quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O PDL 234/11 - A polêmica da "cura gay"

Muito se tem falado acerca do polêmico projeto de Decreto Legislativo Nº 234 de 2011, que visa sustar a aplicação do parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1 de Março de 1999, que estabelece nomas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.
Os trechos a que se refere tal Projeto possuem a seguinte redação:

"Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único  - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. 
Art. 4º  - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.

De acordo com o Deputado João Campos (PSDB/GO), autor do projeto, o Conselho Federal de Psicologia extrapolou o seu poder de regulamentação "ao restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional", além de usurpar a competência do Poder Legislativo "ao criar e restringir direitos mediante resolução (...), incorrendo em abuso de poder regulamentar". Ele afirma que "o dispositivo questionado inova a ordem jurídica, ilegitimamente, pois cria obrigações e veda direitos inexistentes na lei aos profissionais de psicologia, em detrimento dos direitos dos cidadãos, ofendendo vários dispositivos constitucionais", e termina dizendo que "a competência [do CFP] para expedir atos regulamentares (...) ou recomendar providências não pode ser compreendida como competência para complementar a Constituição Federal, muito menos como competência para inovar no campo legislativo".
Creio que toda a interpretação técnica dada pelo senhor deputado incorre em graves erros de argumentação, falhando em defender sua proposição. Ademais, as falhas lógicas de tal exposição delineiam, para além do incorretismo, a inconstitucionalidade do projeto, tendo em vista que os conselhos federais de fiscalização de profissões regulamentadas não estão sujeitos à tutela da Administração, como salientou o próprio CFP em nota posicionando-se em relação ao PDL 234/11.
Vale ressaltar também que o mesmo CFP enviou à audiência pública da Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados sobre o referido PDL uma nota de repúdio, em que denuncia o falso debate de cunho unilateral da iniciativa, havendo na mesa de convidados apenas uma pessoa contrária ao projeto. Acrescenta-se a isso a contestação do Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) à presença dos senhores Silas Malafaia e Marisa Lobo neste seleto grupo, sendo ambos notórias figuras religiosas que, apesar da formação em psicologia, jamais escreveram sequer um artigo científico, sobre homoafetividade ou qualquer outro tema. É gritante o envolvimento de setores fundamentalistas no projeto, e isso não pode passar batido quando estamos discutindo não só seu embasamento, mas também seu propósito político e social.
Afirmar que a Resolução do CFP restringe o trabalho dos profissionais, e que isso ilegitimamente veda direitos inovando a ordem jurídica, é absurdo. A função do Conselho é justamente dispor sobre aquilo que é considerado conduta profissional ética. É tido como antiético, no meio acadêmico e nas principais instituições de medicina, psiquiatria e psicologia do mundo, inclusive a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tratamento da homossexualidade como doença ou desvio de comportamento sexual. A homossexualidade foi retirada da Classificação Internacional de Doenças (CID) em 1990, o que (a despeito das confabulações de Marisa Lobo, que afirma tal ato ser resultado de mera votação, destituindo a iniciativa de caráter científico) reflete o entendimento amplamente aceito na comunidade científica de que a homossexualidade é uma manifestação natural da sexualidade humana.
Além disso, a regulação da atividade profissional não inova a ordem jurídica através da criação de obrigações e vedação de direitos de forma a usurpar o poder regulamentar do Legislativo. Para tal, teria que dispor dos mecanismos coercitivos estatais, a saber, o sistema penal. A máxima sanção que um conselho profissional pode promover é a revogação da licença. Ora, é esperado de um médico que siga as instruções éticas do Conselho Federal de Medicina, e qualquer comportamento que seja considerado anti-profissional será naturalmente sancionado. Isso não significa que o indivíduo está sendo privado de direitos, mas sim que, enquanto praticante de profissão regulamentada, deve responder aos princípios que regem tal papel social. O mesmo se aplica, naturalmente, ao psicólogo.
Quanto ao direito da pessoa de receber orientação profissional, não há nada que o restrinja, como bem salientou o CFP na já citada nota de posicionamento:
"Da leitura da Resolução nº 001/99, constata-se que, bem ao contrário do que sustenta o autor do PDL 234/2011, o CFP em momento algum veda a prestação de orientação profissional aos que pretendam voluntariamente alterar sua orientação sexual. O que se veda é que a(o) psicóloga(o) preste os seus serviços de modo a tratar ou prometer cura da homossexualidade, pois conforme exposto acima, a homossexualidade não é uma doença".
No mais, é interessante notar a tentativa de normatização sexual subliminar ao texto do projeto, em outras palavras, a presunção da heteronormatividade. Como bem notou Lucas Passos em uma análise profunda sobre o assunto:
"Que 'alguém' pode reorientar sua identidade sexual no âmbito de um tratamento psicológico, parece desde sempre problemático. Mas o fato é que, inquestionavelmente, reorientar-se é reorientar-se para a heterossexualidade, para a norma e o normal, é ser normatizado, dado que, no âmbito da nossa sociedade heteronormativa, é o homossexual que busca ser reorientado e o heterossexual não. Se Preciado (2002) já nos fala de formas políticas de censura sexual, ao tratar das operações performativas de intersexos e transexuais, poderíamos dizer que o jogo estratégico de reorientar um homossexual para a heterossexualidade faz parte da censura da identidade sexual, um tipo de cirurgia de re-designação da identidade sexual (a heterossexualidade) a que um 'eu' tem que ser submetido (...)".
O projeto, afinal, é uma clara mostra de setores conservadores da sociedade, incapazes ou indesejosos de aceitar a diversidade sexual e identitária da comunidade humana, utilizando-se de pretextos esguios e argumentações sinuosas em busca da manutenção de um sistema excludente baseado em posicionamentos religiosos ineptos de convivência com o diferente. É óbvio, explícito, para qualquer um que visite o assunto, que a chamada "cura gay" não passa de proselitismo religioso, defendido apenas por aqueles ainda imersos em interpretações fundamentalistas da vida. Vida, infelizmente, não só dos que pensam assim, mas também de todos nós, especialmente aqueles que, sem forças ou conhecimento para lidar com o preconceito de nossa sociedade sexista, cedem às suas falácias.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Um jogo de buraco


