sábado, 18 de fevereiro de 2023

Soçobra

(Bon Iver & St. Vincent - Roslyn)

Meu amor se embola,
Encolhe e recolhe.
As ruas estão molhadas
Da chuva recém-lacrimejada,
Caída dos céus ‘inda gelada.
Meus pés tremem incertos
– É aqui que recomeço?
É aqui que me despeço
Dos outros caminhos
Que quiçá eu pudesse trilhar?
É aqui que termino, enfim,
Encurralado por mim?
Minhas escolhas desconexas
Não parecem me acertar.
Parece que me esqueço
E mal consigo me guardar.
As ruas verdejantes do verão
Salpicam minha memória inconcreta
– Povoam minha imaginação
Com seu odor de ocre
E de pólen
E de folhas úmidas de seiva
E do vento que vem distante,
Viajando desde o Camboja,
Carregando em si o calor da monção.
Mas aqui só sinto o sabor de cobre
Amolecendo-me
Adoecendo-me
Desfazendo minhas nobres mãos
Em galhos secos
Aplainados para a estéril reprodução.
Hoje eu queria a aurora,
A deusa primaveril Ostara
Florescendo do meu pão
Desabrochando nas minhas entranhas
E me colorindo
De dentro afora.
Queria ser quem um dia fui
E por isso hoje fui poeta;
Queria ser quem um dia creio que serei
E por isso sou profeta
Sabendo que navegarei
Os marasmos mais profundos
E inconclusos
E chegarei no destino que escolhi
Mesmo que de mim só sobre
O que soçobra
E se consegue levantar.