas antigas fazer
Um casulo de onde renascer
Num escorregão a vazar
Novamente ao mundo.
Ela pensa que a cova de sebo
Serve só de estadia
Num contínuo escoar.
Pensa ser tão viva
Que esquece seu próprio sacrilégio -
Vai sendo sarcófago
Trajando ambulante
A gordura a cair de si.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Garrafa de vidro

Vou escrever um poema
E postá-lo numa garrafa vazia.
Enquanto estiver a navegar
Entre as mazelas do mar
Protegido na pequenez do vidro
Fará sentido;
Meu maior desejo
É um poema perdido
Para que eu possa
Tentar encontrá-lo
Eternamente
Num sonho rapsódico lindo
Que em meu coração
Repedidas vezes se consumará.

Meta fora

Eu não sou tão somente um traço
Sobre tela.
Sou, nas minhas cores,
O pulso a transcorrer sangue
Nas lágrimas do teu andor
Quando fitas o laço
Nascendo no rastro
Da flor (que descola do quadro)
Cujo caule embola teu corpo
Em metamorfose.

Transfigura-se-me

Quero saber aonde vais,
Dragão negro,
Fluindo por entre a razão
Como um rio de emoção
Pulsando quente e mudo.
Fala das tuas malícias,
Teu sonho do mundo
Por onde revogas sentidos
E caças um jeito puro
De se me encontrar.
Não sei se devo pedir-te
Que pare aqui ao meu lado
Ou leve-me junto
Ao rumo das estrelas.
Sempre quando te alcanço
E mergulho por entre tuas escamas
Pareço perder-me suave
E nem desejar dali me achar.
Teu voo faz minha vida
Planar como borboleta
Numa viagem inusitadamente
Prolixa e reversa -
Enquanto esperava um rasante,
Um alumiar dragonesco fulminante,
Contigo passo leve
Num errôneo conjugar de inseto
A estar no universo
E sequer me dar conta.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Memorial

A memória
É chama que
Pousa os pés
Sobre a mente
Para poder recordar.
De lá do topo dos céus
Ela vem num arremate
Altivo
Queimando o fio,
Molhando a cera,
Abrindo caminho
No tempo, no ar.
E a mente, pobrezinha...
A ela nada mais resta
Se não derreter no rastro
Que segue a labaredear.
Mas fica pelo caminho
O topo do mundo
Enquanto o fogo
Caminha à terra,
À cera e ao prato.
Não há mais um plano conforme,
Uma mente lisa pela qual envelhecer -
Sobraram arranhões, cicatrizes,
Varizes amorfas da vela a queimar.
E a memória, agora cá embaixo,
Plana quase vazia no fim do rolar
Onde só restando o pavio tão curto e vazio nada mais arde se não o apagar.

Santana - 14h57min

Enfim resolvi publicar um poema que há muito desejava apresentar aqui no blog. Minha dificuldade teve a ver com seu formato de especifidade trabalhosa. Decidi, portanto, postá-lo na forma de imagem. Ele foi escrito no dia 12 de Março de 2008.


Naufrágio

A noite e sua lua rotunda
Naufragam no profundo
Do oceano da vida.
Lá suas festas e vinho,
Ou só o conforto de uma cabine particular,
Repousam suaves
Num transe eterno
De fluxo do mar.
Lá vivem os pequenos monstros
Do cotidiano -
Porém em sono intenso
Não podem me perturbar;
Lá as tristezas do dia
Passam a descansar
E o tempo rola
Nas correntes de água
A massagear o casco
Da minha madeira
Que vai envelhecendo suave
Em seu passar.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Teu, meu, tem

Tem tudo aqui,
Não?
Tem um lapso de mim
A vaguear rareado
Seguindo o rastro de ti
Rumo ao centro da terra.
Tem um impudor de relento
Que traça meus passos
E ainda um tom tão profundo
De instinto puro
A guiar-me ao ponto final.
Tem uma trilha eterna
Que enquanto durar
Entender-se-á como um fim,
E ainda um epílogo prometido
Ansiando por chegar.
Tenho em ti
Caminho, caminhada, caminhar
Amontoando-se dentro de mim
Num arrebate eufórico.
Tenho tudo que é meu
Por ser teu;
Assim se tem.

domingo, 9 de outubro de 2011

Banho de mar

Vou coletar poemas
Num mar envolto
Por terras de poeta.
Dentre o marasmo
Posso encontrar
Um trecho d'água
Em que vale a pena nadar
Para banhar a alma
Num mergulho salgado
A grudar na pele.
Dali vou guardar conchinhas
Que soam como as ondas
A recordar o ponto
Onde queria ficar.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sentimento num rasgo

Você me dói mais que qualquer farpa ou espinho -
Esse jeito de explicar já está passado.
Dói como um dia feio
Que de súbito fica bonito;
Dói como vidro lascado
E, por mais que completo,
Inútil.
Você me machuca tal qual um viaduto
Que cruza entre pontos de terra
Sem tocar o fundo.
Você arde num tom de destino
Intocável como o céu
Que se esfrega em mim;
Mas eu, por mais que flamule,
Jamais correrei por entre você
Além desta haste
Com que me força a terra,
Além do engodo de mel
Que na boca derrete em fel.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Rumo enredo

Night walking dreams (Salvador Dali)

A noite cai passo a passo
Permeada em neblina
Que condensa no adubo
E transcorre água adentro.
Vai encapuzada ao fundo
Espelhada debaixo dos panos
Afundando na escuridão.
As nuvens por sobre suas mãos
Transformam-se em penas
Num feitiço de Rothbart;
Submergem no lago,
Ascendem aos céus,
Tortuosas qual árvores mortas
Cuja ramagem restou fosca
Na metamorfose.
Eu sou o desvairo
Da negridão afogada
Que em cisne renasceu
Para apagar como brasa queimada
No tonteio do céu.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Poemas fracos

Caem como folhas velhas sem esperança
Andorinhas desengonçadas
Varrendo o céu
Numa lambança morta
Tentando, com esforço vão,
Pairar sobre a terra
E guardar um pouco de ar
Sob si.
Morrem em câmera lenta
Cactos na seca
Torcendo que venha
Uma noite de chuva ao menos
Para resguardá-los
Pela estação.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Aguardo

Velo agora pelo teu destino
Rezando reza de viúva
No íntimo meu.
Levo no seio apertado
Um coração sem ar
Quase a desmaiar
Olhando tuas costas
No fundo da mente
De frente pro mar;
As mãos apertadas em si
Como se sobre um terço
Num sonho-esperanto
De longínquo mirar.
Eu quase queria chorar
Mas é tão fechado
O espaço entre mim
E o mundo
Que eu me contento
Em bater esmagado
Quieto e velado
Numa sorrateira canção.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Chamariz

Os dias não me permitem ver-lhes
Como um afresco de vaselina
No canto do quarto.
Não querem ser coletânea
Entre meus discos.
Eles estão a pedir
Um espaço de sobra
Para derramar sobre os outros
E até sobre si
Como vela uniforme.

Dos poemas, da vida, dos mistérios

As partes do poema são duas:
O início, natural e instintivo,
E o fim, construído.
Ele nasce, se pensa e faz
Entre impulso e escalada
De uma noite perfídia
A, numa conversação,
Omitir o que tem por falar.
O poema sou eu que,
Num dia, floresço e desramo.
E das flores o que se faz?
Não sei -
Só estou aqui a plantear.

Metonímia do mergulho

Hoje a vida comeu uma letra do meu riso.
Ela é assim mesmo:
Tem dias que encurta o gozo,
Noutros dá com prazer.
Eu fico achando-a com cara de quem
Está a saber como deve ser feito,
Pois é vadia - dorme com o mundo;
Mas penso afinal que ela está no mergulho
Tanto quanto eu.
Daí paro com a metonímia
E deixo-a ser-me a fundo.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Corrente

Tenho que mudar de corrente filosófica.
De quando em quando troca-se a fiação
Para não dar choque
Nem curto
Ou escorbuto.
Basta que o chão dê fruto
E aceito nova definição.
E o resto?
O resto são migalhas da navegação;
Cairão e apodrecerão
No balanço do mar
E impudor de drosófila.