A luz arredia do estrelado fazia bem à sensação de injustiça. Aliada à maresia, dava sossego, mesmo estando à porta dos pensamentos o ódio ainda doído da submissão frígida e frouxa ao silêncio. As palavras deixaram de escapar aos lábios, após a gritaria talvez um pouco desenfreada de agora pouco, ainda ressoando nos latidos de uns cães escondidos nas casas do condomínio de praia e numa ou outra luz acesa, depois de ter passado algumas horas da noite no escuro. Pouco a pouco iam se apagando, as janelas e os bichos. Na rua, pelo menos. Na mente de Atos ainda estavam bem nítidos, mesmo que na fala de antes a clareza tivesse faltado. Sempre falta. O falado e o sentido gostam de desencaixar, num algo dito errado aqui, num outro repensado ali, num mal expressado acolá, num mal compreendido. Pelo menos agora podia focar um pouco nos restelos iluminados da combinação de estrelas e mar, sob a trilha sonora das ondas e a tranquilidade da maresia no rosto e areia nos pés. Só incomodava um pouco no calção essa combinação calmante. O vento grudento arrastando consigo uns grãos a impregnarem nos pelos da coxa e no tecido das ceroulas. Ia acabar precisando de outra ducha na hora de voltar para casa.
Mal lembrava como chegara ali, falando nisso. Agora tudo parecia tão repentino, rápido. Considerou que de fato era um bocado cômico um rei de paus interromper uma partida de baralho com tanto reboliço. Não era ele a causa real, claro, mas rever o acontecido sob essa perspectiva realmente soava engraçado.
- Qual a graça? - indagou Cristina, ouvindo o leve riso do filho apesar dos sons de natureza ao redor.
Atos até esquecera a presença da mãe. Imerso num isolamento mental quase propositalmente egoísta, como para causar nela um sentimento de culpa, acabara permitindo à memória ocultar a companhia naquele cenário. Não quis responder. Em parte vingativo, noutra por receio de soltar alguma grosseria e recomeçar a discussão, ou correr o risco de perder a razão. Se já não perdera. Mas se assim fosse, ela o fizera tanto quanto. Aliás, não. Ela nunca a tivera. Estava errada desde o princípio.
- Nada - respondeu, afinal, com ar de indiferença.
Cristina achou por bem não forçar o assunto. Sabia das intenções do filho com sua fala ríspida. Estava cansada para retomar o contato, mas sabia que uma hora ou outra seria necessário. Não podiam permanecer sentados sob o luar pelo resto da noite, cada qual abraçado aos joelhos na areia. Também não queria se ver brigada com um rebento, independente do motivo da discórdia. Sentia a obrigação materna de iniciar a conciliação, mesmo sabendo talvez ser a sua posição parte do problema, num quadro geral. Não queria ver Atos perdido, mas também não queria achado num rumo errôneo, e ele detestava que ela pensasse assim. Ou ao menos assim dissera há pouco, em meio a uma ofensiva de palavras duras. Mas entre as frases agressivas, ela acreditava ter entendido os sentimentos do filho. Nem por isso perdera a oportunidade de desabafar a dor de ventre que sentia ao vê-lo diferente daquele sonho de gestante perdido há tantos anos. Não via sentido nessa rebeldia.
Agora se arrependera do ponderar talvez fantasioso de mãe de primeira viagem. Já não era mais jovem, onde tudo é ideal. E, segurando a barra do vestido para não lhe perder o controle na brisa noturna, arriscou:
- Eu te amo, filho.
- Você não sabe o que significa amar de verdade. - alvejou Atos no mesmo instante. - Você ama o protótipo que está na sua mente. No fundo você só ama a si mesma.
- Pode até ser que você pense isso, apesar de eu não crê-lo, mas não é assim.
- É, mãe? Você tem razão de novo, é isso?
- Na compreensão da forma do meu amor por você, sim, eu estou certa.
- Não estou falando disso. Digo da sua descrença no que penso. Vê como é inevitável para você achar que sabe mais do que eu, até quando o assunto somos eu e meus pensamentos? E se a sensação que você transmite no seu amar - disse, ironicamente - não for amorosa? Não é fundamental, no amor, o ser amado sentir-se como tal? Se não é esse o caso, só ama-se a si mesmo.
Novamente Cristina sentiu um desejo rompante de despejar sua frustração em palavras. Atos tinha um jeito de falar que lhe cerceava num sufoco. É claro que o amava, como ele podia questionar isso? Como conseguia não entender essa realidade? E que visão de amor era essa, tão fria e racional, incapaz de enxergar a sua humanidade inerente, dúbia e falível?
Num longo suspiro, conteve-se. Fitou novamente o mar e deixou o coração agitado resfriar com uma dose de estrelas e ondas. E enquanto o fazia, pensou que talvez o filho tivesse razão num ponto. Essa era uma discussão sobre quem estava certo, não sobre amor. "Amor", ela ponderou, "é ambíguo e imprevisível. Talvez ele saiba disso e esteja na verdade só buscando outra forma de me questionar. De certa forma, sinto também querer estar com a razão. Mas sobre o que, afinal? Regras de uma partida de buraco? Qual o mistério oculto nessa explosão"?
Atos, por sua vez, fervilhava impaciente com o novo silêncio imposto pela mãe. Sentia nesses cortes uma atitude intencional para irritá-lo. E apesar de ficar cada vez mais difícil ignorar a raiva, mesmo com a ajuda da praia, recusava-se a tomar a iniciativa da discussão novamente. Bastara a reclamação da injustiça cometida no jogo por Cristina; e ter ido atrás quando ela deixou a mesa e a casa irritada com a denúncia, mesmo que para dizer umas poucas e boas. Sim, ele era um pouco cabeça quente, e por isso mesmo não queria ter o título mais uma vez estampado na testa por voltar a desabafar. Não era sua culpa ter herdado o gene da teimosia, apesar da mãe nunca querer reconhecê-lo.
O rapaz sentia-se um poço infinito de mágoas, e não tinha explicação para isso. Via na mãe uma antítese natural. Nutria por ela um ódio de Nêmesis quase constante. Amava-a, a seu modo. Suportava o cotidiano. Porém mal se falavam fora das trivialidades. Detestava sua condescendência. Sentia nela um peso de remorso e desaprovação, mas acima de tudo uma obsessão velada com a verdade. Obstinada ao ponto de tentar apagar a verdade dele. Era uma luta por autenticação para Atos. Fazer valer o seu ser independente do dela. E ela querendo engolí-lo, absorvê-lo de volta ao útero - um ventre moral ao qual seu corpo tinha aversão.
As verdades, afinal, são assim. Nascem querendo viver, e acabam almejando tomar o mundo. A de Atos não era diferente, por mais que negasse. Ou melhor, fingisse. Verdades são mais humanas do que normalmente pensamos. A forma que se confrontam e conciliam, a ambiguidade de seus caminhos. O problema das verdades, enfim, é serem demasiado humanas. Interpretam e constroem sua passagem trespassando a realidade ao ponto de perderem-se dela, e então sua busca se torna um rito de retorno, sem conhecer a estrada. E ficam lá, eretas, complexas, estáticas a olhar o Universo sem saber onde erraram, sem compreender como encontrar o ponto de onde brotaram. Sem saber viver.
- Sabe - disse Cristina -, não entendo nossas desavenças. Elas parecem surgir do nada, em discordâncias tão triviais...
- E ainda assim vão fundo - completou Atos.
- Parecem tão rotineiras.
- E únicas.
- Às vezes sinto que são tão profundas que nem são nossas - encerrou Cristina, ao que Atos reagiu com certo espanto. Ele sempre sentira algo assim, mas não soubera dizê-lo.
O buraco é sempre mais fundo. Normalmente acaba num buraco negro, onde o mistério é eterno. E este é o mais profundo segredo de todos: o mistério maior para onde vagam as verdades, sugadas pela força do inevitável, é o infinito. Jaz em tudo? Ou em nada? Questões pesarosas demais para qualquer humano, excessivamente difíceis para as certezas. E, no entanto, inquietas, ficam ali incomodando, causando desencontros. O cinismo do cosmos, que compõe astros para destruí-los. E tudo que nos resta é contemplá-lo em sua imensidão, quando não estamos colidindo feito cometas e planetas.
- As estrelas estão muito bonitas hoje - irrompeu Cristina, quebrando o silêncio que se sucedera à convergência inesperada.
- O mar também. - respondeu Atos - A ideia de vir à praia valeu a noite, com essa vista.
Cristina sorriu. Olhou para o filho, que retribuiu o olhar. A natureza tem um jeito muito próprio de sintetizar antônimos, mesmo não extinguindo os incômodos.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Viola Paira

Meus nervos não aguentam,
diz Viola.
Fadigo fácil.
O fado imposto,
A dura pena,
Pela Paira que rasteja no ar.

A Paira, se não sabes,
É uma ave como o abutre
Com feições de gárgula,
Que fica, imaculada,
Na contramão do vento.

A velha Viola não tem como
Lutar com um bicho tão violento,
Cujos olhos escravizam
Brilhando na dor do movimento contra-fluxo.
É possível ver as pedras
Escondidas sob os bolsos
Agarradas às mãos
Naquele olhar.
As pedras que penduram,
Que asilam,
Que mergulham em fino ar.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Marola da poesia


Para Jonas, elas eram simples. Diziam menos que imagens, seja qual for o significado disso. Ele as via como os ordenamentos das salas. Primeiro na escola, onde elas regraram-no. Depois no escritório, onde abundavam imperantes num mundaréu de documentos. Reconhecia sua utilidade. Também seu valor, quando um best-seller cativava-lhe apetitoso, as histórias contadas tão curiosas. Sabia também do seu agrado, as conversas de boteco, as piadas, cantadas e até desabafos, quando se faziam necessários. Ele as entendia, mesmo tendo esquecido o seu nascente, quando ainda pequenino lutava para juntar aqueles sons embaralhados, como se agitando um chocalho tentasse arrancar dele compreensão. O fato era esse: ele as compreendia agora, e isso bastava a qualquer um. Seu manejo era fundamental, e ali jazia sua vida.
Mas à palavra não bastava a malemá honraria.
Quando uma pomba branca pousou na janela do loft de Jonas, a princípio ele a viu com admiração. A beleza de um raro bicho desses em meio à cidade tão habituada às espécies cinzentas, malhadas, molhadas das poças nas guias, sujas de poluição. Depois... Não, não era possível uma ave tão límpida naquela decrépita paisagem. Devia ser domesticada, melhor procurar o dono. Ou seria algo mais? Um presságio de paz? O espírito de Deus incorporado? Uma reencarnação? Deveras faltava sentido nessa manifestação. Ergueu-se do assento para se aproximar, mas ela negou-lhe o contento e planou rumo à árvore no outro lado do quarteirão. E ficou ali, parada, entre os fios elétricos e a dúbia sensação.
Jonas sentiu-se engolido por essa passagem. Largado em sua imaginação, meditou os descaminhos da pomba, os mistérios de sua aparição. Os pensamentos inundavam-no. Será que viera dos céus? Brotara do chão? Não era mais um simples bichano. Era o elixir de um insano espiral mente adentro, o pano de fundo da sua loucura, o tecido no qual bordava uma sensação, e outra sucessiva, atabalhoando-se passo a passo numa confusa viagem.
A margem do pombo virava distante, a rua era de lava sobre a qual não podia saltar. A escassa imagem das penas áureas migrava na mente, fomentando uma nuvem a encobri-lo. E dentro do vapor uma metamorfose se impôs, transportando-o alto, longe do apartamento, da árvore e da cidade. Via-os todos, mergulhados na correnteza de palavras que nunca estiveram ali. Ou estavam? Elas compunham o todo, cada qual transformando-se em paisagem. Havia nada de decrépito ali, era tudo miragem encorpada num frenesi.
O fluxo jorrava pulsante, irrigando os neurônios a se iluminarem. Eram tantas as palavras que as encruzilhadas foram inevitáveis. Misturas rebeldes, neologismos, aneurisma de correlações. Logo reinvenções, novidades ou só puros sons. A tonalidade do cérebro em meio à corrente mudava, de ilhada, a estrada, a rapsódia, a mente encontrava seu timbre, libertrabalhada. E como o barulho dos trilhos acalmando-se inconsciente depois de passados os vagões, lentamente ela retornou.
Jonas pousou perplexo. Feixes de luz ainda cruzavam seus olhos. A marola das palavras, a ressaca da poesia, é forte demais para tragar. Exausto, recostou na cama cabisbaixo. Transcorridos alguns segundos, tomou coragem e olhou lá fora. Lá estavam a cidade, a árvore e a pomba, e também os seus signos. E a vida seguiu. Talvez Jonas não tenha percebido como cada imagem está tão recoberta de palavras ao ponto de ser impossível não ser inundado, devorado, tomado por elas em cada olhar fulminante no qual recaímos. Ou, quem sabe, algo mudou.

