segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A Calma Dor

Quantos amores será que ainda tenho dentro de mim?
Sei que já gastei alguns, talvez cinco ou seis,
Mas não faço ideia de quantos mais virão
Ou, quiçá, quais voltarão outra vez.
Eu pergunto também porque sinto que os meus amores
Vinham de um lugar de escassez
E eu me derramava no chão
Sofrendo perdido numa insensatez de quem não conhece
A tez da própria pele.
A minha entrega era absoluta,
De um romantismo doente que se ausenta de si
Para buscar no outro sua lucidez -
Mas acho que não sou mais assim.
Quer esse amor seja mesmo bonito
Ou só o esforço perdido de me procurar
Num lugar onde no fim não resido
Eu honestamente não sei.
E agora que ele está estendido
Com as mãos invertidas
Declamando seu sentido meio narcisista
Aconchegado em mim,
Será que consigo de novo me desequilibrar
- Um pouco que seja, de um jeito bonito -
Sem dilacerar minha calma no atrito?
Eu quero amar um amor tão aflito
Quanto era belo sofrer -
Mas quero que o grito doa
Imerso na suavidade onde novo eu me encontrei.

domingo, 28 de janeiro de 2018

O Significante da Levitação

(Mystery of Love - Sufjan Stevens)

Você me levitou pra fora d'água
E eu saio reclinado no fino ar das tuas mãos
Escorrido de longos pingos a deixar meu corpo molhado
Sob o sol de um verão de Toscana.

E eu temo te perder -
Mas sem temor algum.
O meu apego é só um ponteiro no tempo
Rodando sabe lá se infinito
Ou até parar.

E eu não deixo a vida me roubar
Da beleza e do esquisito
Que me significam estar aqui
Seminu no teu calor
Agarrado a nada como se tudo fosse
Dentro das minhas mãos.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Baixa Por Inteiro

Vem, espírito -
Vem com a confusão de tesâo,
Amor e compaixão;
Com a rejeição, a fuga,
O trauma e aceitação;
Vem com dois homens,
Com três
Ou quanto quiseres
Na construção da minha mente.
Vem e baixa
Minha imunidade
À realidade fria do interesse.
Vem e desnuda meu passado
E meu futuro;
Vem e desgosta o meu sabor estático
E deixa só o indeixável,
O insaciável querer da verdade
E seu inexorável pender
Rumo a uma facilidade
Que me faça viver
Na naturalidade real de mim.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Brinco

Brinco de casulo
Dependurado num sorriso nem sempre falso
Mas raramente brincado -
Eu cabulo o intervalo
Entre meu e seus corpos
Pra ficar presente só o que falo
E deixo a intenção apagada na confusão.
A verdade é que enclausurado
Entre alegrias que são verdadeiras
Eu me permiti esquecer
Na metamorfose que me trata
Se sou borboleta ou lagarta.
Eu brinco tão esticado do lóbulo
Que não ouço o que me é sussurrado
Ou sequer o que é desejado na mente
Fingindo plenitude na felicidade opaca.

sábado, 6 de janeiro de 2018

Descolocado

Cê não consegue, né?
Se colocar no lugar de outra pessoa -
Se encaixar na vida em que você quer ficar.
Cê não consegue amar!

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Descrito

Pouco importa a linha,
A letra,
O sonho escondido na palavra,
A rima,
O ritmo,
A clave dando o tom,
A grafia,
A telepatia da cabeça à folha,

O espaço

Ou o entrave.

Pouco importa a estrutura,
Mas diante da ruptura
Eu já não sei o que ficou -
Já não entendo como foi que o poema se escreveu e
Como eu
Aqui chegou.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

As Águas do Nilo

(And Just Like That - Abel Korzeniowski)

Esteja calmo, meu amor,
Como as águas do Nilo.
Esteja num cortejo gracioso
Que desabrocha no mar
E, ainda que corram nas tuas entranhas
Monstros gigantes e o arrasto do tempo,
Lembra que a água é tua
Enquanto tua borda durar -
São tuas a vida e a correnteza
E sob o feitiço do teu encanto
É somente onde perdura
A beleza, apesar da feiura.
Esteja calmo, amor,
Que a tua calma é a própria transcendência,
A essência do meu vigor.