Sententia

Como é possível
Que a minha destruição
Seja autônoma e mundana
Simultânea?
Sou tão carne,
Tão humano,
Mas feitiço;
Um pedaço,
Um proprietário,
Mas terra.
Sou um rastro
Sou um pé
E sou a neve.
É estranho como a simples pergunta
Entre sacro e profano
Não cabe.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Ligamento

Você não me entende muito bem;
Mas, claro, todo mundo diz isso.
Há entre meu e teu mundo
Uma ponte malfeita.
Da tua borda para cá um pedaço perdido
Da minha mal se vê um início.
Um dia as partes irão cruzar
Sem se encontrar
E cada qual virará uma ponte
A vagar em busca de um mundo
Em que aportar
Sem sequer saber desembarcar.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Poema de gânglios e glândulas

Poema de gânglios e glândulas
A fazer-se no meio da noite
No instinto de ser.
Poema pintado de azul;
Em todos seus tons,
Mas azul.
Ele que não se compraz
Em ser tudo
Sem sê-lo fugindo do todo.
Ele que não satisfaz
Seu esquema de ser poema
Urbano, nostálgico, puro,
Ou como quiser;
Não vai satisfazer.
Ele que falta uma estrofe
Jogada na grama
A fitar o céu,
Perdida na rua
A mirar o cinza.
Poema que não quer
Ser completo;
Recusa-se
Escusa-se
Usa-se do pretexto
De não saber.
Poema a não se escrever.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Anabela

Você é Anabela demais, meu amor.
É toda certa do teu jeito,
Toda esperta nos anseios
Querendo o correto na hora correta.
Você, querida, ama arrumada
Com um brinco perolado
Trajando meio ousada
Um vestido recatado.
Eu queria às vezes
Que você fosse mais assim
Dramaturga, como eu;
Mas não ouso mudá-la.
Acho, afinal, que é bom esse jeito nosso,
Você vivendo um caminho charmoso
E eu um danoso.
Acho que assim dá
Para complementar nosso amor.
Podemos andar nossa trilha
Como quem dança ao som
Da faixa favorita de tango:
Um passo rápido teu,
Um arrastado meu.
Dá até para sonhar que o paraíso é aqui
E que nenhum paraíso que venha
Depois dessa terra esbanjadora de amor
Seria melhor.

sábado, 17 de setembro de 2011

Monstruosa

Este é o mundo:
Um ser profano
Que nada ou pouco quer
E, não importando teu desejo,
Far-se-á num rodopio,
Como o destino que tanto odeias,
Até quedar odioso
Nos braços da vida,
Tão natural,
Tão cultural,
Tão social,
Tão pura quanto não desejas -
Assim, raivosa,
A engolir-te virulenta.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Ímpios!

Algo que sempre me intrigou no meio religioso é o uso da palavra "ímpio". Mais que um simples descrente, o termo designa (segundo o dicionário) "quem é contrário à religião; não respeita as coisas sagradas ou as práticas religiosas; ofende o que se considera digno de respeito; é desumano, cruel". Interessante. Especialmente porque o nome é dado não só a quem é, digamos, "contrário à religião" propriamente, mas em geral é livremente distribuído a qualquer um que não siga a prática religiosa em questão. O ímpio é, em essência, imoral, vil e maldoso; é corrompido quase que propositalmente - ou ainda pior: pelo próprio diabo.
O emprego dado à palavra em especial nas religiões monoteístas (como o cristianismo e o islã) é poderoso - refere-se a todo outsider. Essa sistemática é de um maniqueísmo tremendo que pode produzir, entre outras coisas, um profundo preconceito. Não é raro, por exemplo, que cristãos (para citar a religião mais presente entre nós, ocidentais) julguem o espiritismo, as religiões africanas e os ateus como imorais ou mesmo diabolicamente possessos. Figuras do tipo são frequentemente demonizadas em declarações que tendem a generalizá-las no satanismo - a adoração do diabo e outros demônios - ou simplesmente no ódio a Deus. A palavra "ímpio" é livremente empregada nesse contexto, tratando outras religiões (e mesmo irreligiões) como profanas e imundas.
Mas não para por aí - mais interessante ainda é o maniqueísmo entre as vertentes de uma mesma religião. O filme Homens e Deuses (Des hommes et des dieux, 2010, de Xavier Beauvois) retrata isso com maestria. Em determinadas cenas, pessoas de diferentes facções islâmicas acusam umas às outras de "não entender o Corão", ou mesmo de não o ter lido. Fora do cinema, a situação se apresenta não só no Islã, mas também no Cristianismo: não é raro que protestantes e católicos acusem-se deste mesmo mal, e mesmo entre diferentes vertentes católicas ou protestantes há essa troca de farpas. É estranho como a Bíblia e o Corão, ao mesmo tempo em que são defendidos com base na interpretatividade, vêem interpretações que fogem à linha de raciocínio de um determinado crente serem veemente negadas. A alegação? São interpretações erradas, que nada têm a ver com o texto sagrado - ou pior, são confusões implantadas pelo próprio diabo.
Por que, eu me pergunto, existe essa preocupação? Para ser cristão, por exemplo, não basta aceitar Jesus como seu senhor e salvador, independente de se você rezará para Maria pedindo que ela interceda junto a Cristo, ou que você ore em línguas? A forma que você louva a Deus não é, afinal, justamente uma forma de louvor? Ou deve existir uma forma correta de fazê-lo? Claro, a moral e os costumes estão sujeitos a análise, mas estão no mesmo nível que a moral e os costumes de todas as outras religiões e sistemas éticos. Levar uma vida íntegra e boa não é exclusividade de uma ou outra religião, nem muito menos de uma ou outra facção religiosa - e aí está o problema. O maniqueísmo de alguns monoteístas é tão profundo que eles muitas vezes não notam a diferença entre "moralmente bom" e "religioso". Não estou dizendo que todo religioso é assim, mas essas críticas preconceituosas (no sentido de que partem de noções pré-concebidas da suposta impiedade e malevolência dos outros) são notáveis em muitos, mesmo que eles não percebam ou admitam.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Eu queria pra hoje um poema perfeito

Eu queria pra hoje um poema perfeito
O qual exibiria na cidade.
Um poema, assim, com todo um trejeito
Que roubasse a atenção.
Ele, porém, não quis
Chegar nesse jeito de ser;
Pra ele basta um riso
Vindo de você.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Obviedade

A poesia é óbvia,
Você me diz -
É claro.
Tão óbvia que te engrandece;
Tudo que há de leigo
Se enaltece.
Mas, quando a olhas de novo,
Obscurece
E tudo claramente desaparece.

Ars

Baixo ali no ouvido
Grunhe um som,
Uma voz discreta,
Como um leve arranhar
Do ar na vitrola.
Aqui, pequena,
Feito plano de fundo;
Eu não consigo saber
Ao certo o que diz;
Mal sei o assunto;
Nem sei o que estou falando.
De leve a vitrola a tocar
Esfarela um rumor
Sobre mim;
De leve se diz;
De tão leve, se ouço, desfaço.
Deve estar tocando
Nesse quadro
Uma melodia insonsa
Intensa e magra
Que, eu não sei,
Não consigo explicar;
Ela mal me comove,
Mas o que comove
Fica ali
A incomodar.

sábado, 10 de setembro de 2011

O meu sabiá

Eu tinha em mãos um sabiá
Que de tão lindo guardei.
Ele um dia veio e pousou na minha mão
E ficou ali, satisfeito.
Ah, eu não pude deixar passar!
Levei para casa, alimentei;
Mas o sabiá insistia em voar
E às vezes até saía de casa.
Eu, que não podia me dar
Ao luxo de ficar sem sabiá,
Resolvi guardar na gaiola,
Toda linda, em cima da mesa,
Para todo dia ele cantarolar.
Ele não parou,
Como você poderia imaginar;
Aliás, cantou como nunca
E fez os meus dias.
Mas ah, esse sabiá...
Ele não é meu, nem nunca quis ser.
Um dia fui ver a gaiola
E estava de portinhola aberta.
O sabiá voltou para o mundo,
Assim, sem nem explicar.
Mas quando eu penso
Que ele não vai mais voltar,
Ele pousa em minha janela
E pia dengoso e leve
Só para me lembrar
Que pode ser meu sabiá,
Mas o será
Da janela para lá.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Pequenice

Hoje você não ligou
Não me atendeu
Ou apareceu
Nem me afagou.
Hoje meu dia foi, assim,
Um silêncio;
Não ouso dizer mortal -
Mas anormal.
Eu vou, então,
Dramatizar
Ruborizar
Exagerar sem medo.
O excesso de sentimento
Compensa meu tempo
Gastado sentindo tão pouco -
Ou melhor, dizendo-o pouco.
As poucas e pequenas mágoas,
Quando não amontoadas,
Fazem bem ao nosso amor.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Esqueça

Esqueça o dia de hoje
Porque hoje nada mais é
Que um novo amanhã
Ou um próximo ontem.
Hoje só vai ser
O que aguentar
Entre duas janelas
Abertas no temporal
A trespassar-lhes seguidamente.
Hoje é você,
Esse vem-e-vai
De chuvas a nunca acabar;
Hoje você pode ser
Ao Deus-dará.
Não importa o que venha
Ou passe,
Esqueça o dia de hoje
Porque hoje nada mais é.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Lacrimosa

Há um ponto -
Sim, este ponto;
Este que tocas sem saber,
Que se perde em ti,
Lavrado do ser
Sem que a foice o tocasse,
Que resvalado na beleza
E na maldade
Sai machucado
De uma perfeição
Que diz ter tido,
Cai desamparado
Por entre os dedos,
Por entre a família
E o amor
Como uma dolorosa fita branca
A desmanchar
Bem ali, na tua mão,
Sem que possas algo fazer,
Sem sequer aparecer -
Este ponto é tudo.
Mas quanto tentardes encontrá-lo
Tanto se esconderá
Por entre os dedos da alma
Que como num afago
Te alisam os cabelos
Até perderes a busca
Por entre essa densa floresta
De onde não vais mais te achar.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Caçador