Sereneio


A cerejeira é minha árvore favorita. Gosto de descrevê-la assim. "Preferida" denota dubiedade, como se houvessem outras rivalizando-a. Não. Eu caí nas suas graças, no seu favor de deusa enrubescida, amorosa, quando num sonho de outono suas plumas róseas acariciaram minha face enquanto ela se sacrificava por mim, soltando-se leve no espaço entre seus delicados braços e minha cabeça.
Seu encanto é esse, afinal. O choro dengoso com que abraça o ar, e depois a grama. Lacrimosa. Amena. Imagino-me ela, toda sua paz e silêncio, sussurrando uma fina bruma no seu floreio, minguando no céu entre as nuvens, passando por ave quando balança lenta no vento estiado, contrito em tocá-la.
O desejo de ser rosa e vermelha sempre me vem à mente, mesmo compreendendo-o pouco. Entendo a vontade; o ser é que me comove. Talvez simbolize o poente, o chamado do sol à natureza dizendo  "descanse". O canto final dos pássaros e os mais belos reflexos nos riachos. E percebo como tudo cheira a sereno, mas não um odor de paz, tão somente. Pacificação - o rumo de um enredo. A viagem do corpo dormente, chegando no sono, no fantasmagórico estrato de mitificação.
Aquilo que vejo numa cerejeira é o sonho de um brilho rosado na escuridão. A chama da graça, da santificação, do corpo remido remando numa constelação. É dispersão em meio a uma nebulosa qualquer vagando o Universo num toque, numa palavra, num som. A mim, cerejeira soa como uma canção - que resvala, conforta e ecoa numa simples visão.

Digamos

Dizer o que mais buscamos
Insanos
Nem num trigal dourado
Ao sol
Onde amamos,
Nem sempre encontramos.
Dizer que desesperamos
Pranteamos
Quando ao pé dos penhascos
Olhamos
As ondas furiosas de nosso ardor
Arrancando pedra
Abrindo caminho
Forçamos
E só encontrando mais pedra
Impudor
Enganos.
Dizer que não acreditamos
Deixamos na chuva
Lavamos
Sonhamos
E quando parece que achamos
Não há como saibamos
Sem que morramos.
Na morte jaz
Toda a confirmação
Da confiança
Que ansiamos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Suplício aos mundos

Quão dores
Quão choros
Quão mortes
Agoras.
Que os hojes
Não percam
Seu rumo
Dos ontens
Quando
Desfloram.
Que os ontens
Descubram
Os mundos
Além de sua
Muda e adubo.
Que os mundos
Resvalem
Circulem
Ondeiem
Espraiem
Rateiem profundos
Eternos e mudos
Por sobre agora.

O vulto das folhas secas

Quando ele me deixou, a paralisia tomou conta do meu corpo. Ecoou por dentro do meu tronco, tremendo cada osso no tórax e sacudindo os pulmões, o grito mais assustador que eu jamais pudera imaginar. E no entanto nem uma onda de som, nem um sopro, deixou a garganta. Oximoro, essa é a palavra. A compreensão infernal de como um todo pode ser nada simultâneo. Era uma explosão, um rodopio, o caso de embriaguez mais severo que tive; contudo vazio, delével - deleto -, fatigado. Exausto da longa e sinuosa trilha escondida no subterrâneo, sob a luz do dia e o caminho de um rio que fluía vivo, ali sem dizer, mas se fazendo notar. Todo caso de amor é, afinal, esse ambíguo traçado. As águas e suas cavernas. A pirâmide e sua tumba, esculpidas simultâneas, sem que se importasse com nada senão a beleza da obra. Queremos sempre o belo, e tomamo-lo, sem apreço pela cerimônia, das mãos da realidade. Mas a feiticeira sabe o que faz. Sabe que mesmo vendendo-nos essa poção tão desejada, como num passe de mágica ela retornará ao equilíbrio do feitiço, metabolizando em dor.
Entretanto o sequestro do corpo não fora sequer o princípio da dor. O choque de voltar ao mundo não bastara. Era preciso mergulhar no espectro da solidão antagônica ao amor, sofrer as sequelas de demasiada dose. Os meses seguintes foram de desconstrução. A casa, aos poucos, deixava pedaços. Enquanto os guindastes do ego puxavam-na com todas as forças precipício afora, restos da casca de concreto ficavam para trás, gotejando em enormes monólitos despejados na água negra a restar no profundo, o que sobrou de um rio cavernoso. Armários metade vazios, aquela bolsa não mais no sofá, a comida estragando rápido, um retângulo desempoeirado na parede onde estivera uma cópia de um Rothko... As doses exageradas de pó de café, uma maior organização dos objetos dispostos na casa... O pior de tudo foram a volta dos pesadelos e da nictofobia. Não há travesseiros que compensem na cama.
A sensação, afinal, é ausência de si. Não do outro. Ele perfaz tantos nichos em ti que te sentes despida, amarrada em galhos velhos, estufada de folhas amarelas escondendo cada poro. Outra noite sonhei delas brotando em meu ventre até vulcanizarem da boca cortando o dueto que cantávamos eu e o vento, e planarem nele infinitas. Vi-as chegando à lua, saindo da minha janela, quando um vulto no teto desceu agarrado às paredes e passou a engolí-las num beijo demoníaco. As relvas secas ainda restantes dentro de mim dançaram neste instante, uma sensação de borboletas voando, e saíram ainda mais enfurecidas. Foi tanto furor, tão depressa, que senti como se a vida me deixasse. Aquele instante durou um ano. Nem um gemido ousava lutar por espaço no rito macabro que me apossava. De repente via-me dentro de mim, num redemoinho amarelo urrando entre meus cabelos. O uivado da ventania era como um calafrio escalando minha pele. A força daquilo tudo arrancou-me de onde estava parada, e assustada rodopiei. As folhas iam se acabando, o ventre se esvaziando e eu vi minha garganta se aproximar. Lá fora, ou na consciência, senti-me lavada no furacão, e novamente vazia - vazia-completa. Sublime. Então soltei um grito, um clamor de paixão, de medo, de euforia e de luto. Foi quando acordei.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Cachalote

Cachalote escuso
No gélido mar
Vaga recluso
Num imenso pomar.
Se da vida um fruto
Puder te consolar,
Já valeu o indulto
No brilho do luar
Que recai obscuro
Sobre o teu respirar.

Faces

O mundo que quis,
Barulhenta como borboleta
Encaixotada na existência,
Rarefez em essência
Borrifada no luar.
Ali, nos sonhos ou nas ruas,
Transformada em loba
Ou atiçando felina a cauda,
Caço os resquícios deste cheiro
Escondido nos sons da escuridão,
Perfume a lentamente escapar
De seu astro recipiente.
O mundo como vejo
Era inevitável - e isso nunca vi.
Mas ainda encontro
Sob o transe do estrelado
Os vestígios de uma entrada
Que me chama alada
A uma deusa desgarrada
Adormecida na face escura da lua.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Escaravelharia

Família, família,
Janta junta todo dia
Lava a louça, lava à pia,
Tão pia, tão pia...
Escaravelha calafria,
Unidade monetária
Da crença comunitária
Capital-hereditária
Tão fria, tão fria.

Caramujo

Comiserado estribo
Marchando meu punho
Manchando as palavras,
Solta a minha tribo
De paixões, meus falcões
Sob os seus falconetes,
As minhas visões
De seus ilusionismos.
Preponderam navegações,
Os seus versaillismos,
Na minha nação infeliz
Ancorada nos seus calabouços,
Escrava de mim.
Escaramuça, meu sulco,
E esparrama grotesco
O caramujo de ti.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Linguarudo na brasa

O linguado alado
Atravessado no espeto
Língua forno afora
Suas entranhas.
E não vendo
Quão estranhas
Suas escamas
Nesse achego,
Queima lento no rolado
Que lhe impõe o "seu" graveto.

sábado, 8 de dezembro de 2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Poema-colchão

Poemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoemapoema.

Juntá-los-ei suficientes para um colchão.
E forrado nas suas manias me despedaçarei num gigante salto plumado,
Lançando suas letras aladas por todos os lados numa macia explosão.

