terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Escombro


Não, não faça isso,
Não trace no espaço um risco bonito;
Ele é pouco belo,
É um sobrado de lero
A só enfeitar.
Não espere esmero
Num mero ordinário.
Veja que esse castiçal
É de papel,
Em suas pontas não brilha
Mais que uma chama postiça
Imersa em gasolina comprada.
Não, não espere no quadro
Mais que um terreno quadrado
Onde um canto ululado
Lampeja o vazio de si.
Não há mais que um humano
Torto em fraquejo quebrado
Ao seu lado,
No escombro de mim.

Falácia

Restando tão pouco a falar
Não deve estar a faltar na fala;
O que precisamos é viver
Mais ou mais intensamente
Até as palavras faltarem
Mas não por falta de opção,
Antes por faltar noção
De tanta vida e desvida
Desmoronando nas esquinas
Da expressão.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Dado

Nada pensado e penado
Pode ser tão dado
Quanto o listado
De bom grado
Sem enfado
Como
Se eu jogasse nas letras um dado.

Poesia é qualquer coisa

Poesia?
Poesia é qualquer coisa.
Mas não fala assim dela.
Ela se ofende.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Ararada

Pendurado perdura
No cangote o holofote
Das mil vozes perturbadas
Com o silêncio.

As danadas alarmadas
Esperneiam desavisadas
Alarmistas feito araras
Ao vento.

Bate asas, bate estaca,
Calamiza irritada
A perdida bicharada
Na cabeça achatada
De ruído.

Para tudo! Para nada
Vale a escandalizada
Renca nesse pau de arara!
Antes valha a parada
Da minha vida em caminhada
Que a estada me compraza
Num momento

De resfrio

Estio

Rio.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Cantiga

Devia chamar Filomena
Que num poema
Cocega igual pena
Soando bizarro fonema
Na corda que trema.
Faria então uma música
Sincera como de novena
Derretendo-te o coração feito gema
Quando eu te chamar de Helena
Da minha rapsódia extrema.
Peço que você não tema
Os rumos dessa canção;
Prometo por esses versos
Desde a aventura helênica
Até a singela cantiga de unção
Manter todos os nomes imersos
Em Filomena.

O universo das coisas que quando ditas perdem sentido é grande demais

O universo das coisas que quando ditas perdem sentido é grande demais,
Tornando cada uma das palavras usadas pequena,
Ao ponto de neutra se apagar no ar
Sua impressão digital,
Ficando morfemas
Vazios
.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Imaginário

Lembro de algumas coisas,
Poemas, paisagens, fonemas,
Mas do resto esqueci.
Lembro que pensei tanta ideia
Descabida, descabelada ou vívida.
Agora, se elas chegaram ao ponto
De fixarem-se nalgum porto
Feito nau no pensamento
Arrastando-o pelo mar...
Difícil rememorar.
Vêm-me imagens ao longe
Rendidas a terras esparsas
Caídas nas mãos de tribos
Que ou desconheço, ou apaguei
De meu mapa.
Vivo com aquela sensação desavisada
De que a borda do mundo chegará,
E também creio dar voltas eternas.
Não sei quantas peças pregou a lembrança,
Se na feitoria ou nos pedaços;
Se essa pedra em batente no mar
Flutua-me ou fica estacionada;
Quantas ilhas passaram ou passei,
Sequer se houveram, se sei.
Quanto mais velho, mais oceano,
De navegação passei a correnteza.
Sou um naufrágio, ou subterrâneo;
Sou barro estraçalhado
Numa ventania que me derrubou.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Saiba que

Você provavelmente deve passar
Pelo mesmo (des)caminho
Que dizem. A saber,
Se há que saber
De amor.
Hora ou outra
O verbo transmuta
E o verme há de comer
Na sensação de passar
Para o crer.
Não deve ser bom -
Saber tem mais conforto,
É mais leve.
Mas de tanto que sabe, crê,
E daí não mais sabe,
Ou não sabe se sabe.
Quem sou eu para dizer?
De amor eu não sei.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Em pauta

Pfff!
Pode uma coisa dessas?
Hoje não pode mais
Nem podar o arco-íris
Para procurar o pote de ouro.
Precisa de procuração
Precisa e pautada -
É uma paulada,
Puta que pariu!