As palavras me rondam
Como abutres à procura
De um galho em que pousar;
Elas me doem as garras no peito
Como quem tira meu coração
Ainda pulsante, semimorto,
De dentro da caixa.
As palavras não me odeiam,
Não me amam,
Só querem meu corpo
Para baixar feito espírito
E escapar.
Livra-me, Zeus, das palavras
Que vivem de me caçar!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Cristianismo e a pena de morte

Assisti recentemente a um vídeo que trata das "normas culturais", como seu autor propôs, que apoiam a pena de morte na sociedade americana. Segundo ele, o fato de o Velho Testamento da Bíblia fazer uso dessa sanção para inúmeros crimes bíblicos leva os americanos a aprovarem-na. Pela primeira vez aqui em meus textos me vejo defendendo a religião do que creio ser uma acusação injusta - a instituição de penas pode ter tido relação com a prática religiosa no passado, mas desde então era uma atividade concentrada sob as autoridades instituídas; ademais, o afastamento da pena de morte na sociedade é um processo extremamente recente (que ainda não terminou, como o fato de alguns estados americanos ainda a usarem demonstra) que inclusive adentra nossa era de secularismo e laicismo do Estado.
Quando falamos de penalidade em sociedades antigas, em geral notamos uma intensa brutalidade em sua aplicação, ao menos se comparada com o Direito Penal moderno. Uma das mais famosas instituições desse tipo é a chamada Lei do Talião, o famoso "olho por olho, dente por dente". Apesar de retratado na Bíblia, esse sistema também é característico do Código de Hamurabi, uma das primeiras codificações legais da humanidade, na Babilônia. O nome pelo qual conhecemos a lei hoje em dia (lex talionis), indo mais à fundo, tem origem no sistema legal romano, que eventualmente substituiu a "vingança institucionalizada" da Lei por uma compensação monetária. A literalidade vingativa do sistema, contudo, chegou a ser empregada nos tempos da Roma monárquica. Isso significa que a Bíblia, por mais que contenha elementos do Talião, não foi a precursora do sistema (acredita-se que tenha se inspirado nas leis babilônicas) nem sequer a única a promulgá-lo - pelo contrário: instituições que são consideradas fundamentais no processo de instauração do nosso sistema legal também o fizeram.
Mas nem precisamos ir tão longe. Mesmo em tempos de constituição do Estado moderno a pena de morte era empregada, e em geral para mais crimes além do "mero" homicídio. Trair o monarca, por exemplo, era um crime passível de morte. Ora, até mesmo a Revolução Francesa, símbolo maior do processo de republicanização do Estado, fez vasto uso da pena de morte, e não devemos esquecer que boa parte dos expoentes da Revolução queria a extinção do cristianismo, pelo menos no início do processo.
As teorias da pena começaram a aflorar, de fato, ao longo dos séculos XIX e XX, visando estabelecer princípios gerais para a função da pena no meio social. A pena passa a ser vista como retribuição estatal a uma determinada ação (em outras palavras, punição) ou como um meio de reintegração social, para citar duas correntes básicas. Ambas proposições ainda existem e entram em conflito constantemente no meio jurídico. A vertente da reintegração social é, hoje em dia, predominante, mas há críticas contundentes a suas proposições (não vou me delongar em suas explicações para evitar divagações). Por outro lado, o retribucionismo também persiste, e é forte em especial na opinião pública. Creio que mais que um simples "olho por olho", as pessoas gostam da ideia de que quem praticou um crime seja punido por seus atos, e esse é o principal conflito filosófico que leva uma parcela significativa da população a apoiar a pena de morte - e que essa última parte fique em ressalva - principalmente em casos de homicídio, em geral nos mais hediondos.
O cristianismo, afinal, se baseia na Bíblia - mas a maioria de seus fiéis impõe leituras reflexivas sobre o moralismo bíblico, e portanto não acredita na pena de morte como solução para todos os crimes para os quais ela é instituída em sua literalidade. Seria equivocado afirmar esta suposta relação entre cristãos e a pena de morte quando a grande maioria deles não é fundamentalista a esse ponto.

Só para complementar, este é o vídeo em questão:
http://www.youtube.com/watch?v=zl2Tye1IqJc&feature=feedf

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Questões de ateísmo 2 - Fé

"Ser ateu requer mais fé que crer em Deus". Clássica frase da sabedoria popular que pretende insinuar, ao que parece, a ineficácia do ateísmo enquanto empirista. Bem, concordo que nem tudo é passível de embasamento empírico - para isso temos as verdades filosóficas -, mas entre defender uma posição sustentada por algumas afirmações absolutas e ter fé há um grande salto. A fé requer compromisso total e inviolabilidade de crenças, ao menos algumas específicas, coisa que não faz parte do ateísmo - talvez só de sua vertente "forte", aquela que afirma categoricamente não existir Deus*, ou seja, a minoria. Ser ateu, portanto, não requer como fundamento a fé - e para a maioria dos ateus, inclusive, a fé não é um mecanismo aceitável.
Mas deixemos tudo isso de lado. A declaração por si só incorre em erro quando produz consequências lógicas falhas. A crítica ao ateísmo parece sair pela culatra e atingir a própria fé, tão defendida no teísmo. São três as possíveis decorrências da declaração, dependendo do tom que extraímos de sua manifestação. Antes de tudo, contudo, devemos postular a fé como virtude - ter fé significa ser virtuoso, pelo menos para o bem do argumento. Acho difícil acreditar que algum teísta que proponha este argumento seja crítico da fé. No primeiro caso, a lógica parece propor exatamente que o ateu tem mais fé que o teísta. Ora, se isso é verdade, o ateu é mais virtuoso que o teísta e, portanto, todos deveriam ser ateus, ou ao menos aspirar a isso.
Podemos também, por outro lado, subentender um tom crítico - a frase critica o ateísmo por seu excesso de fé. Se é este o caso, ter mais fé seria errado, invirtuoso, ou seja, cairíamos em contradição. Alguém poderia afirmar que a fé deve ser moderada e comedida, mas isto parece desejar medir a fé como algo que, em alguns casos, pode ser danoso, o que não parece, entretanto, ser característico de uma virtude, ao menos não uma virtude absoluta e perfeita.
Por fim, poderíamos afirmar que a proposta é dizer que todos temos fé, independente do credo, e que esta pode estar direcionada equivocadamente (de acordo, é claro, com os princípios do orador). O problema é que se todos temos fé ela deixa de ser uma virtude - uma característica moral sublime a ser alcançada - e passa a ser um fato existencial humano praticamente banal. O exercício de fé não seria louvável como se pretende afirmar; pelo contrário, é fácil e cotidiano.
A conclusão é que apesar de ser consistente enquanto declaração aleatória, a frase não se sustenta quando confrontada com seus próprios conceitos: ela entra em contradição prática, se preferir.

*A tese mais defendida no ateísmo é que Deus "muito provavelmente não existe".

Chéri

Volta, meu mundo,
Volta mais uma roda
Que a terra logo chega
Em mim.
Volta, meu tudo,
No giro da saia
Num rastro de dança,
Pra laia do corpo
Que fica tão fosco
Deste lado de cá
Da pista, do globo,
Do tudo profundo,
Do mundo que quero que volte
Ao teu estado de ser
No meu estar.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Apolo

Beleza é assim um bálsamo
Que te banha os olhos
Mas afoga também.
É uma paixão fulminante
Que te queima ao toque,
Te reveste o enfoque
Numa fina camada de ilusão,
De onde sair, só com choque.
Beleza consome
Com dor e delícia
Como se uma obra de Loki
Que não te engole
Nem cospe;
Como um nome
Que te devore
E ignore.

sábado, 20 de agosto de 2011

Os pavões

Se você visse essas cores
Espalhadas nas penas
Que se agitam por sobre o mundo
E cantam de seu profundo
Por entre o vibrar,
Talvez capturasse o brilho
Da metalinguagem
Dessas aves
Reluzindo sem parar
Com suas densas flores
A chacoalhar
E dançar
E soar.

Tout-puissant

Vida que não se explica
Vida que não quer me danar
Que não pode dizer
Se não com um leve sopro
Ao pé do ouvido.
Vida que se falar
Traga-me junto à morte
Para eternificar
Meu ser, meu conforto,
Ali, rente ao nada,
E no nada
Eterno explicar.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dirty laundry

Pilha de dirty laundry
À beira da janela
Resta abafada, embaçada
Entre seus tons trôpegos
Que caminham para o cinza.
Monte insonso, pilhado,
De mofos dos outros dias
Que escala a beira da borda
Do lado de lá
Pelas tabelas do ar.
Tão profundas cá dentro,
Tão expostas pra fora,
As roupas ou voltam à lavanderia
Ou caem no céu;
Hoje as queria caindo...
Vou lavar louça.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Livrai-nos

Eu tenho um vício
No crisma da liberdade,
Uma obsessão.
Sonho desse óleo
Acordado,
Acocorado no banco,
Esperando pela missa
Que o padre benzer
Para engolir o que ficar no frasco
Do que em mim escorrer.
Quero quedar, quero quedar
Nesse caldo de crisma
A quase acabar
Nos cacos do frasco -
Overdose.

sábado, 13 de agosto de 2011

Olaria do poema

O poema de hoje
Não cabe no papel,
Não cabe no dia,
Não cabe no céu,
Não cabe na mente
Ou na música,
Nem no fel.
O poema de hoje
Não tem metáfora
Não se exprime
Não se compraza;
Ele não tem propósito
Ou insurreição
Não cabe nem mesmo
Na palma da mão.
O poema de hoje
Não sabe a que veio
É como a fatia de pão
Que não vem do centeio,
É como farinha
Que veio do chão
E formou-se assim...