Palconfessionário

Parca é a palavra
Que ousa marcar
Um pecador.
Melhor que chamasse
Enredo
E achasse em seus atos
Os laços de um só percalço
Demasiado para despedaçar
Em pecados.
Melhor que de vida
Se apegue descalço e remido
O rebento,
Livre das pontas de línguas
E pregas de saias
Presas na beira do palco.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Saudade - tempo de amores memoriais

Sonho de uma tarde
De tempos indecentes
Entre as chuvas e preguiças
Que na metalíngua enganchada
Sonha de outros tempos,
Vidas passadas
Entrelaçadas na Edo dos samurais,
Na Bagdá dos Xeques,
Na Paris dos bordéis,
Na Roma dos bacanais
Ou nos anais de agora,
O ontem de nossa história
Que desflora memorável e esquecido
Nas vielas embaçadas à luz de velas
Da lembrança,
Essa cidade eterna a se transformar.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Leviatã

Quanto do céu
Deste pedaço de terra
Enterrado sob monólitos
E a monotonia
De uma pesada fuligem
Espessando entre as narinas
E os olhos cansados dessa miragem
É seu?
Quanto você planou
Sublime no escuro
Num feixe de lua
A cair pesaroso na face?
Quantos nirvanas,
Pasárgadas, jardins suspensos
Seu corpo desejou ardente
Até a mente atendê-lo
Levitando em metamorfose
Sobre os ombros de um leviatã?
Quanto de você verteu derretido no espaço
Sobrando em passadas
De ampla consciência?
Quanto você percebeu
Da estranha leveza que habita a vida?

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ella me deixou

Ella deixou minha casa arrumada
Mas abandonada.
Ella arruinou minha vida
E pôs tudo em ordem.
Cantou minhas esquinas,
Lavou minha alma
E deixou minha realidade
Lisa e esbranquiçada.
Agora só imagino esse mundo
E me isolo em sua verdade
Enquanto a vida mundana
Fica apagada
Num outro lugar da memória.

domingo, 28 de outubro de 2012

Babilônia

Quando passei no portal da Babilônia
E cheguei aos seus palácios,
Quando vi seus jardins,
Suas ruas, suas festas,
Bebi do seu vinho
E tornei-me seu povo,
Esqueci das areias e estradas
Muro afora.
Os mistérios da Mesopotâmia,
Desde que vim a este mundo,
São só Babilônia;
Os enredos de todos os homens
São babilônicos;
Os reis de todo reino
São Nabucodonosor;
A Terra é toda Babilônia;
As estrelas lhe pertencem;
Tudo é sempre Babilônia,
Que chegou e passará
Eterna.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Estranha

Quando me vi
Uma vassoura atrás da porta
Escancarada
Encurralada
Rajada bateu
E eu, pau de arara,
Estatelada no chão
Desabrochada
Desenganada
Acordei
De uma consciência estranha.

sábado, 20 de outubro de 2012

Café com leite

Sonho dele
Sonho de leite
Que no açúcar
Enjoado deleite
Derreta
Qual cristais em café
Que a minha fé
É ferrenha, é de prata,
Que não se abata
Com a vertigem, os sons,
De tão virgem da vida
Bater a colher
E ecoar porcelana,
Mulher,
Na ventana de um sopro
Dos lábios que abanam
O calor que não quer
E colher em um gole
Uma gota doce
Num trago amargo
E um beijo liso
Que, aviso,
Desce quente,
Cremoso e al dente.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Aceite

Foi-se o cacho das amoras na foice
De amores que agoras douram em olivas.
Levou minh'azeitonas, fez azeite
E perfumou, e me banhou,
Envernizou minha careca,
Arreganhou meus olhos.
E de óleos e banhas
Que enxaguou
Se aceitou.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pintura entetada na solidão dos olhos

Muito poucas são as vezes de poeta
Na completa solidão dos olhos meus
Que de mundos teus se vê repleta
Mas relenta em cenas de Orfeu
Num sono que nos deuses se enteta
Pintado em meus cristalinos ateus.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Para parar com as paráfrases

Pra parafrasear a mente
O corpo resolveu não respirar
E pôs-se em parapeito na berlinda,
Na garganta que não vaza sem um rasgo
Que remexendo implora acontecer.
O ar forçando as vias,
Os pulmões alvéolos aveludando
Sonhando de uma brisa Olinda
Pra fugir da carniceira capital,
Do carniceiro bacanal traqueal
Inflamado em sua carne rósea e fina
Que pulula, que se empossa de pus,
E teme a maltrapilha esquina
Onde a vida dobre ao encontro do destino.
O temor, sim, mais profundo
Que escapa à mente em seu frígido pensar
Mas ao corpo devora em lampejo
Num remexo, num rasgo, num parar do peito,
Numa frase que a mente invejosa e descabida
Não copia... Nem sequer parafraseia.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Velhistórias

Minha vida
Nossa hora
Nessa vila

Desafina
Desaflora
Repentina

Repentista
Reza a lenda
Rua afora

Relembrando
Iracema
Isadora

Refazendo
Rimas secas
Velhistórias

De amores
De havidos
De amoras.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Avarandados

Um lençol de varal conta de dias ensolarados,
De céu limpo e estiado,
Menos em São Paulo.
Aqui um lençol esticado
Conta de alguém que gozou,
Ou alguém relaxado.
Aqui o lençol é avarandado
E corre pelado no ar abafado.
Faz as vezes de persiana
Transparente e esparsa
Que narra ao mundo uma história errada,
Esburacada e indiscreta espiada.
Aqui lavar os lençóis deixa-os mais sujos,
Expostos em fina camada à jangada do vento
Que sobre eles navega
Deixando marcas de fuligem
E olhares dispersos,
Acidentais ou alojados.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Das poucas imagens; imaginário; impressionismos

Quanto broto broxou
Quanta pétala caiou
Quanto botão feitou

Quanta tinta precisou
Quanto óleo escorregou
Quanta tela desiludiu

Quanto céu desamarrou
Quanta nuvem acudiu
Quanto sol desatinou

Quanta coisa que não viu
Quanto espaço que deixou
Quanta vida que febril
Embaraçou.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

À flor dos meus dias

Certa noite um alazão
Vai passar frente à tua choupana.
Acinzentado e manchado
Trotará sob as estrelas
Brilhando fosco
Como os ancoradouros do porto de Santos.
Ele dir-te-á da cavalgada
Que há tempos esperavas
Com anseio receoso,
Temeroso fantasiar.
Monta a sela que prepararam
Teus iguais, teus soberanos,
E assenta rumo ao futuro,
Que o tempo não pode esperar.
Passarás cavalgador pelo sertão
Caçando uma sobrevida que jaz
No horizonte, onde céu encontra chão,
E antes que percebas a mudança
Nos ares passeando sobre ti,
Ficarás malhado e cinzento
Como tua montaria
Na montagem que temias
E inevitável chegaria.
O destino, teu e todos,
É minguar-se na fuligem
E juntar-se ao mundo
Alado entre o poeirento
E, quiçá, a prataria.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A quem?

Escrevo a quem?
Escrevo aquém
Escrevo além
Escrevo a portas fechadas
Escrevo às portas fechadas
Escrevo a todos
Escrevo a ninguém
À poesia
Ao todo-dia
Ao bem-me-quer
E ao desdém
Escrevo aos mares
E aos lençóis
Às enxurradas
E aos girassóis
Escrivinho
Escribaneio
A mim
Não, a você
A nós, os bandidos
E para a quermesse
Escrevo a tanta e tão pouca coisa
Como se em versos o antagonismo
Coubesse.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Passo descompasso

Epa, quem vai lá
Passar na ode,
Na poesia,
No orixá;
Quem vai se adivinhar,
Engruvinhar,
Desembestar;
Que arranjou de serenar
De serenata e samba-enredo;
Que se meteu em degredo
E liberdade e inxalá?
Deus lhe pague
A sua viagem descompassada,
Que dessa dor meio enganada
Sem saber que perguntar
A resposta sai apagada
De amar, viver, passar.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Bárbaros e brâmanes

"Bárbaros de bambu",
Balelam os brâmanes
Beijando belos bagos,
Belas vistas, belvederes.
Brados baroneses,
Barítonos, barrocos,
Baleiam bélicos, pélvicos, cegos,
Num brilho bogus
Que não conseguem regurgitar.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Para Roma Com Amor

(Contém spoilers)

