domingo, 27 de dezembro de 2020

A Resignação

Tentei fazer a mente superar
As barreiras todas no caminho
E alcançar, enfim,
Um seu lugar
No corpo inteiro
Em-si sozinho,
Mente-corpo encontrado
No desencontro em que a matéria
Se faz espírito
E some em paz no universo.
Mas
Não sei se
Não existe esse lugar
- Se viver é aceitar a limitação
Como um seu pequeno encontrar
Na imensidão inencontrável -,
Ou se, existindo, em buscar falhei
- E se falhei porque acelerei
Uma busca de muito mais tempo
Ou se simplesmente porque tentei.
A estrada hoje está tripartida perante meus pés,
Os ladrilhos trincados e empoeirados
Da via romana antiga
Por onde outros parecem ter passado.
Não sei se enganados eles me enganam
Ou se me engano de caminho
E em verdade estou noutro cruzamento
Muito mais distante, nalgum outro lugar.
A estrada está tripartida
E eu quero sentar
E chorar...
Mas a vida obriga a avançar
- Mesmo parado estou avançando -
Então devo caminhar.
Fecho os olhos e vou
Sem saber qual tripartição escolhi
- Sem sequer saber se escolhi -
E que a vida decida por onde trilhar.
Eu me resigno a não saber
E só deixar o tempo me trespassar.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Retorno ao tempo

Cada vez mais eu me retorno
Reduzido.
Me percebo tão pequeno,
Tão menor do que pequeno,
Tão frágil e torpe
Dobrando sob as monções
À beira do estalo,
Secretando ceras e sons
Sem ter controle
Sobre o corpo
E a história que sou.
Eu retorno ao tempo,
Senhorado e humildado
Sob a égide do seu poder.
Eu retorno ao mundo
E nele me apago:
Eis então meu aceder.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Narra e Te Vá

O que são palavras roubadas?
Parece que me enganei de princípio
Fingindo que me principiei
Que príncipe hei de me coroar
Quando chegar um tal fim
De uma tal jornada.
Mas hoje mesmo te amei
E não encontrei em mim qualquer rastro
Do amor que por ti cultivei.
Hoje mesmo estive em outro lugar,
Fui dois, três, dezesseis
Em histórias que me contei
De amor, de conquista,
De miséria e preguiça.
Hoje mesmo me narrei
Sem pé nem cabeça,
Sem dúvida, sem que em mim cresça
O perigo do fim,
Pois me narrei sem narrar:
Estive distante do que me chamo de mim,
Longe de roubar palavras alheias,
Pois alheio está Eu
- Ele que sumiu em massa,
Na pasta de onde nascEu.
O que, então, são palavras roubadas?
São palavras que têm sentido
Propósito
E fim
E Eu já não me encontro caminhando:
Virou a ampulheta e fez subir o tempo.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Todos os caminhos levam a Roma

Todos os caminhos
Parecem levar a Roma.
Mas eu sonho em chegar ao deserto
Onde não há muralhas
- Exceto as das dunas,
Que sobem e descem no tempo
Recriando o espaço a cada dia -,
Nem vozes em demasia
- Exceto as do vento,
Que sopram um cântico milenar
Em ode ao silêncio -,
Nem luzes que cegam
- Apenas as das estrelas
Que, ao contrário, guiam.
Para chegar ao deserto
É preciso seguir um anticaminho
Deixando que a vida flua
Para longe do centro
Até escoar nas beiradas do mundo
E de lá subir aos céus
Abstrata e desfeita,
E assim retornar a Roma:
Rarefeita em orvalho e chuva
A tempo para a colheita.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

O Caminho dos Céus

Cada vez que levanto
Meu espírito aos céus
Levito
Me encanto
Desprendo da terra
E me julgo encontrado.
Mas o que é o encontro?
É o fim do caminho,
O cessar do vento debaixo das asas,
O encarnar do desencarnado
Que da jornada retorna
Aterrado.
O Levante, pois,
É apenas um Estado
Como outros tantos
Que sobre essa terra
Têm governado.
Falta ao espírito
Livrar-se de si:
Do encantamento ao qual sucumbe
Quando se crê celestial.
Pois também o espírito
Nasce, floresce e fenece
Como tudo mais que é cultivado.
Também ele se desfaz
Para que novo possa se fazer,
E só na mudança
Encontra sua perenidade.
Eis, então, o que digo:
O Caminho dos Céus
Corre nas entranhas da Terra.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Guia

Eu sigo as luzes que me guiam
Pelos caminhos que elas me fiam
No puro ar da noite estrelada.
Suas linhas são tão finas
Que contra o fundo do escuro infinito
Sequer aparecem -
Quão translúcido é o seu tear!
Mas com os olhos dos pés eu as sinto
E caminho sobre o invisível do espaço.
Eu sou o andarilho noturno
Romando por entre o breu
Que preenche a imensidão dos céus.