Como Deus
A criar o homem.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Dividendo

Deve tudo ser rebote
De outro ser,
Ou pelo menos parece;
Já ouvi dizer 'tudo que somos
É reinvenção e releitura',
E me parece correto.
Este poema, portanto,
É jazz - e espero
Que o leias a este tipo de som
E entendas que quando escrevo
Pouco importa aquilo que entendas;
Antes, que o sintas.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Confissão romântica

Qual amor queres:
O de sempre, do compromisso velado,
Do cotidiano espalhado
Como poemas sobre a mesa,
Ou o de luxúria
Que gloriosa ressoa no silêncio
Gritando sua essência duradoura
Num minuto rompante?
Eu quero todos,
Como romântico egoísta que sou;
Quero amar nas cousas pequenas
E também nas grandes,
Como se amar fosse só para mim.
Pobre de mim,
Que não sei amar
Se não for em mim.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ricochete

Quem sabe viver
Ricocheteia
Como a dose de whisky
Que bate no ventre
E volta à mente
Rápida tal qual a bala
Cujo mergulho é doce ao coração
Em meio ao bumbo da canção
Para perder-se no instante
Em que se nota.
Então, não note seu pulso,
Senão ela some num mergulho vertiginoso
Sem musicar.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Cópia Fiel

Não me faltam elogios para descrever o primeiro filme ocidental do iraniano Abbas Kiarostami, Cópia Fiel (Copie Conforme, 2010). Devo admitir que não conhecia o diretor até então e portanto sei muito pouco de seu histórico cinematográfico, apenas uma ou outra descoberta cibernética, mas a construção deste longa por si só já possui conteúdo suficiente para uma longânime discussão. Já aviso de antemão que este post conterá inúmeros spoilers, inclusive uma interpretação do final do filme.
Cópia Fiel conta a história do escritor James Miller (William Shimell) e a personagem de Juliette Binoche (cujo nome nunca é mencionado no filme) e a relação dos dois ao longo de uma viagem a uma cidadela perdida na região italiana da Toscana. A proposta central do filme é apresentada logo de início - Miller está na Itália para falar de seu mais recente trabalho, um livro cujo título é o mesmo do longa. A obra propõe que, em se tratando de arte, uma cópia é tão valiosa quanto um original. Este conceito, entretanto, transpõe os limites do universo artístico no decorrer do longa e passa a caracterizar também a relação entre os protagonistas - até que ponto um casal é autêntico ou clichê e como isso se reflete em seu cotidiano?
Na verdade, de início pensamos que Miller e Binoche (resumirei a expressão "personagem de Binoche" simplesmente com o sobrenome da atriz) estão se conhecendo e começando a apaixonar-se um pelo outro. Ao final, saímos convencidos de que eles eram, de fato, casados desde o princípio, ou pelo menos somos induzidos a pensar dessa forma. Kiarostami brinca o tempo todo com nossa noção de verdade e mentira e parece não desejar contar-nos todos os fatos simples e puros - como por exemplo se deveras são casados. Para não se perder na trama o espectador deve estar preparado para lidar com seus subjetivismos e o verdadeiro material do filme - o que importa aqui, como em quase todo bom filme, não é o desenrolar da história em si, mas o conteúdo implícito a ela.
Porém também não podemos tirar da narrativa seus méritos: é maravilhoso como o filme parece retratar todo o tempo de um casamento, desde a paixão inicial, passando pelos maus momentos e chegando num amor maduro e extremamente bem construído. Neste sentido o próprio surrealismo do filme ajuda: é essencial para a construção desta sensação que as personagens sejam relativamente distantes num primeiro momento e depois subitamente próximas. A cena fundamental que realiza esta transição é a do café, onde Binoche insinua ser casada com Miller. Esta sequência do filme funciona quase como um casamento de fato, ou melhor, como um gatilho de uma ressaca pós-casamento, fim de lua-de-mel, onde os problemas do cotidiano subitamente afloram (tanto que o filho de Binoche, supostamente filho do casal, faz uma ligação estressante à mãe logo em seguida) e brigas começam a irromper mostrando as fissuras na relação e a intensificação das diferenças entre os protagonistas. É interessante, aliás, como Kiarostami consegue extrair das personagens suas mais profundas características usando tão somente seus relacionamentos.
Ademais, a relação parece desenrolar-se em cima de clichês: pequenas situações do dia a dia cujo valor torna-se atemporal pelo fato de tratar-se de um casal. Discordâncias aqui e ali sobre um tema ou outro, visões diferentes sobre o significado da vida que invertem-se ao longo da trama, negando e afirmando-se constantemente, e, submersa nisso tudo, uma sensação de que a autenticidade do casal faz-se por intermédio das obviedades, como se fosse possível ser cópia e original simultaneamente. A proposta de Abbas, afinal, é exatamente esta: retratar um casal com o qual possamos nos identificar mas ao mesmo tempo desconhecer constantemente: pequenos segredos e lembranças ficam omissos criando este clima dialético, retratado com genialidade.
Alguns pontos em especial saltaram-me aos olhos: o primeiro deles é a participação do filho de Binoche e, talvez, Miller, interpretado por Adrian Moore (cujo nome também não é dado em momento algum). Apesar de aparecer muito pouco na trama (só no início), seu espectro parece permear todo o filme - não só em suas constantes ligações à mãe, mas também num sentido quase espiritual. Não chega a ficar claro qual a relação entre Moore e Miller, mas algumas conjecturas são insinuadas.
Em segundo lugar, para concluir, a forma com que Binoche e Miller são filmados quando estão sós em cena: Binoche é sempre vista encarando a câmera, enquanto Miller está sempre fazendo alguma coisa, ou então vemos Binoche no reflexo de algum espelho ao seu lado. Para mim, este é um ponto fundamental para a compreensão da trama por dois motivos. Para explicar o primeiro farei uso de um jogo de metáforas entre água e terra. Poderíamos dizer que a personagem de Binoche é mais "terra" - está sempre atrelada a obrigações, deseja algo em que possa repousar, um homem para acompanhá-la - enquanto o personagem de Shimell é "água" - deseja viver a vida com liberdade, uma mulher para amar com poucos compromissos e parece estar numa constante abstração existencial. Neste sentido, o foco constante de Binoche e a variância e reflexividade de Miller são retratados através de sua simples presença, e a forma que essa presença é retratada, em determinada cena.
A outra observação refere-se ao final do filme. No decorrer do longa, os sinos de igreja têm uma participação curiosa; eles surgem em um momento que, dada a discussão acerca do amor apresentada no filme, acaba sendo inusitado: ao invés de tocarem quando vemos jovens recém-casados, como seria de se esperar, eles o fazem pela primeira vez quando entra em cena um casal idoso. Os sinos refletem, parece-me, uma espécie de maturidade sagrada que seria fundamental para a consumação plena do amor. Sua religiosidade e serenidade são perfeitas para abarcar esta metáfora que atinge seu auge ao fundir-se com as noções de terra e água que temos acerca da personalidade de Binoche e Miller: na última sequência o personagem de Shimell fita profundamente a câmera, tocam sinos, Miller sai de cena e o filme acaba. Claro que esta é uma interpretação pessoal da história, mas achei que valia a pena compartilhá-la.
Afinal, este é um filme glorioso, com uma fotografia belíssima, atuações maravilhosas (com especial destaque para Binoche, que inclusive venceu o prêmio de melhor atriz em Cannes pelo papel) e uma direção irremediável de Kiarostami. Diria que deixo uma recomendação para quem ainda não viu, mas imagino já ter espantado a maioria (se não todos) dos leitores que ainda não o assistiram logo quando citei a presença de spoilers. Há muito mais que falar sobre este filme, mas o post poderia acabar ficando grande demais. Então, é isso!