Tem uma característica que gosto muito na forma de Woody Allen fazer filmes: sua capacidade de congelar as críticas. Explico: em seus longas, Allen está constantemente representando as diversas caricaturas de indivíduos que estão de uma forma ou de outra envolvidos com a arte - sejam eles artistas, críticos profissionais, o público, pseudo-entendedores, etc. Com isso aborda uma vasta gama de discursos (e atitudes) possíveis com relação ao universo artístico, ao mesmo tempo que sempre parece deixar uma brecha de mistério para aquilo que poderia ser verdadeiramente o sentimento artístico, ocultando-o nas entrelinhas de sua narrativa. Assim, Allen consegue antecipar muitos de nossos movimentos na tentativa de analisar sua obra, expondo-nos ao ridículo de nossa postura; somos obrigados a conformar-nos com a situação e simplesmente aproveitar a diversão (e, claro, a mensagem) que ele preparou para nós.
O mais recente exemplo disso é o seu Para Roma Com Amor. O diretor incluiu no roteiro mais um personagem em seu já tradicional molde do pseudointelectual exibicionista na figura de Monica (Ellen Page), contra quem lança frequentes acusações de impropriedade (especialmente através de John, representado por Alec Baldwin). Também ridiculariza o público, que aplaude energicamente uma apresentação da ópera Pagliacci cantada inteiramente por um protagonista dentro do chuveiro; minimiza a crítica, que louva o artista da peça ao mesmo tempo que repudia a obra (reação, aliás, que boa parte da crítica americana está apresentando ao filme, ironicamente); e nem ele mesmo escapa, quando, com sinceridade que transborda da tela, Jerry, interpretado pelo próprio Woody, tenta se iludir afirmando que é um homem à frente do seu tempo.
Este é um filme no mais tradicional estilo Woody Allen, porém ainda mais embebido na fonte de Federico Fellini. Coincidência ou não, o projeto foi concebido justamente numa das cidades mais amadas pelo diretor italiano, e tenta traçar um perfil dela usando as histórias de suas personagens, exatamente como o fez Fellini em seu Roma, de 1972. A influência, contudo, supera o cenário e o roteiro, fazendo notar-se também nos trejeitos da narração, com toda a aleatoriedade com que os contos se intercalam e a loucura com que se dão. Afinal, é difícil imaginar alguém se perdendo em Roma, conhecendo um famoso artista na rua, indo parar num hotel com ele, sendo assaltada no quarto e terminar transando com o assaltante, como acontece com Milly (Alessandra Mastronardi), ou passando do anonimato para a fama simplesmente por estar indo ao trabalho, tal qual Leopoldo (Roberto Benigni).
Mesmo isolando as críticas, porém, o longa não está completamente imune a elas. Talvez Allen tenha abusado um pouco demais do recurso à comédia exagerada, quiçá pastelão. A piada se torna óbvia, por exemplo, quando Anna (Penélope Cruz), uma prostituta, se depara com vários de seus clientes em um evento da alta classe romana. Cruz, aliás, parece um pouco apagada no filme, e para ser bem sincero esperava mais de sua personagem, especialmente depois de vê-la brilhar em Vicky Cristina Barcelona (2008).
No geral, entretanto, achei o filme muito bom. Como de costume, Allen mistura com maestria uma narrativa aparentemente simples de cinema Hollywoodiano com discussões profundas acerca do ser humano moderno, fluindo com naturalidade entre boas risadas. Woody chega a insinuar uma ou outra moral da história com rispidez realista (que é melhor ser rico e famoso do que pobre e anônimo, que as paixões enganam, cônjuges traem e mentem, etc), trazendo a comicidade a fins variavelmente trágicos, mas sempre de maneira bonita e eloquente. Um retrato do qual Roma talvez possa se orgulhar.

Título: Para Roma Com Amor (To Rome With Love)
Diretor: Woody Allen
Roteirista: Woody Allen
Elenco principal: Alec Baldwin, Ellen Page, Jesse Eisenberg, Penélope Cruz, Roberto Benigni, Antonio Albanese, Woody Allen, Fabio Armiliato, Judy Davis, Greta Gerwig, Lino Guanciale, Alessandra Mastronardi, Ornella Muti, Flavio Parenti, Alison Pill, Riccardo Scarmacio, Alessandro Tiberi e Marta Zoffoli.
Duração: 112min
Lançamento: 20/04/2012
Distribuidora: Sony Pictures Classic

Avaliação: Muito bom

sábado, 21 de julho de 2012

Benny James

Um dia eu vou crescer
E ninguém vai querer me amar
É o que dizia Benny James,
O que pregava Benny James;
Um dia eu vou crescer
E ninguém vai me consolar
É o que pensava Benny James,
O que temia Benny James;
Um dia eu vou doer
E algo me vai favelizar
É o que esperava Benny James,
O que sofria Benny James;
Um dia eu vou morrer
E nada vai me segurar
É o que sonhava Benny James,
O que tremia Benny James.

Jornalismo... científico?

O conteúdo científico é, infelizmente, algo de difícil acesso em nossos tempos. Fora o isolamento de que padece a maior parte da sociedade quanto a pesquisas científicas, geralmente segregadas em publicações a que apenas os profissionais têm acesso no universo acadêmico, há o inevitável obstáculo da capitalização da informação. Isso significa que boas revistas de jornalismo científico só estão disponíveis aos que têm como pagar por elas.
Daí para frente o conhecimento é filtrado, no sentido pejorativo, em inúmeras instâncias antes de se tornar tão difundido quanto possível. Talvez o nível mais tradicional a que tal fenômeno ocorre seja o dos portais de informação online, em especial aqueles de grande circulação. É frequente a simplificação, ou mesmo subversão, de trabalhos sérios por leituras míopes de escritores que não estão preparados (ou dispostos) para lidar com as nuances técnicas da linguagem de determinadas ciências, muitas vezes exacerbando sensacionalismos para gerar audiência.
Tópicos polêmicos são as vítimas mais fáceis. Foi o caso com que me deparei ao procurar saber mais sobre o estudo de John Donuhue e Steven D. Levitt sobre a correlação, nos Estados Unidos, da queda nas taxas de homicídio a partir do final da década de 1980 e a descriminalização do aborto em 1973 (ou em 1970, no caso de alguns estados federados). Este é o link para o artigo completo; estes, a seguir, são dois "resumos" com que me deparei na internet - o primeiro é um trecho do livro Evidências Científicas Sobre o Desarmamento, de Marcos Rolim, e o segundo é da coluna de Gilberto Dimenstein, correspondente da Folha de São Paulo. Recomendo a leitura, pelo menos, dos dois últimos textos, que serão o foco de minhas divagações.
Em poucas palavras, o estudo propõe que a descriminalização do aborto pela Suprema Corte americana em 1973 com o julgamento do caso Roe v. Wade teve ligação direta com a queda dos homicídios em meados da década de 1990, quando as primeiras crianças nascidas após a decisão chegaram ao fim da adolescência, faixa etária na qual as mortes por homicídio tendem a aumentar.
Deixando de lado a questão da efetividade das conclusões alcançadas pelos autores do estudo, é curioso como somos apresentados ao trabalho de maneiras quase diametralmente opostas pelas duas versões mais curtas - do livro e da coluna jornalística. Enquanto Dimenstein diz que o trabalho discorre a relação entre a escolaridade, idade e classe social da mãe e um consequente "ambiente propenso à delinquência" do filho, Rolim dá a entender que tal "propensão" tem a ver, na verdade, com a criança ser indesejada. De acordo com Donohue e Levitt, a correlação com o "status" social da mãe diz respeito ao maior controle que o aborto permite à mulher sobre seu planejamento familiar, o que significa ter filhos quando acredita que sua situação econômica, acadêmica e social está mais adequada, não simplesmente que mães pobres têm filhos delinquentes - há uma diferença sutil, de dinamismo, entre as duas perspectivas.
Dimenstein, em seguida, parte para um ponto ainda mais controverso, dizendo que "Donohue e Levitt sustentam que jovens não brancos tendem a ser delinquentes". Rolim, por outro lado, afirma: "a incidência do fenômeno é mais comum entre setores mais desfavorecidos e marginalizados da sociedade". Se levarmos em consideração a exclusão típica que sofrem os não brancos nos Estados Unidos (e, como um todo, na civilização Ocidental), fica fácil compreender que estes não "tendem" à delinquência, mas estão mais suscetíveis a ela justamente por serem marginalizados.
Não deixa de ser perigoso cair em discursos higienistas, ou eugenistas, quando pensamos as condições de diferentes classes ou etnias dentro de uma mesma sociedade, contudo não parece ser este o caso. Muito pelo contrário, os autores parecem preocupados em evitar isso, ainda mais por já estarem tratando de assuntos potencialmente problemáticos em termos de percepção pública, como aborto e política criminal.
Claro que relacionar esses dois assuntos é um movimento arriscado, mas para desqualificar tal comparação, tanto quanto qualquer outra, é preciso um grande aprofundamento na questão - algo de que carece um segmento do jornalismo não-científico quando se trata de difundir estudos aos quais boa parte da população não tem acesso. É preciso muito cuidado, afinal estes veículos tornam-se verdadeiros formadores de opinião, que podem inclusive prejudicar a divulgação do conhecimento técnico de ponta.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Carta psicossomática

Gostaria de deixar aqui abertas, registradas, as minhas loucuras; as pequenas obsessões que se aprofundam como um câncer ao ponto de tomarem todo o corpo em sua gangrena pulsante, veia que geme solitária rente à garganta avisando aguçada faltar ar, mas sem tê-lo com certeza. Dizer, talvez, como a carta de Märta a Tomas - toda sua úlcera a cheirar pela boca, sincera e atônita, e no entanto contrita. Carta para o futuro, quiçá, feito memórias coloquiais trespassadas pela aberração do tempo, que como adaga perfura o coração para fincá-lo ao presente e apresentá-lo outrora a si mesmo, com ar inerrante e remissivo sobre o passado.
Deveria, então, deixar espaço para que o corpóreo convertesse-se em alma, como manda a formalidade das correspondências, mesmo que à própria velhice, crendo com isso acalantar um bocado da mente que assume a irresponsabilidade de categorizar a carne em mais de uma parte. Não se preocupe, caro leitor, se não o compreendes - a essa altura nem mesmo a minha consciência encontra disposição para confabular sobre suas ramificações. Mas sejamos findos com este engodo, que me incomoda.
Prefiro falar dos incômodos mais à flor da pele, que não se discreteiam entre pigarros e goles d'água. Estão mais próximos das loucuras, e são mais difíceis de discorrer que as bobagens da alma, mas não cedem a descritivismos fatídicos de sintomas escárnios. Isso porque, parece-me, numa análise psico-qualquer-coisa, vêm das superficialidades, mergulham às entranhas e, como cadáver de um afogamento, retornam aos músculos maculando-os de neuras e personalidade.
Já não quero mais falar. Não sei, dissecar-se a mente tão fria e metodicamente, saltando as vistas grossas com que as loucuras se olham, desapaixona o assunto. Fica sôfrego olhar-se, ver esse apanhado de pele gorda e espasmos reumáticos, e ficar quieto, quanto mais satisfeito. Viver definitivamente não é uma arte auto-contemplativa - requer fixação com as coisas externas, que por lá não nos identificamos e fica mais fácil amar. Claro que sem querer nos achamos pedaços pelo caminho, mas são ossos do ofício e, afinal, gente parecida conosco é em geral mais impressão do que realidade.
Nisso, então, há algum interesse: saber que entre as podridões nossas há os vossos perfumes para ajeitar; também que deve vir do profundo, de algures, das nossas carcaças um incenso suave para refrescar, ou não se poderia nos amar. Talvez o cheiro do corpo seja afável, mas de si não se sabe. O corpo, pois, não nasceu para ser sozinho.
Melhor acabar enquanto a conclusão é bonita.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Maneirismo

