segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ampola afora

Pense que agora
De dentro da ampola
Em sua pequenez
Vazo em aperto
Num esforço
Que mete fora
A raiz a arrancar-se de si.
Mede quanto ela extrapola
Rasgando em ponteiro
A relogiar num universo côncavo
Que tanto retorce
Ao ponto de o tempo parar
E passar num espiral frenesi.
Bebe da fonte que aflora
Em gotejos do quanto vivi
Numa terra onde esporados
Os cantos da minha loucura
Encontrei entre si
E espera que o efeito retome
Nas veias da língua
Os rumos da mente
Dentro de ti.

domingo, 27 de maio de 2012

Reflexos

Dados tantos cansaços
E espelhos trincados,
É sublimemente bom,
Tão bom,
Encontrar extensão
Das ideias e pensamentos
Numa rara pessoa
Em quem se reflita uma sensação
Que não se descreve melhor
Do que 'irmã'.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Oximoral

Depravações e divagações podem estar no âmago de tudo.
Daí o insaciável desejo de Alma em converter-se Elisabet.
Quando do escancaro começa a faltar espaço,
Transforma-se o anseio de extravasar em um oximoro,
No qual a expressão só se pode alcançar com seu desaparecimento;
O instante em que tudo e nada subitamente se completam,
Revelam-se iguais.
Afinal, o que são estes além de divagações depravadas
Mergulhadas em formulações intangíveis?
É preferível que estejam num mesmo corpo.
Aí reside, se existe, alguma paz.
Um rosto inexpressivo que exala o mais profundo silêncio
E no entanto tagarela inelutavelmente sobre qualquer assunto.
Deus. Política. Cotidiano.
Tudo banhado numa pastosa indiferença
Que resume seus polos de maneira quase real.
Até porque para tal é preciso ao menos uma dose de utopia -
Se fosse material dissolveria tão rapidamente quanto a inocência
De idealizar de qualquer outra forma.
O conceito precisa ser tão paradoxal quanto sua proposta
E tão desleal quanto a mente que o incorpora.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Que se engole

Quanto mais silêncio
Menos encalço resta humano
De ruídos que outrora fizera.
A quietude incomoda
Conforme perene despassa
Nos caminhos que ousa apagar.
A boca e o pensamento
Calam mais que a si sós -
Fecham olhos, tato e ouvidos
Trafegando quase em transe
Relevando no espaço
Um corpo a cair perplexo
No infinito antigravitacional.
O silêncio é mais que não falar
Ou permitir à mente livre pernoitar:
É uma afronta a si mesmo,
Uma boca que se engole,
Cai vazia sem contento
E nunca mais se recupera
Das palavras que calou.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Cápsula viva

Não que faça sentido,
Mas a muralha que há construído
É densa de florais
E outros tentos transparentes
Comiserados pela visão
Dos campos fortuitos
Para lá.
Cá os campos que há
Precisam de um sopro
Para a grama passada
Esverdear,
Como num sonho gratuito
Que tenho feito esperar.
Aqui, dentro da cúpula florida
Esculpida por feixes de sol,
Falta esse toque de vento
A num devaneio reavivar
Os desejos verdes do solo.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Pensamento próprio, todo alheio

Tudo que eu queria
É um tomate por inteiro.
Sem salada, sem pepino;
Um tomate desordeiro
Que viesse recém-chegado
De uma horta, de um viveiro,
E estourasse nos meus lábios
Puro e sujo de vermelho.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Serpentes de Compostela

Não me olha, Medusa,
Que o desejo de virar pedra
É maior do que eu.
Para de uivar
No caminho de Santiago
E devorar-me feito dragão
Serpenteando sobre a cabeça
Até em sepulcro quedar o meu corpo
Petrificado nas entranhas do chão -
A facilidade de unir-me a terra
É em demasia uma tentação.