Título: Cópia Fiel (Copie Conforme)
Diretor: Abbas Kiarostami
Roteirista: Abbas Kiarostami
Elenco principal:
Juliette Binoche
William Shimell
Duração: 106min
Lançamento: 18/05/2010
Distribuidora: MK2 Diffusion

Avaliação: Ótimo

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Dali não posso sair, aqui não posso ficar

Fica tu no teu tudo
E eu fico no meu limbo
Que um dia descobres
Ser limbo o tudo
Tanto quanto qualquer coisa.
A vida parece ser, afinal,
Um grande sonho
De que quero acordar às vezes
E, vez ou outra, mais profundo mergulhar,
Tudo em vão, já que o limbo
Continua a tragar
Como um lento cigarro
Que derrete na ponta
Em busca do filtro
Para apagar;
Ou como um relógio
Que derrete nas bordas
Buscando o ponteiro
A estagnar.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Pródigo prodígio

O filho que volta
Num deslize da perdição
Encontra-se rente a três portas:
O alívio instantâneo,
A náusea
E o choro.
Tanto faz de que é o alívio
Ou o asco
Ou a lágrima,
Se pela volta, se pelo cansaço,
Pelo caminho ou a desistência;
Pouco importa que mais faça
Além de quedar solenemente
Nos braços da mãe
Que vai eterna ninar.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O governo do "agora"

Parece que há uma tendência na busca por agradar as massas e os seus interesses diretamente retratados pela mídia. E isso não é nem só com políticos, como por exemplo Dilma que faz cortes em projetos e pessoas de seus ministérios assim que aparece uma linha de crítica nos jornais, como nos casos do kit anti-homofobia, da Casa Civil e do Dnit - podemos citar o exemplo de Mano Menezes, na seleção brasileira, cuja proposta é claramente baseada nas reivindicações midiáticas quanto a uma necessidade de renovação.
Mas atenhamo-nos aos políticos, cujos atos têm consequências de impacto mais profundo em nosso cotidiano. Já estão pipocando casos de ex-funcionários do governo federal, em especial nos recentes acontecimentos envolvendo os Transportes, que reclamam da falta de tato da presidenta para lidar com situações como esta, afirmando inclusive que os cortes estão sendo feitos sem investigação mais aprofundada. Um exemplo é o agora ex-ministro da referida pasta, Alfredo Nascimento (PR-AM).
Ora, claro que as denúncias de superfaturamento apresentadas pela mídia são preocupantes e algo deve ser feito para lidar com a situação, mas quando temos um governo de medidas imediatistas e definitivas como tem se mostrado a gestão de Dilma, somos forçados a pensar no que podemos estar perdendo neste processo. Há um termo em ciência política que reflete bem este princípio: é o chamado "real interesse"; referimo-nos ao "real interesse" quando queremos dizer que há um princípio (ou fato) subjacente à matéria de um determinado debate que deve ser protegido por caracterizar um "bem maior" que pode passar despercebido pelos olhos do cidadão comum - é, portanto, responsabilidade do representante protegê-lo.
O exemplo mais latente disso na gestão Dilma é o caso do kit anti-homofobia: o desespero para evitar o desgaste político da defesa do projeto e o interesse de manter a bancada religiosa próxima às aspirações governistas frente à aprovação da nova legislação ambiental levaram o governo federal a ser decisivo: cancelou a distribuição do kit. É importante salientar que o kit anti-homofobia não era o que a bancada evangélica "informou", mas antes um esforço real de especialistas nas áreas de saúde e educação que estavam interessados em combater o preconceito em um estágio fundamental de afloramento da sexualidade: a puberdade. Os frutos que poderíamos obter disso, entretanto, nem tiveram chance de dar as caras. Qual o malefício? As longas pesquisas e projeções nas quais o projeto se baseava foram descartadas; o problema do preconceito nas escolas continua sem ser combatido.
Não estou querendo discutir se o kit anti-homofobia interferia na educação dos pais ou não, se fazia apologia a orientação sexual ou não (o que honestamente não faz nenhum sentido) - o fundamental é que era uma forma de combate ao preconceito que foi podada e seus eventuais benefícios foram perdidos, pelo menos até que um novo projeto tome rumo. Isto é uma perda, inevitavelmente. A questão é: será que realmente queremos um governo que corta fora galhos com uma suposta gangrena antes mesmo de podermos vislumbrar seus frutos? Não acho que seja errado ser pragmático - pelo contrário, admiro isso na nossa presidenta -, mas por outro lado talvez excesso de pragmatismo também não seja o antídoto ideal.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Carcará

Fica na minha cabeça feito sombra
Pairando no nada
Restando num medo
A me esperar
Crescendo diminuta
Fazendo segredo
Travada no tempo
Da boca aberta
Garganta vibrando
E vento soprando
Eterno rompante
A divagar
Sobre a minha cabeça
Minando meus dias
Expelindo minhas noites
Caçando meu tempo
Fazendo-me presa
De seu gargalhar.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Problema da fé milagrosa

Escrevo este post sob o pretexto de desenvolver um argumento contra a noção de um Deus que se manifesta por intermédio da fé miraculosa. Não sou, nem de longe, um especialista em raciocínio lógico, nem muito menos um grande entendido dos assuntos referentes à teologia. Por isso, é alta a possibilidade de que meu raciocínio apresente vícios de construção ou erros estruturais, além de partir de noções razoavelmente simplistas de "fé" e "milagre". Respostas e contra-argumentos serão muito bem vindos, até porque tenho interesse em compreender o funcionamento do mecanismo da fé miraculosa.
Vamos, primeiramente, às definições a serem empregadas. Entendo fé como "a crença que intransigentemente não se baseia em provas ou evidências". Talvez seja uma definição conservadora por instituir uma inflexibilidade à razão, mas compreendo que o exercício da fé abrange campos inalcançáveis para a "mera" razão humana e seus mecanismos de dedução. É, portanto, pura: completamente livre de nexos causais racionalizantes.
Um milagre, por sua vez, é um evento atribuído à intervenção divina. Há duas concepções fundamentais de milagres: aqueles de procedência puramente sobrenatural, que representam uma quebra no sincronismo das leis naturais, e ainda os de procedência natural, cuja forma ou probabilidade os faz parecer sobrenaturais. Contudo, ambas presumem uma intervenção divina no processo, e esta é a característica fundamental sobre a qual desenvolverei meu raciocínio.
Segundo os preceitos da fé milagrosa, milagres são alcançáveis através de um exercício de fé: esta cria para o divino um acesso ao plano material, permitindo sua manifestação. O exercício milagroso que não é oriundo da fé não está, portanto, inserido nesta questão: um milagre ocorre se, e somente se, houver fé. O milagre é, segundo o conceito da fé milagrosa, uma consequência da atuação desta fé.
Ora, se os milagres ocorrem enquanto consequência direta da atuação da fé, eles evidenciam ou provam esta. Se há provas ou evidências de uma determinada proposição, esta pode ser racionalizada e, por conseguinte, falseada. A fé, entretanto, requer a inexistência de provas ou evidências para existir; chegamos, então, a uma redução ao absurdo: a fé não é fé.
Podemos estruturar este raciocínio da seguinte forma:
Se temos (1) fé e (2) milagre, podemos propor:
I. (2) existe e é observável;
II. (2) acontece se, e somente se, (1) for contemplado;
III. (2) então é prova ou evidência da possibilidade factível de (1);
IV. (1) requer ausência de evidências ou provas. Se temos como embasá-la racionalmente, a fé pode ser falseada e, portanto, não é fé - reductio ad absurdum.
A forma reduzida propõe que se afirmamos crer em algo sem evidências ou provas (ter fé), a existência de uma evidência ou prova (o milagre) do objeto da crença desvalida a afirmação. A única forma de ter fé é que não exista possibilidade alguma de racionalização, caso contrário a fé perde seu conteúdo existencial: não precisamos crer, pois sabemos.
Lembro, mais uma vez, que não sou um perito neste assunto, então estou apenas construindo uma proposta que, para mim, fez sentido. Quem tiver alguma crítica ou quiser acrescentar alguma coisa, sinta-se livre para comentar.

Adendo, redigido em 31 de Agosto de 2011:
Gostaria de fazer uma correção ao argumento, pois notei um erro de raciocínio após cautelosa observação.
A fé requer independência de provas para funcionar em relação a um determinado objeto - no caso, o Deus dos milagres. Isso significa que quando há milagres, eles não são prova da fé em si - antes, do objeto da fé. Assim, a existência de milagres obtidos por intermédio da fé não desconfiguram a fé em si, mas sim sua ligação com o objeto. De qualquer forma, se rui a conexão com o objeto, a fé fica descaracterizada. Não retiro, portanto, o argumento - apenas proponho uma correção nos moldes do penúltimo parágrafo do texto, onde esta configuração fica mais patente.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O ateu zetético

Este post servirá de expansão, revisão e aprofundamento dos conceitos apresentados no post "O ateu dogmático".