Temerário seria ter que saber
Que vive sem maneirismo,
Que à moda de um Manuelismo
Desescrivaninhe-se já
E se meta no mato
Longe das pautas
E salas de parto,
Perto do cigarral,
Os mourismos do besouro
E os medos naturais.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Preferivelmente

Quereria que à vida houvera algum sentido - como um evento espalhafatoso de funeral, em que os dois frontes de minha vida enfim se confrontassem num vexatório caos social, e no entanto em pura arte filosófica corporizada. É agradabilíssima a noção de causar, mesmo no post mortem, e contudo notes o quanto é limitante! Ficas a pairar numa só ideia que deseja desamparadamente reproduzir-se, semeada nos campos de mentes a crescer humanas, e sonha desiludida em transpor a evolução darwiniana do mundo natural ao universo dos pensamentos, de forma que se selecione sua safra em detrimento de outras.
Que me livre a morte de tamanho mal! Preferível é viver descausado, descomunal, inconsequente das horas tidas e liberto de ideias unas. Assim banha-se-me de ideais vagos do passado, do futuro, e se me permite o presente leviano saltitar de um a outro. E a morte? Que faça seu trabalho - venha, não deixe vestígios deste corpo e serenamente amontoe-o em suas conquistas que dentro das Eras pouco e nada importarão. A vida é para os vivos viverem, nada mais.

Floreio em linha

Cansa falar palavras em progressão;
Geometrizá-las num sentido da vida
E superá-las, uma a uma, com outra.
Exausta que num continuum sucedam-se
Feito linha nas mãos das Moiras.
Mas como salvá-las?
Que as palavras ensandeçam:
Seguirão delineadas - curvas, tortas,
Conformadas.
Ao palavreiro fica esse conformismo:
Que teus versos dancem na mimética
Disfarçados entre linhedos mortos;
Que consigam suspeitar a vida
Onde as incertezas pairam aortas;
E arbusteiem serenos na imaginação.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Duvidivinadatudo

Duvido de nada,
Divido tudo -
E endividado
Dilúvio-me fundo
Até enredado
Num manto sagrado
Escuro e velado
Escuso e difuso
Restar calado
E confuso.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Surrealpopulitik

Nem vem que não passa
Em mim esse lero -
Teu esmero de enfeite
Não foi suficiente
E nunca vai ser.
Prefiro um estilo gatilho
Que chegue, que faça,
Que ensine, que cure,
Que a velha desgraça
Anda tanto na praça
A ponto de eu já
Não saber muito bem
Se é conversa fiada
Ou cheia de graça,
Maria de esmola
Ou real salvação.
O que sei nessa vida
É que a minha razão
De dizer bom ou mau
Ancorou-se no espaço
Onde só minha mente
Vive em levitação,
E daqui do universo
Gigante e pirraça
Não deixo que se desfaça
Essa minha noção,
Pois na noite ou no dia
Não há luz que trespassa
E o infinito lá fora
Não põe meus pés no chão.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Rockabye blues

Feito um tom madeirado
Ginga levado e de leve tragado
Num rockabye baby
Em contornos de sedução.
O ar meio fino e pesado,
Tipo nevoeirado,
Elevado num estado
Que só em doçura e desejo
Acha explicação.
O amor, meio sixties, sensual,
Hollywood carioca
Num Rio de Machado,
Um achado,
Aconchego achegado,
O rouco murmúrio em canção...
Ah, o amor é de fato gingado,
É bom assim deixado
No vibrado de um violão
Cujo som tange o chão.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Oxalá!

Tenho lembranças que não são minhas.
Curiosa a mente,
Com toda a ambiguidade de dizê-lo,
Que ousada desenha-se a si
Tomando uns brotos de tinta
De outrem aqui e acolá.
Até dela mesma se empresta
E enviesa metalinguística -
Metade pra lá, metade pra cá -
Metida na convicção
De que se revelará.

Oxalá!

Arte como é a mente,
Criadora de memórias
Divinificar-se-á.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Toda a gente

Toda a gente é um centrão de cidade grande,
Na estação aonde chegam tantas conduções
E de onde outras zarpam
Recheadas de gente.
Toda a gente é uma Catedral
Que por cima da multidão
Ergue-se gótica numa ótica encantada
Viajando rumo ao céu.
Toda a gente é feita
De gente que vem, que passa,
Que põe um bloco na construção
E leva uma foto pra viagem.

Só Deus sabe

Só Deus sabe
O aperto que dá
Ver um poema tão filhotinho
Ficar com falta de ar,
O dó que vem lá
Quando ele não consegue
Se musicar
E, nossa senhora,
Quando com cara de bossa
Ele não consegue acabar.
Fico só com vontade
De massagear o bambino
E pedir pra ele se acalmar
Que logo a meiguice retorna
E retoma um suspiro -

Ah...

Leve essa deixa

Bem que você podia
Deixar de penar nessa vida
E deixá-la levar,
Que eu prefiro te ver
Menos aflita
E mais nos apitos
De um samba
Em que você dance noviça
Com sorriso de chorinho
E passinhos de deixar pra lá.

domingo, 10 de junho de 2012

Suspiro em tamanho de agulha

Eu descobri que preciso
Te mergulhar no poema.
Preciso tanto que vou te afogar.
Ponha a tua cabeça
Dentro das minhas mãos
E aceite morrer.
Morra por fora,
Mas morra por dentro,
Para eu te retroceder
Na tua memória de infância
Durante a elefância
Do peso que a minha mão ceder
Por dentro do temporal
Do tempo sedento
Que a vida te der.

sábado, 9 de junho de 2012

Pêndulo

Pelo menos caixa d'água tem
Como bebedouro em gaiola
Que emole e enrola
Enquanto amola a sensação
De um viveiro alegre e colorido
No vespeiro cor-de-merda
E seus mais de vinte andares.
Pelo menos caixa d'água tem -
Já é alguma transparência
Em meio a tanto nicho refletor.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Réquiem

Quem não sente
Um Réquiem na respiração,
Sufoco de contramão,
Cansaço na escada,
A noite apagada
Feito uma bita torrada
Aos pés dos degraus,
Não sabe.
Quem não ficou descalço
Sobre o frio do chão
De camisola em frente ao vão
Dos contornos apagados
Da escadaria
Enquanto escala as paredes
Um uivado de calmaria
Só não sabe.
Quem não fitou
A risada malévola e esguia
Das correntes subindo
Pelo corrimão
Chegando reversas
E chiando vazias
Não sabe a solidão
Da morte vizinha.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ampola afora

Pense que agora
De dentro da ampola
Em sua pequenez
Vazo em aperto
Num esforço
Que mete fora
A raiz a arrancar-se de si.
Mede quanto ela extrapola
Rasgando em ponteiro
A relogiar num universo côncavo
Que tanto retorce
Ao ponto de o tempo parar
E passar num espiral frenesi.
Bebe da fonte que aflora
Em gotejos do quanto vivi
Numa terra onde esporados
Os cantos da minha loucura
Encontrei entre si
E espera que o efeito retome
Nas veias da língua
Os rumos da mente
Dentro de ti.

domingo, 27 de maio de 2012

Reflexos

Dados tantos cansaços
E espelhos trincados,
É sublimemente bom,
Tão bom,
Encontrar extensão
Das ideias e pensamentos
Numa rara pessoa
Em quem se reflita uma sensação
Que não se descreve melhor
Do que 'irmã'.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Oximoral

Depravações e divagações podem estar no âmago de tudo.
Daí o insaciável desejo de Alma em converter-se Elisabet.
Quando do escancaro começa a faltar espaço,
Transforma-se o anseio de extravasar em um oximoro,
No qual a expressão só se pode alcançar com seu desaparecimento;
O instante em que tudo e nada subitamente se completam,
Revelam-se iguais.
Afinal, o que são estes além de divagações depravadas
Mergulhadas em formulações intangíveis?
É preferível que estejam num mesmo corpo.
Aí reside, se existe, alguma paz.
Um rosto inexpressivo que exala o mais profundo silêncio
E no entanto tagarela inelutavelmente sobre qualquer assunto.
Deus. Política. Cotidiano.
Tudo banhado numa pastosa indiferença
Que resume seus polos de maneira quase real.
Até porque para tal é preciso ao menos uma dose de utopia -
Se fosse material dissolveria tão rapidamente quanto a inocência
De idealizar de qualquer outra forma.
O conceito precisa ser tão paradoxal quanto sua proposta
E tão desleal quanto a mente que o incorpora.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Que se engole

