quinta-feira, 29 de maio de 2014

Tem alguém

Tanto desentendimento e tristeza
Tanto mundo, frio e afins
Tanto eu que não cabe nele
E tanta gente que não entende
E a gente pensando que tinha obrigação...
Mas tudo bem. Deixa pra lá.
Tem gente que é alma gêmea mesmo,
Nem que só por uma temporada.
Gente que dói como a gente
E esquenta o peito só de pensar.
(Escrito dia oito de Maio de 2014)

Sobrou amarelo
Folhas
Alguma coisa de mofo
E uns sobrados.
Uma bituca
E um boto azul.
Quem nos encontrará?

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Todas as afirmações realistas são válidas.
Pena que sou surreal
Como uma pena que brota nas costas de um rinoceronte.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Tangerina

Se medicina curasse
Eu não estaria esse bagaço
De tangerina comida pela metade,
Meio frade, meio puta,
No caminho da sanidade sozinho.

Como será de mim nessa mente

Chamo-te Meu
Porque é um nome que combina muito mais
Com o que te quero
Como quero
Ah, quero...
Quieto!
Já é quase nada,
Não é hora de amar desmamado
Como um tolo qualquer
Que não te seja.
Sujeira de sentimento que volta
No meio da vassourada,
Do empurrão
Da escada
Rolante
Que roda e roda e roda
E roda gigante.
Amnésia mandou lembranças;
Como podes ver
Ela claramente não está aqui -
Somente a loucura
O absurdo de tentar
Essa desaventura de estar largado
Ao que ser.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Canário

(Stranger - Goldfrapp)


Há goteiras vazando em todo lugar
Sem teto;
Balões de hélio estourando sem agulha
Em fino ar;
Festas que não pude dar.
Lá no alto das nuvens
Deve haver um canarinho
Que aprendeu a chorar
E suas lágrimas caem por aí
Pinicando meus ombros
Minha cabeça
Meu meio luar esboçado nos olhos
E, entrando na minha gaiola,
Machucam o sabiá.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Velho Chico

Valha-me!
Valhalla!
Vá lá
Transpor o Velho Chico
Que no final da corrida do último córrego
Chego no meu amor.
Paulada e cala
Pelo amor
Criada não fala

Oxalá
Ó o chá lá
Amor, amor, amor
Amor, amor
Amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor
Verso gigante de amor.
Só me resta, salvem-me as ninfas,
Dizer
Pedir
Amor.

Incapacitado

Tão horrível a dor dos meus seios
Pedrados de não ninar.
Insólita a razão de cheirar
Sem teus cachos.
Monstruoso o empurro
Para aguentar sozinho -
Não sei fazer esfinges de uma face só.
As minhas são necessariamente horrendas,
Sofridas do teu açoite para andar,
Corridas de chuva que esculpe
Caminhos de choro
Do teu toque de mestre
Na planta que me escraviza
Maldita, maldita...
Não tenho Moisés,
Só Ramsés para eternizar
Numa imagem de estrelas escolhidas a dedo
Por mim, segundo do reino,
Segundo eterno
Para falar de qualquer coisa
Que não seja o Deus incapaz de te substituir.

Intenção

(Un año de amor - Luz Casal, interpretada no filme Tacones Lejanos, de Pedro Almodóvar)

A primeiríssima
E última.
A exasperada,
Engolida.
Viva no meu rasgo
Apelidado existir,
Entretanto tão morta
Que mal me coíbe denegrir
O restante -
E por isso mesmo tão mais viva.
Viva demais, pelo espanto de me ver no espelho!
Espelho mentiroso que só me reflete
Tão inconteste...
Ai, mentiroso! Mentiroso demais...
Ódio.
De ti, é claro, mas muito mais de mim.
Eu que não soube ser menos que sobrenatural
E tão ateu.
Se excluísse um dos dois, quiçá...
Mas vivem, ah, como vivem,
Ambos dentro de mim.
E como facilmente trocaria qualquer um e todos
Por causa de ti.

Facho de cismos

Não existe metáfora maior que o tal Deus,
Com "D" maiúsculo, monoteísta, monocromático, monolítico.
Deus, então, deveria estar morto,
Pelo bem das metáforas, pelo bem da poesia,
Até pelo bem dos deuses,
Pelo bem de todos os monólitos erguidos na história da humanidade.

Autorretrato em língua inglesa

Long nails
Devils beard
Angels hair
Terribly dark eyes
Slender nose
Chubby cheaks
Hellish squeals of earthquake
And delicate purrs of love
Whilst body of a gypsy Venus.
Ó, mãe,
Salvai-nos dos nossos pecados,
Pois já sabemos demasiadamente bem o que fazemos.
Cabelos e dentes.
Correntes e freios.
Mentes e socorros.
Tudo que resta de um ser.

Visão de transcorpo

Poupai-nos
Corpo celeste
De ser corpo.
Cai nessa Terra
E pedregulho no lago estilhaça
Até não ser mais raça
Este afago.
Apaga, senhor, esta chama -
Chama-me pelo nome inconcreto
De criatura mística
De rito
De covardia que dissolva
No instante mais bravo
Do que tu me climou.

Tu, porém, és abjeto;
Impalpável;
Intangível às palavras.
Tu não és um "tu".
És, sabe lá...
Eu, nós, nada,
Voz, atroz, elos;
Rabo de velhos que sobre nós rastejou.

Gotejou uma pincelada de ti
E fadaste
Com asas de mariposa
E olhos meus.
Deus meu! Que imagem é essa?
Deus que objetou meu credo,
Creda comigo agora
Em admiração do que não entendes
E... Deus meu!
Monstro!
Perfeito!
Inerte!
Vida!
Sabe lá que palavra termina um poema sobre tudo!

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sacolejos

Boemia querida
Poeminha de amor
Tragos pesados de letra
Rastros errados
E um semi-deus sem poderes.
Se há uma mãe-tudo
Seu nome é Karin.
Karin nunca me ninou
Mas hoje quer me hibernar.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Torniquete

(Fado - Maria Bethânia)

Quantas dores ainda visitará a vida?
Quantos arautos passarão
Para trazer notícias do mar,
Que vai alto sem dó,
Se mesmo desatado o nó
A corda enrija
Sem que finja rasgo
De total desilusão?
Quantas vidas visitarão a dor
E ainda assim não saberão
Da tosse que vem de tragar
Trovão e maresia?
Tragam uma garrafa de vinho,
Enrolem nos panos quentes
De velas das embarcações
Que se incendiaram à vista do cais
E libertemo-na à praia
Querendo que vá e, como os antigos,
Esperando apaziguar os espíritos,
Façamos na alma torção.