A cerca de seis meses atrás comecei a escrever sobre ateísmo e a essência dogmática por trás de seus fundamentos. Todos desfrutamos de vidas permeadas por dogmas, queiramos ou não, e isso não é necessariamente ruim, como o termo parece implicar. Acontece que o dogmatismo caiu em desgraça por seu constante paralelismo com as "verdades absolutas", o que acabou destituindo este importante ramo das ciências humanas de sua função inicial, de estipular pontos de partida, fundamentando, em especial, o ativismo da vida. Se vislumbrarmos novamente esta perspectiva, podemos entender como a postulação da inexistência de Deus, ou mesmo a provável inexistência de Deus, é tomada como argumento inicial pelo ateísmo na concepção de seu existencialismo, e como o ateu pode viver fundamentalmente sem a necessidade de Deus.
Dogmas não são, ao menos segundo seu conceito empírico, inabaláveis. Pelo contrário, requerem uma construção argumentativa para estruturá-los. Na teoria do direito, apresenta-se o conceito de zetética, responsável por esta atividade intelectual. Zetética é, resumidamente, o ato da absorção de conceitos de outros ramos do conhecimento, como a sociologia, antropologia, filosofia, etc, na construção de uma estrutura jurídica mais próxima da realidade. O direito, então, dogmatiza conceitos de outras áreas para lidar com sua manutenção social, de forma sucinta.
Transpondo o termo para o âmbito da construção de estilos de vida, zetética seria o desenvolvimento racional que permeia a vivência de um indivíduo. Argumentos filosóficos ocorrem aqui, num constante exercício de desconfiança e descrença, que não é exclusividade de ateus. Todos raciocinamos nossos dogmas de uma forma ou de outra, em um momento ou outro.
Existem inúmeros argumentos a favor e contra a existência de Deus, especificamente. Podemos citar os argumento da moralidade e cosmologia, pela proposição teísta, e a problemática do mal e o paradoxo da onipotência, pelos antiteístas*. Na verdade, de forma geral, não há plena concordância em relação à questão na filosofia, e a existência ou inexistência de Deus nunca foi plenamente comprovada, sendo boa parte dos argumentos de ambos os lados plenamente defensáveis, assim como perfeitamente atacáveis.
Acho interessante destacar que a maior parte desses argumentos tenta provar ou desprovar Deus através de características específicas deste. Neste sentido, a validação do argumento dá-se unicamente no âmbito da divindade a que se propõe, e isso é muito importante. A problemática do mal, por exemplo, prega a incompatibilidade de um deus onipotente e perfeitamente bom, o que não significa dizer que Deus não exista sem uma das duas características, ou mesmo sem nenhuma delas, apenas que é logicamente impossível tê-las combinadas. Assim, o deus panteísta poderia existir, pois ou não está interessado na humanidade (logo não influiria em nossa noção de bom e mau), ou, talvez, não seja sequer essencialmente bom. Destaquei o argumento do mal pois é o mais recorrente e o mais reconhecido, mas tal exercício pode ser feito com praticamente qualquer argumento, tanto a favor quanto contra a existência de Deus.
Pessoalmente, creio que a problemática do mal é um argumento fortíssimo. Se fosse teísta, provavelmente passaria toda minha vida tentando desvendar este enigma (coisa que, alega-se, nunca foi alcançada em séculos de tentativas) - sem apelos a "mistérios divinos" e "fé", é claro, que não passam de desistências disfarçadas, no meu ponto de vista.
Ademais, o próprio cotidiano do estilo de vida tende a reforçar zeteticamente o dogma, ao que me parece. A forma que um teísta lida com seu dia a dia é radicalmente diferente daquela do ateu. A forma de observar o universo é extremamente diversa, o que tende a intensificar as diferenças, ao menos até que algum rompante intenso altere tais desenvolvimentos, se é que algum dia isso acontecerá. De certa forma, podemos dizer que o dogma produz resultados que zeteticamente acabam por influenciá-lo novamente, reforçando-o. Se isto é bom ou ruim, não sei dizer. Mas, afinal, parece ser realidade para todos.
Um diferencial fundamental, contudo, diz respeito à procedência zetética extra-filosófica dos dogmas. Há, claro, os argumentos racionais, mas fora isso ateus e teístas tendem a extrair pontos de vista de áreas bastante discrepantes: a ciência, de um lado, e a teologia, de outro. Não tenho a teologia em alto apreço, em especial por acreditar que trata de argumentos viciados (partindo de Deus para propor Deus), mas talvez isso seja um problema pessoal, ou mesmo falta de informação. E, afinal, quem sou eu para afirmar que as crenças de outras pessoas estão erradas?
Acabei não falando tanto de algumas opiniões que embasam meu ateísmo, como imaginei que faria nesse texto, então concluirei com algumas observações mais expressivas e talvez agressivas, embora um pouco vagas: creio que ao observarmos a lógica por trás de um teísmo de onipotência, onipresença, onisciência e perfeita benevolência de um único ente criador, há inúmeras incongruências e discrepâncias que ficam latentes. São tantas, e tão bem expressas em inúmeros argumentos antiteístas, que torna-se difícil aceitar Deus como ele é tradicionalmente formulado, em especial no monoteísmo. Para piorar as coisas, as propostas em geral baseiam-se em defesas circulares e omissões convenientemente posicionadas. Consigo aceitar outras ideias de Deus mais abstratas e complexas - aliás, não duvido tanto assim da existência de alguma divindade: pelo contrário, considero algumas teses bastante plausíveis -, mas até hoje não fui convencido da existência de alguma que mereça, ou sequer queira, minha atenção e devoção. Fico, então, no existencialismo ateu sartriano que já citei num texto passado: resto na terra com meus problemas e os problemas da humanidade, tentando encontrar uma forma de lidar com eles - somente eu e o mundo.

* Não delongar-me-ei na apresentação de cada um dos argumentos exemplificados neste texto. Uma simples pesquisa pela internet lança luz sobre os principais pontos de cada um.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Cecília

Cheiro de madeira, de carvalho,
Que roda na taça de púrpura
E some ao som madeirado
De Edith. Ah! Edith...
Tudo de que preciso
É esse ar de madeira
Perdido entre Edith e merlot,
Cabernet e Piaf,
Ficando la musique à vitrola
Como o vinho que transcorre
Os contornos do coupe.
Le toujours, mon cher,
C'est de chêne.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Afogado

Água de tantas coisas
Mar, céu, lágrima,
Suor, beber, lavar...
Tanta água que transborda
De qualquer lugar
Tanta água que falta
Em todo lugar.
Água rasa, água profunda,
Quente, morna, fria...

Tanta metáfora de água
E eu ainda não sei
O que é água.

domingo, 3 de julho de 2011

Contar louros

Louros cachos por sobre a cabeça
Despencam e rolam no chão
No passar dos poucos segundos
Que cobrem os dias,
E, no entanto, todos esses dias
São como louros
Que pouso em minha vida
Feito coroa a restar sobre o tempo.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Este portarretrato

Vamos combinar umas simples regras:
Eu sentirei tudo aquilo que o espaço entre o céu e a terra permitir
E vós sereis os retratos de óleo que pingarão em minha parede.
E desta parede farei um mundaréu de tintas
Escorrendo por entre as fissuras da borda,
Por cima da borda, tanto faz,
Que inundarão meu pequeno quarto
Misturando-se imprecisas no chão
Tornando-o uma piscina de cores gordurosas
A confundirem e desentenderem-se
Até que enfim cheguem à negridão de um profundo quarto repleto
E cessem seu movimento.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Questões de ateísmo

Ok, vamos lá, mais um texto sobre ateísmo. Eu sei que a grande maioria das pessoas que lê qualquer coisa postada aqui é teísta, e discorda dos meus pontos de vista, ou ao menos tira conclusões diferentes à partir de argumentos similares, mas justamente por isso acho que devo alguns esclarecimentos sobre minhas crenças e descrenças, em especial acerca de questões que foram levantadas quando debatia com conhecidos.
O que vou abordar neste post são pontos que nascem da minha perspectiva ateia da vida: não estou dizendo que minhas análises estão corretas, nem muito menos que elas são a mais absoluta verdade. Aliás, creio que convicções religiosas (ou "arreligiosas") são virtualmente inabaláveis, portanto já digo de antemão que não pretendo "converter" ninguém, e sei que com quase toda certeza não teria sucesso se este fosse meu objetivo; para um vislumbre sobre temas relacionados a isto, visite o post "O ateu dogmático". Pretendo aqui tratar exclusivamente de algumas dúvidas expressas por teístas sobre ateus.

1. O bem e o mal
Para o ateísmo, não há entidades sobrenaturais capazes de direcionar o desenvolvimento (apesar de eu não gostar da palavra) da humanidade nem, afinal, de todo o Universo. Isto significa que ateus não acreditam em Deus, mas, e isto deveria estar implícito, também não acreditam no Diabo. Há uma enorme confusão quanto à diferença entre ateus e satanistas; estes últimos poderiam aproximar-se da definição de "adoradores" do Diabo frequentemente empregada aos ateus. Não quero com isso repassar o ódio aos ateus para os satanistas; aliás, entendo pouco de satanismo, e não recomendo que se façam conclusões sobre esta religião sem pesquisa e estudo acerca do tema. Enfim, a ideia é que não existiria a concepção maniqueísta do Bem e do Mal expressamente separados, representados por figuras deísticas distintas. Não acreditar nesta caracterização, contudo, não significa afirmar a inexistência do certo e o errado - esta distinção, na verdade, independe da religião, e adentra a questão da moralidade. Ateus seguem, sim, uma determinada moral, cujas propriedades transcendem as divindades, ao contrário do que muitos acreditam. Aliás, a moral correlaciona-se a uma série de fatores, como cultura, filosofia, família, dentre os quais está inserida a religião. Isso significa que a noção de certo e errado, ou melhor, uma noção de certo e errado, existe em todo indivíduo. A acusação de que um mundo sem Deus seria um mundo de anarquia moral não só é totalmente falsa como também absurda.