Quanto mais silêncio
Menos encalço resta humano
De ruídos que outrora fizera.
A quietude incomoda
Conforme perene despassa
Nos caminhos que ousa apagar.
A boca e o pensamento
Calam mais que a si sós -
Fecham olhos, tato e ouvidos
Trafegando quase em transe
Relevando no espaço
Um corpo a cair perplexo
No infinito antigravitacional.
O silêncio é mais que não falar
Ou permitir à mente livre pernoitar:
É uma afronta a si mesmo,
Uma boca que se engole,
Cai vazia sem contento
E nunca mais se recupera
Das palavras que calou.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Cápsula viva

Não que faça sentido,
Mas a muralha que há construído
É densa de florais
E outros tentos transparentes
Comiserados pela visão
Dos campos fortuitos
Para lá.
Cá os campos que há
Precisam de um sopro
Para a grama passada
Esverdear,
Como num sonho gratuito
Que tenho feito esperar.
Aqui, dentro da cúpula florida
Esculpida por feixes de sol,
Falta esse toque de vento
A num devaneio reavivar
Os desejos verdes do solo.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Pensamento próprio, todo alheio

Tudo que eu queria
É um tomate por inteiro.
Sem salada, sem pepino;
Um tomate desordeiro
Que viesse recém-chegado
De uma horta, de um viveiro,
E estourasse nos meus lábios
Puro e sujo de vermelho.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Serpentes de Compostela

Não me olha, Medusa,
Que o desejo de virar pedra
É maior do que eu.
Para de uivar
No caminho de Santiago
E devorar-me feito dragão
Serpenteando sobre a cabeça
Até em sepulcro quedar o meu corpo
Petrificado nas entranhas do chão -
A facilidade de unir-me a terra
É em demasia uma tentação.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Nostalgia

Vem, então,
E me olha
Na boia
Pendurada na sequoia,
Um pneu
Que, como eu,
Balança
Na esperança
De cair, ou não,
No céu.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Desseleção

João já cansara de tratar os povos por tudos e nadas,
Quer povoassem as terras ou a mente.
E mesmo pensando-se um joão-ninguém,
Não quisera mais retratar-se com os mundos
Olhando-os sob o espectro ofuscante de lupa contra o sol,
Mirando na testa das vidas ou do corpo
E tachando-lhe(s) em coletivo(s).
Não.
O corpóreo e o espiritual
Já deixara cegar demasiado;
Ou cegara-se, deveras.
Ninguém deveria permitir que se esmiuçassem os povos
Na medida de xícaras, ou copos, ou qualquer coisa.
A medição, meditou, ficaria em aberto;
Ficariam povos de farinha espalhada
Que sem receita quedariam em pão - ou não.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Tom neutro

Cheguei a acreditar
Que seria preciso deixar de lado o humano
Para compreendê-lo
Em toda sua imensidão.
É engraçado pensar
Que somos tão sofregamente profundos
Ao ponto de só na superficialidade
Cabermos rotundos e leves.
É triste lembrar
Que tudo o quanto sortudos
Ousamos ostentar
Em nossos seios fardados
Feito medalha de honra
Jamais será compreendido
Sem que se extingua a pompa
E a boa ventura
Que lhe atreve prover em sustento,
Feito os fios de tecido
Em que o broche possa se lacrar.
É inócuo de tão sem sentido
O ato de ser
Que nos permite estar.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Embriologia do nascido

Quando vimos nesse mundo,
Fizeram que fosse estranho.
Mal saímos de um colo
Quente e úmido
E a primeira sensação
É uma palmada na bunda.
Fica a lição:
A vida é para apanhar;
Qualquer outro sentimento é intrauterino.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Mar(acutaia)

Ai ai, a maracutaia
Que armou nos meus coqueiros
A minha rede, a minha praia,
Se deixou levar pelo sertão
Quando bateu brisa de tarde
No aconchego, sem alarde,
Indo pelo chapadão.
Ai, e agora? Deito a rede feito canga?
Corro o mato, solto a franga?
Ou me banho de mar?
Ai, como me cansa que o Brasil
Seja tão longo para além
Das dunas do litoral.
Queria que essa terra fosse
Toda maracutaia
Que começa e logo acaba
Entre areia molhada
E água rasa de salgar.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Sonho de azul

Pena que já foi o rapazinho atravessar o oceano.
Peno para lembrá-lo nas docas,
Mas as poucas tocas em que se escondem
As memórias fotográficas
Já não saltam tão recentes;
As imagens são tão penas
Que na brisa e maresia
Fáceis saem a levitar oblíquas.
Tenho às vezes que elas vão
Buscá-lo na terra nova
Sobre as águas de Pasárgada,
Com seus elefantes de ouro
E as colinas de Montoya
Onde, reza a lenda, mora a tribo azul,
Caçadora de lembranças.
Tenho que, se de lá sobreviverem,
As valquírias de papel o encontrarão
E trarão de volta para uma conversa.
Mas tem dias em que acordo e recordo
O sacrifício feito com meu corpo
Na viagem que passei.
Meu rapaz, pobre rapaz,
Não virá me procurar aqui zarpado e acorrentado
Nas ondas escuras das montanhas
Encrostadas em paquidermes
Pintados num presente emoldurado de mar,
Tão leviano quanto o flutuar de pena.

terça-feira, 20 de março de 2012

Poleiro

Falta a sua pausa na minha mente,
A clave do meu som
Que no dia algum ruído silencie
A poluição do vai-e-vem.
É isso que eu quero,
Seu canto de passarinho
Que tão solenemente
Recobria minha gaiola
Feito manto de pernoite
A nas asas de um vadio empoleirar
Dar um estio escurecer
Na luz do dia
Que por hoje já cansei de ver brilhar.

sábado, 10 de março de 2012

Gemada

Tudo tão calo
Nos pés e nas mãos
Que não dá pra ficar calado.
Quiçá tivera blasfemado
E o galo parasse de doer a cabeça.
Mas em canto ou silêncio
Já fiz heresia demais.
Como de costume,
Não há que falar ou calar,
Só doer com panos quentes
E torcer que a rouquidão
De grasno torto
Grunha um gemido completo
Feito gemada com clara.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Poemística


Mede pra mim umas palavras
de talhagem nova.
Quero estrela supernova
bordada com requinte no meu bolso
no melhor estilo marechal de campo,
que eu possa apresentar
como os velhos sargentos americanos
do Vietnã.
Aliás, quero uma praia como aquelas vietnamitas,
ou filipinas, das que se vêem bonitas
mesmo em cenas sórdidas de guerra.
Gosto dessa beleza que perdura
sobre o tempo e sobre os homens.
Por isso quero supernova
e palavras.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Brumas setentistas

Pouca coisa é tão certa
Quanto é esbelta
A emplumada bruma
Que na gruta dubla
Sarita e Monroe
Por trás da cortina
De veludo e vapor
No escuro
Sob a luz de um globo em cor
A brilhar na noite e no suor.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Violetas

Viola um som
Que eu sei de coração.
Ele vai e canta choroso
Lembrando um cheiro de jardim
De violetas simples,
Assim, de floreira.
Lembra do floreio roxo
E um rouxinol a passar,
Lembra do teu rosto rosado
E do teu rosar.
Canta de rochedo
E do mar que bate
E leva a varanda
Pra uma vista lá
De passarinho a cantar
Bem depois da água,
Do sal e do sol,
Bem longe da cantiga triste
Que rebate no peito
E releva no efeito
As violetas murchas
E violas velhas
A desatinar
No desafino.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Hermafrodita

É fálica a cidade,
Fatídica de ferocidade.
Alegremente abre-se,
E de tão leve
Vive igual metade
Que se encontra
Num encaixe
De felicidade
Numa humanidade
Afrodisíaca
Plena.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Cai bem

Desdém
Que cai bem
Numa noite quente,
Sinos de Belém
A quem tem
Por quem tocar.
Mas este desdém
É um mais além
Que o aquém desdenhar;
Ele desenha de amor
E esvoaça em calor;
Desdenha da lua
E do meu pensar,
Perdendo os contornos
Em só em estar;
Quente e escuro;
De ninar.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Jorra jarro

Jarro dourado e branco
Que tanto há lavado
Meu corpo, meu enfado,
Minha pele resfria
Em lisa corrente
Sobre o calor.
Toca meu lado,
Meu seio, meu claro,
Doura-me o rosto,
Limpa minhas mãos,
Cobre meu olhos,
Molha os cabelos
Com água prateada.

