terça-feira, 29 de novembro de 2011

E entenderás

Guarde
Que o entalhe
No teu tronco
Espalhe com o suor
E o grave enclave do meu amor
Dissipe na fechadura
Quando a chave
Rodar de impudor.
Derreterá a tatuagem,
Escorrerá a tinta
E penetrará
Nos poros de mim
Até na carne rasgar
A pele a nos separar.

sábado, 26 de novembro de 2011

You know so much about these things

Venda-me os olhos;
Assim talvez eu encontre o caminho.
Entre as encruzilhadas vazias
Do meu clichê,
As ruas lotadas
Do meu vai-e-vem,
Só encontro mãos decepadas
E luas fatiadas.
Vem salvar-me da multidão
Das decepções desiludidas
Que ouso chamar 'coração'.
Quero bater num ritmo próprio,
Apropriado ao sanguinhar do amor.
Quero, quero, quero
O resfrio de um sangue estio
Que teu flua no meu.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Musa

Ai, meu desejo...
Faca das faces
Dos teus dois gumes,
Um meu e outro em teu coração.
Meu desejo é
Capturar tuas asas em rede -
Sou caçador de borboletas.
Mas ainda que lavre
Teu levitar,
Meu camafeu jamais passará
De um pingente
Que carregarei
No colar.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Lucifera

De um sol
Devaneio
No espaço quebrado do céu
Partem(-se) as luzes
Equestres de São João.
O estranho é que estão
Minguadas num único feixe;
O que serão?
Da beleza ao horror
Não parece haver neste clarão
Separação ou animosidade;
Elas vêm e caem sombrias
Sobre as esquinas oblíquas
Da minha projeção.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Fluência

Esqueço-me a cada passo traçado.
Pena que a vida não dure o bastante
No papel; pena que não se comove.
Tento e tento deixá-la contente
Pintada num manuscrito fluente,
Mas tempo vai, tempo vem,
E ela passa nas páginas do caderno
Caindo num outro poema,
Às vezes nem mesmo do lado de cá
Da poesia. Ela gosta mesmo
É de se deixar vagar em sua casa
Olhando tímida e escusa
Para fora de alguma janela
Só quando lhe couber olhar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Hecatombe

Teu dia hoje correu.
Correu mesmo, de um lado a outro,
Mesmo que entre as paredes
Da tua sublime consciência.

De um lado parece
O quarto tremer e rolar
Em apocalipse de justa causa;
Mereces tombar,
Face rente ao chão,
Num extermínio de si
A queimar-te o ventre.
Entre um soco na face
E tiro no estômago
O rodopio enleva-te a vida;
A dor faz homem do cão.

De outro és mausoléu
Fitando defunto o rodar
Como se do escafandro
Da morte em vida
Pintasses as cores do sofrimento
Totalmente puras:
É inútil retumbar na pele
Tentando fugir da coceira
Que ela te dá.

Corre, então, de um lado a outro
Enquanto tudo espira
No teu respirar,
E fica, tão longe, mas junto,
Olhando daqui
O espetáculo do louco
Lançando-se às paredes
Em espasmos frenético e calmo
A dizer coisa alguma.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Teleotempo

Teleotempo
Vaza de mim
Não do relógio
Mas curvo e cágado
Enchendo de mudo o som
Baixando em espírito o tom
Funesto em desprezo da vida
Por si. Não rompe; não pode romper;
Se cai da tormenta ousa saber que o silêncio
Há e resta só na imensidão do ruído rouco tossido
De um suspiro a outro; de um nó só feito no pó.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Allegro

Mas eu não sei.
Quando desejo mais
Ela diz 'menos';
Se não quero
Ela dá.
A louca só vive
De escapismos
Passando de lá pra cá,
Cruzando meu caminho
E parando vez ou outra
No mesmo lugar
Em que estou.
Talvez ela seja,
Na verdade, essa correria
Ou mesmo só onde está.
Acho que não é um
Nem outro;
Acho que é
Num lugar diferente
E só me aparece
Dizendo 'olá'
Quando menos espero,