2. O invisível
Partimos, então, para outra dúvida: ateus não acreditam em algo que não possam ver? Ou ainda, ateus não acreditam no invisível? Bem, aí temos que fazer uma clara distinção entre invisível sobrenatural e invisível natural. Deus(es), Diabo, anjos, demônios, espíritos, fantasmas e afins, ou seja, as figuras espirituais que de acordo com deístas influenciam o universo de formas sobrenaturais, não existem para o ateísmo. Por outro lado a consciência, os pensamentos, os sentimentos, a psique e outras abstrações da humanidade, sim. Por exemplo, um ateu não teria problemas, exceto de corrente filosófica, em acreditar no Mundo das Ideias de Platão. Pode discordar da visão platônica da existência humana, e preferir, por exemplo, a filosofia aristotélica mais pragmática, mas não tem dificuldade em aceitar a existência de coisas que não vemos.

3. Evolucionismo e ateísmo
Agora uma questão que diz respeito, de certa forma, ao universo científico: a relação entre evolucionismo e ateísmo. Na verdade, este ponto suscita inúmeros questionamentos, mas tentarei ater-me apenas aos assuntos que geram confusão quanto à absorção ética e argumentativa da evolução pelo ateísmo. Peço perdão pela rispidez com que tratarei este tópico em alguns momentos, mas isso se faz necessário, considerando que há inúmeros mitos e inobservâncias científicas feitas em relação à evolução. A análise mais aprofundada delas, contudo, ficará para outro post. Vamos então aos fatos:
a. O ateísmo não é responsável pelo nascimento da teoria evolutiva, e em nada se relaciona a ela. Na verdade, há evolucionistas monoteístas, politeístas, panteístas e ateístas.
b. O evolucionismo é fato. Não há evidências de sua inveracidade; pelo contrário, há infinitas provas de sua corretude científica. Não há, em termos de evolucionismo, espaço para crer ou não crer.
Esclarecidos esses pontos (e eu sei que o ponto 'b' é polêmico, mas como eu disse essa discussão fica para um outro post), vamos aos equívocos. Não há, da parte de nenhum ateu, nem de nenhum cientista, a menor intenção de doutrinar a humanidade acerca da existência ou não de Deus com base na evolução - estas são questões totalmente independentes. A ciência não é feita de crenças e achismos, ela trabalha com fatos, evidências e teorias. Se você prefere "acreditar" numa "teoria" sem evidências, é problema seu (sim, estou referindo-me ao criacionismo), mas a verdade é que ciência e religião não se confundem. Além disso, evolucionismo e neodarwinismo não são exatamente a mesma coisa: o neodarwinismo é uma teoria, que até agora não foi contestada com propriedade, que trata da evolução - esta, por sua vez, um fato.
Outro ponto importante neste tópico é a diferenciação entre evolucionismo, origem da vida e origem do universo. As pessoas costumam confundir estas três coisas, achando que tratam-se da mesma coisa, o que não é verdade. O evolucionismo trata de características da vida, e como ela se transforma em seu próprio decorrer, nada mais. A origem da vida é um tópico concernente, em especial, à bioquímica, e apenas apodera-se de alguns atributos do evolucionismo para suas teorizações. Já a origem do universo diz respeito à física quântica e a astronomia. Nestas duas últimas áreas temos uma multiplicidade de teorias, apesar de algumas dominantes, com fortes argumentos favoráveis e outros contrários. Aqui há espaço para contestação, desde que ela seja, e isto deve ficar frisado, científica.

4. Ódio a Deus
Por fim, e esta não exatamente uma dúvida, e sim uma convicção ilógica: a impressão que ateus odeiam Deus. Esta é, com o perdão do ar ridicularizante, uma afirmação irrisória. Podemos, neste sentido, citar o filósofo francês Jean-Paul Sartre, que fala de um "existencialismo ateu". Para ele, a questão da existência ou não de Deus é despresível; o fundamental seria entender-se e compreender os limites e problemas impostos pelo ser humano a si mesmo. Para aprofundarmo-nos ainda mais nesta questão, podemos lembrar que a filosofia ateísta cita duas formas distintas de ateísmo: aquele nascido sem ciência de um deus, e portanto desconhecedor de sua existência (o que eu tendo a considerar uma espécie de ateísmo ideal, já que num mundo profundamente dominado por religiões a chance de não entrar em contato com divindades é praticamente nula; entretanto, ele é sim possível, por isso não faço uma distinção objetiva entre ateísmo ideal e real), e aquele necessitado do que religiões chamariam "leap of faith", "salto de fé", em tradução livre, algo como uma declaração de descrença de um determinado indivíduo. Ao contrário do que pensam alguns, contudo, este processo não está, nem de longe, obrigatoriamente atrelado a uma decepção religiosa. Daqui, então, surgem argumentos ofensivos como "não existe ateu na morte iminente" e "ateus são só pessoas decepcionadas com Deus". Honestamente, creio serem estas declarações absurdas de pessoas que não compreendem o ateísmo e, aparentemente, nem fazem questão de compreendê-lo.

Estes quatro pontos foram os que mais saltaram-me aos ouvidos em debates recentes com teístas, ou que mais observei em declarações aleatórias feitas principalmente na internet. Espero ter esclarecido tais pontos para evitar confusões posteriores. Em caso de mais dúvidas sobre o assunto, comentários aqui mesmo, no blog, são sempre bem-vindos.

sábado, 25 de junho de 2011

10 músicas "underground" obrigatórias de Madonna

Ok, pra falar a verdade, esta seleção não é tão "underground"; na verdade, todas as músicas listadas aqui fizeram bastante sucesso, cada qual em seu tempo, e eu, como fã, tenho dificuldade em descrevê-las assim. Mas é só pra ficar claro que não estou incluindo nesta lista as Vogues, Like a prayers, Hung ups, e tantos outros sucessos gigantescos de que todo mundo lembra até hoje. Agora, se você, meu caro leitor, nem sabe quais são esses hits, não devia nem estar lendo este post; vá aprender "madonnês" antes de qualquer outra coisa.
Se você já conhece estas músicas que eu estou apresentando aqui, parabéns: você já está um passo mais próximo de ser um entendido em Madonna. O degrau seguinte é, se você se interessar por isso, baixar os álbums completos, um a um. Se não quiser também, tudo bem: não é todo mundo que tem paciência pra conhecer toda a discografia de um artista, ainda mais de um com quase 30 anos de carreira.
Outro detalhe: excluí dessa lista faixas do século XXI, como What it feels like for a girl e Hollywood, porque presumo que por serem recentes as pessoas ao menos já ouviram falar delas. Ademais, eu sei que provavelmente deixei de fora uma ou outra música que seriam dignas de entrar na lista, mas ficaria difícil incluir tantos clássicos numa lista com 10 faixas.
Ah, e desculpem por não postar o link do video de cada música no Youtube, é que eu sou péssimo para lidar com esse universo da internet! Mas eu garanto que se você jogar na busca do Youtube o nome da música + Madonna, achará todos os videoclipes. Sem mais, vamos lá!

10. I'll remember (1994)
Lançada como parte da trilha sonora do filme "Com Mérito" (With Honors, 1994), fez muito sucesso nas paradas do mundo inteiro, e foi aclamada como a ressurreição de Madonna após os fracassos de venda e crítica de seus trabalhos anteriores, o álbum Erotica e o livro Sex. A música fala de um relacionamento que morreu, tratando-o com carinho e compreensão apesar do término. Passa um clima doce e suave, transbordando uma sensação de calma imersa em superação. No clipe, Madonna aparece com os cabelos pretos e bem curtos, gravando a música num estúdio diante de um telão que exibe cenas do filme "Com Mérito".

9. Everybody (1982)
A primeira música gravada e lançada pela popstar, o que a faz um must-hear da cronologia madônnica. Tem uma pegada bem club-punk do início dos anos 1980, universo musical no qual Madonna se inspirou para criar seu visual, e do qual emergiu como estrela. Dizem as más línguas que ela não passava de uma plagiadora que absorveu as influências das boates do universo punk que frequentava. No vídeo, vemos a cantora usando roupas características desse estilo, dançando no que parece ser uma discoteca underground. A música foi um grande sucesso nas boates americanas, apesar de não ter tido o apelo comercial que tiveram os singles posteriores deste álbum de estreia (o autointitulado Madonna), como Holliday, Borderline e Lucky Star.

8. Secret (1994)
Primeiro single do álbum Bedtime Stories, de 1994. Como sempre, Madonna estava explorando mundos musicais diferentes dos que ela estava acostumada. Aqui, ela mergulhou no universo do R&B, trabalhando com produtores de estrelas em ascensão (como Mariah Carey) para renovar sua imagem e aproximar-se novamente do grande público. Por isso, Madonna foi um pouco criticada: ela sempre fora conhecida pela renovação e vanguardismo. Por outro lado, recebeu elogios por produzir um trabalho mais consistente e "menos explícito" que Erotica. O que também chama atenção em Secret é o fato de ter sido a primeira música lançada pela cantora para download na internet.