Jarro que hoje quebrado
Jorra em barro,
Pedaços de louça,
Trincados de ouro,
Na sala, no quarto,
Na cama, nos cacos,
Nas gotas deitadas
Em estilhaços
Colados no assoalho,
Oleados em jorro espalhado
Que lavo do chão
Lacrimejado.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Vindos sem idos

Ai, morosidade
Dos dias sem idos
Vindos silenciosos
E lisos,
Desnudos,
Felpudos
E tontos
Rodando no ar
Como anoitecer
Que resvala constante
Até alvejar sutilmente
Num recomeço
De dia sem par,
Sem sair do lugar.

Calmaria

Se eu pudesse
Ser de lá
Sereia sem trela
Estrela do mar
Estuário santo
Santuário bambo
Levitando berimbau
São seria,
Santa iara;
Das mazelas
Não faria
Minha nau,
Meu corpo em céu;
Navegaria padroeiro
Pela areia
Do meu véu
Esvoaçando na brisa
De um sacro-eu.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Escombro


Não, não faça isso,
Não trace no espaço um risco bonito;
Ele é pouco belo,
É um sobrado de lero
A só enfeitar.
Não espere esmero
Num mero ordinário.
Veja que esse castiçal
É de papel,
Em suas pontas não brilha
Mais que uma chama postiça
Imersa em gasolina comprada.
Não, não espere no quadro
Mais que um terreno quadrado
Onde um canto ululado
Lampeja o vazio de si.
Não há mais que um humano
Torto em fraquejo quebrado
Ao seu lado,
No escombro de mim.

Falácia

Restando tão pouco a falar
Não deve estar a faltar na fala;
O que precisamos é viver
Mais ou mais intensamente
Até as palavras faltarem
Mas não por falta de opção,
Antes por faltar noção
De tanta vida e desvida
Desmoronando nas esquinas
Da expressão.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Dado

Nada pensado e penado
Pode ser tão dado
Quanto o listado
De bom grado
Sem enfado
Como
Se eu jogasse nas letras um dado.

Poesia é qualquer coisa

Poesia?
Poesia é qualquer coisa.
Mas não fala assim dela.
Ela se ofende.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Ararada

Pendurado perdura
No cangote o holofote
Das mil vozes perturbadas
Com o silêncio.

As danadas alarmadas
Esperneiam desavisadas
Alarmistas feito araras
Ao vento.

Bate asas, bate estaca,
Calamiza irritada
A perdida bicharada
Na cabeça achatada
De ruído.

Para tudo! Para nada
Vale a escandalizada
Renca nesse pau de arara!
Antes valha a parada
Da minha vida em caminhada
Que a estada me compraza
Num momento

De resfrio

Estio

Rio.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Cantiga

Devia chamar Filomena
Que num poema
Cocega igual pena
Soando bizarro fonema
Na corda que trema.
Faria então uma música
Sincera como de novena
Derretendo-te o coração feito gema
Quando eu te chamar de Helena
Da minha rapsódia extrema.
Peço que você não tema
Os rumos dessa canção;
Prometo por esses versos
Desde a aventura helênica
Até a singela cantiga de unção
Manter todos os nomes imersos
Em Filomena.

O universo das coisas que quando ditas perdem sentido é grande demais

O universo das coisas que quando ditas perdem sentido é grande demais,
Tornando cada uma das palavras usadas pequena,
Ao ponto de neutra se apagar no ar
Sua impressão digital,
Ficando morfemas
Vazios
.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Imaginário

Lembro de algumas coisas,
Poemas, paisagens, fonemas,
Mas do resto esqueci.
Lembro que pensei tanta ideia
Descabida, descabelada ou vívida.
Agora, se elas chegaram ao ponto
De fixarem-se nalgum porto
Feito nau no pensamento
Arrastando-o pelo mar...
Difícil rememorar.
Vêm-me imagens ao longe
Rendidas a terras esparsas
Caídas nas mãos de tribos
Que ou desconheço, ou apaguei
De meu mapa.
Vivo com aquela sensação desavisada
De que a borda do mundo chegará,
E também creio dar voltas eternas.
Não sei quantas peças pregou a lembrança,
Se na feitoria ou nos pedaços;
Se essa pedra em batente no mar
Flutua-me ou fica estacionada;
Quantas ilhas passaram ou passei,
Sequer se houveram, se sei.
Quanto mais velho, mais oceano,
De navegação passei a correnteza.
Sou um naufrágio, ou subterrâneo;
Sou barro estraçalhado
Numa ventania que me derrubou.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Saiba que

Você provavelmente deve passar
Pelo mesmo (des)caminho
Que dizem. A saber,
Se há que saber
De amor.
Hora ou outra
O verbo transmuta
E o verme há de comer
Na sensação de passar
Para o crer.
Não deve ser bom -
Saber tem mais conforto,
É mais leve.
Mas de tanto que sabe, crê,
E daí não mais sabe,
Ou não sabe se sabe.
Quem sou eu para dizer?
De amor eu não sei.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Em pauta

Pfff!
Pode uma coisa dessas?
Hoje não pode mais
Nem podar o arco-íris
Para procurar o pote de ouro.
Precisa de procuração
Precisa e pautada -
É uma paulada,
Puta que pariu!

sábado, 14 de janeiro de 2012

Esse poema só fala

Esse poema só fala de tristeza e amor, amor triste.
É tudo culpa do poema!
Devia ser mais feliz,
Supérfluo,
Balão,
Com umas palavras mais simples,
Menos emaranhado,
Um pouco mais seco,
Sem ideias doidas.
Esse poema devia ser qualquer outra coisa,
Menos esse poema.
Ele não é muito fácil.
É meio senil pra essa idade.
Ele devia deixar de ser criança
E soltar logo esse barbante
Pra flutuar.
Ai, esse poema, viu...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A rua cai

Até onde isso vai dar?
Não que eu queira
Aparecer nalgum lugar,
Mas talvez nem dê
Pra não chegar.
Depende do que
Você tomar,
Aí pode tudo, rima muito,
Ritmiza, relativiza, avisa
Que não vai dar lá em casa,
Que a rua cai antes de outrora,
A terra engole, o chão emole
E a cidade já não dorme
Ou não durmo eu
Já estou com fome
Assim não dá...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Poeticaliza

Poetiza vertical, poetisa;
Ascende em fogo ao céu,
Queima o véu preto
Em cinzas e fumaça branca;
Releva-te, enleva-te,
Revela-te, leva teu estrondo
Num turbilhão em chamas;
Chama o nome da canção
Que de explosão num arrocho
Afrouxe a cauda do teu vestido
E dê sentido às asas dos anjos
Em teu corpo!
O coro precisa cantar,
O paraíso precisa chegar
Aqui e agora
Antes que o agouro
Em gigante touro
Pisoteie teus passos no ar!
Corre! Voa! Poeticaliza!

Universo

Ele
Não vai,
Não volta,
Não revolta,
Não faz revolução,
Não cai em tentação,
Só tenta passar além do abismo
Entre ele e outro,
Mas sempre cai
Ao princípio do mundo
E segue passeando em si
Parecendo caminhar o multiverso
Enquanto continua sendo um verso só.

Desfumegado

Versos desfumegados
Esburacados
Acostumados
Escorrem da colher.
Num prato de sopa
A pouca vida
Sabor galinha
Roleta louca de normalidade.
Só quando eu garfar o caldo
E fincá-lo na língua
Ele fumegará
Num laranja pastoso
De sangue evaporando
No calor da mistura.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Malemá fantasia

Mal-me-quer
Malemá
Ou qualquer coisa,
Mas sequer
Manda ter
Outro bem.
Se tem ou se vê
Deve ser em sobrenome,
A esconder
Por detrás do informal,
Que, bem ou mal,
Não há como despetalar.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Tiê-sangue

Cadê tu
Cadê tiê
Cálice sangue
Cadente no mangue
Das entranhas
Num enxame de veias
Plumejando
Em teu voo meloso
Pela garganta;
Ninha veloso
Teia esponjoso
Tieta-me
Tiê.

Minha

Já de guizos e brilhos
Os vestidos não são.
Os saltos quebrados,
Maquiagem trincada
E as gavetas por onde vazava
Estão de poeira
E madeira passada.
O quarto é escuro,
A lâmpada queimada,
A janela esburacada
Respinga frio
Num feixe de lua
E uivado do vento.
O corpo já não é o mesmo,
O todo passou
E a pulseira das minhas
Lembranças prateadas
Trincada no chão escoou,
Caindo por entre as tábuas
Para um porão abandonado
Onde entre caixas
De úmido papelão
Deve jazer nalgum canto
Uma última saia
Que espremida na solidão
Dá vida a um pequeno clarão.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Ventoinha

Pela queda pelo vento
Pelo toque de contento
Mergulhado entre medo
Do entrevero do amor
Verdadeiro
Como um reino paraíso
De um espelho refletido
Na luz e no calor
Bronzeado mediterrâneo
Abafado ventilador
A num toque sobre a pele
Pelejar o meu andor
Em apostasia nostalgia
Soprando generosa
Tombando em meu cabelo
E caindo no assoalho
Até sumir carvalho.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Mais um poema de amor

Este é mais um poema de amor
De lirismo
Euforia
Êxtase
E sexo.
Decora suas linhas,
Recita,
Transborda
E ele se revelará
Mais um poema de amor,
Repeteco,
Peteca entre flores e mar
E qualquer outra metáfora
Que o coral cantar
E nadar
No nada
De peixes
Num alumiar.