quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Meira

String Quartet Nº 13 in A minor, D. 804 - Franz Schubert

Mira, Meireles -
Mira lá!
Do alto da vista,
Entre os largos olivais
De árvores esparsas no amarelo esverdeado do chão,
Vem chegando a Medusa moura.
Já diziam que vinha
Desde Mérida
De uns anos pra cá,
Mas até então era mitologia...
E agora lá está.
O vulto pequeno em meio aos galhos tortos
Como azeite escorrendo na superfície da terra;
Já se notam as serpentes
Formigando ao longe a cabeça
Enquanto aqui já dói a consciência,
Não é mesmo?
A hora é chegada;
Não dá para adiar.
Hoje se não és ceifado
Eivará sua vida,
Brocharão os teus ramos
E apodrecida petrificará.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Ceci na secção

A mosca rasgou a noite
Em duas tiras estridentes
Assoviando de Ceci
No ouvido direito.
O esquerdo, pousado no travesseiro,
Sonhava ainda o silêncio
Das onze da noite,
Meia-noite,
Meio-dia,
Ou qualquer outro horário quente
Do verão.
Mas a direita, acordada, remissa,
Contava os minutos
Para a hora do lobo
Ouvindo o batente gelado
Que vinha do vento
Pela fresta.
Um olho era cego de fronha,
Embrenhado nas penas de ganso;
O outro era cego de escuro,
Mergulhado na noite espessa.
Sonhar acordado de Cecília
No inseto que me passou
Pousou na consciência nociva
O conhecimento
De passado, presente e futuro,
Do bem e do mal
E do que de nós dois eu sou.

domingo, 25 de agosto de 2013

Que

Um poema que precisa
Tanto ser poema
Que mal dá pra sê-lo
Sem selada a ponta
Desembargar.
Um que tão preciso
Ao ponto de, falado,
Soar embriagado
E perder o ponto
Com voz embargada
E derivações de uma mesma forma;
Recitações das mesmas... Coisas, ou sabe lá.
Repetições aglutinadas.
Um poema que tanto preciso
E não sai.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Alienado

Li que lá não havia passado
E cá também não tem mais fim
E olhei desde aqui ao outro lado
E nada pude mais sentir.
E não é que não tenha bom grado
Mas de ser fadista já estou enfadado
E nado então na gruta do nada
Que é a mente perversa,
Também um desfim.
Meus olhos estão engraxados,
Os pés engravatados
E a coleira posta assim
Num bicho que desavisado
Cruza a rua sem ver
O que tem e o que não tem
O que vem ou que não
O que são
Essas coisas erradas,
Essa contramão,
Que na confusão
Deixei sumir em mim,
Desavisado por engano,
Isolado ao bel-prazer
E carcomido pelas traças
De tudo que passa
E não enxergo, enfim.

Libertamen, Dei insanis

Libertamen,
Dei insanis.
Paguei teu preço,
Rompi teu laço
E ainda me entreveras.
Ver-me-ás bicho morto
Antes que o montante
De abutres perversos
Deixe-me a carne?
Preferes tentar-me
Quarenta dias e noites
Num deserto de ventos ululantes
E pedregulhos cortantes?
Faz como com teu filho
E me abandona,
Liberta-me da insanidade
Dos loucos da perdição
Antes que tarde.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Policificação

Polícia pacificadora
Com peixeira na mão
Pra entregar embrulhado no jornal
O sangue preto que não escorre
Nem sob o olhar do Redentor -
Ele que estende os braços,
Mas despregado
Despedrado
Apartamentado,
Jamais favelado
Requebrado
Ou pacificado.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Molto stanco pra estancar

Quengo molengo
Dengo
E
Sono
Muito
Sono
Que aguentar;
Canga lenga
Tonta prenda
Entendendo
Minha lenha
Queimando
Estalando
Na quenga
O manjar
Que não
Vai dar tempo
De saborear
Antes que m...

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

/Z/amente

Sou obcecado
Obscenado
Naquilo que me perfaz
E faz mal
Ao meu estado de espírito -
Vide: estado de "espírito".
Eis o meu mal:
Fugir daquilo que agarra meus pés
E, estando tão livre, revés -
Aprisiona as palavras
E me engasga tosco
Como se o falar
Fosse rabiscar num tronco
De madeira pré-preparada.