7. Rain (1993)
Uma música de libertação, mas não como uma I will survive, de Gloria Gaynor, ou mesmo uma Sorry, da própria Madonna. Ao invés disso, fala de uma libertação através do amor, e de forma sutil e suave. Considerada por alguns uma das melhores faixas do álbum Erotica, foge da estética sexual do álbum, o que justamente a torna tão especial. O clipe foi inspirado no diretor japonês Ryuichi Sakamoto, absorvendo seu estilo ao recriar uma sensação de fundo de palco. Seu lançamento como single foi recebido por muitos fãs como um brinde amoroso de Madonna, já que não se esperava o lançamento de mais nenhum single deste álbum (depois de Rain, veio ainda Bye bye baby).

6. True blue (1986)
Faixa-título do álbum True Blue, lançado no mesmo ano, acabou ficando esquecida na história, depois de concorrer por atenção com grandes clássicos do mesmo disco, como Open your heart, La isla bonita e Papa don't preach. É uma bela canção ao estilo anos 80 que retrata um amor jovial e inocente, com metáforas e comparações infantis (como por exemplo no refrão, "true blue, baby, I love you"). No clipe, a coreografia simples e o fundo quase constantemente azul (quando não um pôr-do-sol) reforçam esta sensação. Não obstante, é uma música extremamente marcante e muito pegajosa: cuidado, pois ela muito provavelmente irá grudar na cabeça!

5. Cherish (1989)
Do álbum Like A Prayer, uma das músicas mais românticas do álbum. Aliás, "a" música romântica do álbum. Fala do amor através dos fatos apreciáveis de um relacionamento. Assim como True blue, possui um clima alegre e jovial. Seu lançamento reflete bem o dinamismo lírico de Madonna neste período: de religião e sexo (com o single Like a prayer) ela foi a feminismo (Express yourself) e depois amor, com Cherish. O video foi gravado em Malibu, e traz Madonna na praia, brincando no mar com sereias e "sereios".

4. The power of goodbye (1998)
Uma das mais belas músicas já produzidas por Madonna, na minha humilde opinião. Trata-se do terceiro single do álbum Ray Of Light, considerado uma das obras-primas da cantora, ao lado de Like A Prayer, de 1989. A música mistura instrumentos de corda com um fundo eletrônico, e busca uma sensação de melancolia, enquanto mergulha numa profunda auto-reflexão após o fim de um relacionamento (há quem diga que a música foi escrita para o ator Sean Penn, com quem Madonna foi casada nos anos 1980). O clipe é uma verdadeira obra de arte: remete a inúmeros clássicos do cinema, buscando inspiração em nomes como Steve McQueen, Faye Dunaway e Joan Crawford; no video, o relacionamento é tratado como um jogo de xadrez, ao mesmo tempo em que há uma tentativa de fugir do tabuleiro. O elemento da água é muito forte no trabalho, que termina com Madonna na praia.

3. Live to tell (1986)
Esta é um grande clássico, na verdade; uma das músicas de maior sucesso de Madonna, e o primeiro single do álbum True Blue. Uma reflexão sobre traição e desconfiança, que ao mesmo tempo remete a medos de infância. O lançamento desta música representou um dos momentos cruciais da carreira da cantora, pois este foi o primeiro álbum em que Madonna envolveu-se na produção e composição das faixas, o que viria a se tornar marca registrada em todas suas obras posteriores. É uma pena que as pessoas se lembrem tão pouco desta canção.

2. Deeper and deeper (1992)
Definir a primeira e segunda colocadas foi bem difícil, já que, de certa forma eu acho que elas deviam compartilhar essas posições, mas vamos lá. Em segundo lugar, ponho a faixa mais dançante do álbum Erotica. Foi muito comparada com Vogue por ter uma pegada extremamente disco e dance-pop. Dentro do disco de 1992, realmente é a faixa que melhor remete aos "velhos tempos" de Madonna, e por isso foi muito elogiada. A música é realmente ótima, mas o que provavelmente mais se destaca é seu vídeo, uma absoluta ode ao artista Andy Warhol, incorporando inúmeros elementos de seus filmes na produção. É a expressão máxima do "underground madônnico", em minha opinião, por aliar referências artísticas fortes, decadência comercial e sucesso nas boates alternativas.

1. Take a bow (1994)
Segundo single do álbum Bedtime Stories, e maior sucesso deste. Take a bow, na verdade, é muito bem conhecida. Assim que ouvi-la, você provavelmente lembrará de alguma coisa dela, desenterrando-a nas profundezas da sua memória. Acho que ela é digna do primeiro lugar justamente por isso: é uma música do rol de gigantescos sucessos de Madonna, mas, por mais que as pessoas lembrem-se dela, não pensam imediatamente nela quando ouvem o nome "Madonna".
A música em si funde estilos orientais e latinos, e, mais uma vez, trata de um fim de relacionamento. Sua composição tem um ar quase místico, intangível, que atrai para si um estado de beleza inebriante, tornando-a um verdadeiro clássico. O clipe gira em torno da relação de Madonna com um toureiro, e compara a tourada, entre o duelo e o fim dramático para o touro, com seu amor desenganado. Além disso, ele me lembra, e talvez isso seja só comigo, o filme "Fale Com Ela" (Habla con ella, 2002) de Pedro Almodóvar, apesar de ter sido gravado muito antes que o longa-metragem. Enfim, esta música é um clássico digno de ser rememorado.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Angústia

O mundo cabe
Num tubo de luneta
Onde vou profundo voar
Na distância de um tudo
A nunca pousar.
O mundo gira confuso
Como se um ofegante luar
Cuja luz recai sobre a terra
Mas como astro nada mais faz
Se não pairar.
O mundo sou eu,
Esse telescópio lunar,
Que fala do amor pela terra
Mas não sabe como nela ficar.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Orgulhos e orgulhos

Se você observar os Trending Topics (os assuntos mais recorrentes) do twitter brasileiro nesta quarta-feira, 22 de Junho de 2011, verá que está em pauta o "Orgulho Hetero". Se resolver ir mais fundo e ler o que as pessoas estão falando a respeito, verá pessoas revoltadas pela falta de uma "Parada Hetero", pessoas fazendo piada e outras criticando o "politicamente correto" que as proíbe de manifestar este orgulho.
Veja bem, não há nada de errado em ter orgulho de ser hetero. Pelo contrário, é legal que as pessoas tomem a iniciativa da discussão da orientação sexual, independente de como esta discussão se dá. O que parece faltar é uma compreensão melhor do que significa "orgulho gay", ou pelo menos o que a expressão representa.
A introdução do assunto será com uma comparação para a qual muita gente torce o nariz: o antissemitismo. A conscientização acerca deste tipo de preconceito deu-se diante de uma situação fática: o extermínio de judeus nos campos de concentração nazista. Estes entre tantos outros - ciganos, eslavos, comunistas e, pasmem, homossexuais - de uma extensa lista de "raças inferiores" e "seres degenerados". Os judeus, no entanto, foram o povo que ficou mais profundamente marcado na história ao final deste triste episódio. A humanidade então começou a tomar providências para lidar com o preconceito, tanto no âmbito político-jurídico quanto no espaço da ética e da moral: falar mau de judeus passou a ser sinônimo de algo errado para a comunidade, algo que deve ser reprimido e rejeitado.
Mas não é de se negar que, mesmo com toda essa lógica anti-intolerante da sociedade, ainda hoje há preconceito, inclusive contra os judeus. Este se dá, de uma forma geral, contra as minorias: qualquer grupo de pessoas que não se encaixe na maioria (no caso do ocidente, os cristãos brancos, em geral) por causa de sua religião, procedência nacional, aparência física, gênero sexual, orientação sexual ou qualquer outro critério que você queira encaixar na amostragem para diferenciar indivíduos dos demais.
Uma das formas mais tradicionais de combater este preconceito é fortalecendo a imagem do respectivo grupo minoritário, afirmando a identidade dos indivíduos através de estereótipos (sim, estereótipos nem sempre significam coisa ruim). Ressaltam-se, então, os valores da comunidade judaica, a beleza e força da "raça" negra e o orgulho dos homossexuais de serem o que são; e aqui chegamos no ponto que queríamos alcançar.
O orgulho gay é, antes de tudo, uma maneira que a comunidade LGBTT encontrou de identificar-se, de declarar sua existência para o mundo diferenciando-se estereotipadamente da maioria. Por isso há Paradas de Orgulho Gay espalhadas por todo o mundo! Esse tipo de valoração é exclusivo de minorias, por mais que a maioria reclame. Não que isso seja ruim para a maioria: uma nação é composta por pessoas dos mais variados tipos; o povo, como um todo, é diversificado. Somente quando focamos num grupo conseguimos concluir características específicas para diferenciá-lo.
Por isso, não há nada de errado num orgulho hetero: ele inclusive ajuda a realçar as diferenças entre os homossexuais e os heterossexuais. Contudo, ele não possui a carga ideológica, vital para a proteção das minorias, que o orgulho gay tem. Querem fazer uma parada do orgulho hetero? Que façam! A questão é que um movimento desses seria carente de sentido, de propósito: não há uma identidade heterossexual uníssona que precise ser protegida.