sábado, 14 de janeiro de 2012

Esse poema só fala

Esse poema só fala de tristeza e amor, amor triste.
É tudo culpa do poema!
Devia ser mais feliz,
Supérfluo,
Balão,
Com umas palavras mais simples,
Menos emaranhado,
Um pouco mais seco,
Sem ideias doidas.
Esse poema devia ser qualquer outra coisa,
Menos esse poema.
Ele não é muito fácil.
É meio senil pra essa idade.
Ele devia deixar de ser criança
E soltar logo esse barbante
Pra flutuar.
Ai, esse poema, viu...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A rua cai

Até onde isso vai dar?
Não que eu queira
Aparecer nalgum lugar,
Mas talvez nem dê
Pra não chegar.
Depende do que
Você tomar,
Aí pode tudo, rima muito,
Ritmiza, relativiza, avisa
Que não vai dar lá em casa,
Que a rua cai antes de outrora,
A terra engole, o chão emole
E a cidade já não dorme
Ou não durmo eu
Já estou com fome
Assim não dá...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Poeticaliza

Poetiza vertical, poetisa;
Ascende em fogo ao céu,
Queima o véu preto
Em cinzas e fumaça branca;
Releva-te, enleva-te,
Revela-te, leva teu estrondo
Num turbilhão em chamas;
Chama o nome da canção
Que de explosão num arrocho
Afrouxe a cauda do teu vestido
E dê sentido às asas dos anjos
Em teu corpo!
O coro precisa cantar,
O paraíso precisa chegar
Aqui e agora
Antes que o agouro
Em gigante touro
Pisoteie teus passos no ar!
Corre! Voa! Poeticaliza!

Universo

Ele
Não vai,
Não volta,
Não revolta,
Não faz revolução,
Não cai em tentação,
Só tenta passar além do abismo
Entre ele e outro,
Mas sempre cai
Ao princípio do mundo
E segue passeando em si
Parecendo caminhar o multiverso
Enquanto continua sendo um verso só.

Desfumegado

Versos desfumegados
Esburacados
Acostumados
Escorrem da colher.
Num prato de sopa
A pouca vida
Sabor galinha
Roleta louca de normalidade.
Só quando eu garfar o caldo
E fincá-lo na língua
Ele fumegará
Num laranja pastoso
De sangue evaporando
No calor da mistura.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Malemá fantasia

Mal-me-quer
Malemá
Ou qualquer coisa,
Mas sequer
Manda ter
Outro bem.
Se tem ou se vê
Deve ser em sobrenome,
A esconder
Por detrás do informal,
Que, bem ou mal,
Não há como despetalar.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Tiê-sangue

Cadê tu
Cadê tiê
Cálice sangue
Cadente no mangue
Das entranhas
Num enxame de veias
Plumejando
Em teu voo meloso
Pela garganta;
Ninha veloso
Teia esponjoso
Tieta-me
Tiê.

Minha

Já de guizos e brilhos
Os vestidos não são.
Os saltos quebrados,
Maquiagem trincada
E as gavetas por onde vazava
Estão de poeira
E madeira passada.
O quarto é escuro,
A lâmpada queimada,
A janela esburacada
Respinga frio
Num feixe de lua
E uivado do vento.
O corpo já não é o mesmo,
O todo passou
E a pulseira das minhas
Lembranças prateadas
Trincada no chão escoou,
Caindo por entre as tábuas
Para um porão abandonado
Onde entre caixas
De úmido papelão
Deve jazer nalgum canto
Uma última saia
Que espremida na solidão
Dá vida a um pequeno clarão.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Ventoinha

Pela queda pelo vento
Pelo toque de contento
Mergulhado entre medo
Do entrevero do amor
Verdadeiro
Como um reino paraíso
De um espelho refletido
Na luz e no calor
Bronzeado mediterrâneo
Abafado ventilador
A num toque sobre a pele
Pelejar o meu andor
Em apostasia nostalgia
Soprando generosa
Tombando em meu cabelo
E caindo no assoalho
Até sumir carvalho.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Mais um poema de amor

Este é mais um poema de amor
De lirismo
Euforia
Êxtase
E sexo.
Decora suas linhas,
Recita,
Transborda
E ele se revelará
Mais um poema de amor,
Repeteco,
Peteca entre flores e mar
E qualquer outra metáfora
Que o coral cantar
E nadar
No nada
De peixes
Num alumiar.