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Acho que estou consciente

Tenho um silêncio
Que beira o anti-moderno
Passando por entre embalagens
Do plástico ao papel alumínio;
Uma vida paralela que paira
Em algum lugar entre meus olhos
E o momento que fugaz se desfaz
Ao cair na prateleira, nos livros
E no ar ostensivo dos cômodos.
Juro ter visto passar nalgum ponto
Antes do mirar
Uma vista hermética, cerrada sobre si.
Juro! Juro...
Mas não sei como explicar no escuro
Que há algo ali.
Só resta-me usar as palavras
Para algo explícito, e ainda tão pouco,
A perambular feito criança
Por sobre um chão de madeira na sala.
Na verdade, acho que estou falando
Justamente do ranger
Que as tábuas cantam
Em nosso passar.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Nicho

Cadê você, meu bem?
Eu lembrava tão bem,
Mas já não sei.
Agora você sumiu em algum lugar,
Acho que te afoguei,
Nesse nosso pequeno parque
Macabro, escuro e embaçado
Nevoeiro adentro.
Perdemos o nexo
Do dia e da noite
Em torno desse nascente cinza-escuro
Que talvez poente queira se encerrar.
O problema de perder-te
É mais que da fronteira entre nós
Toda vez se faz abismo
De apatia e remorso enclave.
Não te escondas, meu lindo sangue;
Não saias desse chão
Escorrendo por todo lugar.
Eu preciso que precises aqui ficar
Para, em transe, em banho, em luto,
Restar um bicho vivo.

Pulso

De repente a mente
Outrora quente
Não se sente.
Subiu pelas paredes
Escalou o teto
Rodou no ar
E desvaneceu
Da remitente razão
Rumo a um pulso
Que ecoa vazio
Na animalesca indecisão
De um impulso
Rolando escuso
No confuso
Do breu,
Do vão,
Do humanamente
Até cair de joelhos no chão
E gritar num grito agudo
Toda a pena viva
Escarnecida
De falar e só ser mudo -
Pare!!! Não!!!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Poema brasileiro da brasilidade

Poema brasileiro
Da brasilidade
Em brasa
Brada;
Que beleza de opinião
Tem esse varão viril
Do meu Brasil,
Desde o sertão
Ao matagal,
Mas mais no furacão
Da urbanização.
Brasão da gritaria
Louca de razão
Vai rodando na mesa
Feito peão
Sem saber de que lado
Cai a confusão
Da rotação
Do brasileirismo
Opinador
Rapinador
Do meu Brasil -
Quê?

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pure liberté

Você não me torna
Nem tornou
A promessa que fiz
A mim mesmo.
Relevo no espaço aberto,
Na janela descoberta
A facear o mundo lá fora,
Uma minha humanidade
Empurecida -
Desisto de crê-la, de sê-la,
Tentá-la.
Tudo que vim a entender
Desse lado de mim
Para cá da paisagem
É um puro reflexo
De si,
Sem que influísse o meu pedido,
A nossa promessa,
Em algo qualquer.
Você, liberdade,
É excessiva em mim
Ao ponto de nem caber
Outra coisa.

Rodamoinho

Tenta são ficar
Na tentação do balanço
A ninar.
Tenta aguentar
O calor do chocar
Dessa vida
A transformar teu casulo,
Teu ovo, tua casca
Em imensidão
Da realidade,
Que não quer lhe amar
No abraço de mãe
A isolar desse rodamoinho.
Antes, gira meus pulmões
Entre água e ar
Muito mais veloz
Do que eu poderia suportar.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Segredo

Conto tudo
Num conto sobre a mesa
Saboreando as frutas,
E você também, a ouvir.
Ficarão as palavras e paladares;
De tudo a memória não vai
Nem saber.
Pena...
Mas há coisas que são melhores
Só faladas, sem se entender.