quarta-feira, 25 de maio de 2022

Grito aos Trovões

Eu recuso esta prisão;
Recuso com todo o coração!
Esta não é minha canção,
Não é minha maldição,
Não é o preço, a caução
Que pagarei sem retorno
Esperando a inundação.
Minha é a monção,
Meus são os andares superiores
Mergulhados nos trovões,
As altas torres
Que reluzem em meio aos furacões,
Poderosas como alucinações,
Concretas como rebeliões
Banhadas no furor primal
Das libertações!
Meu é o amor
Divino e animal
Repleto de um ardor
Que explode sideral
Impulsionando-me às galáxias
Longe das estáticas
Cavernas do gutural;
Meu é o grito
Desaflito
Quebrantado
Mas alado
Da eterna criação
Da minha expansão,
Respiração,
Pacificação!
Eu sou a própria natureza da amorificação!

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Encantos Antigos

O tempo, ao que parece, tudo embate
Com seu movimento sinuoso.
Mas o confrontamento não se abate
Sobre mim como um oposto impetuoso
– Não.
Suas léguas se percorrem lentamente,
Suas águas escorrendo caudalosas,
Até que em mim fazendo-se o presente
Já se desmancharam as velhas prosas.
 
Chamo, com este encantamento,
A lembrança de amores passados
Com seus velhos cadafalsos,
Qual pontos cegos, a que me lancei
Levando os pés descalços.
Deles já mudou o meu entendimento:
Onde antes via amor,
Entrega e contento,
Hoje vejo uma sombra
Na qual se ocultava a dor
De lamúrias ancestrais.
Nada do belo ficou;
Restaram planícies desertas
Só por mudas de trauma recobertas
E um velho sabor agridoce
De comiseração.
O amor que outrora sonhei
Mostrou-se pesadelo
Arquitetado nas colunas obscuras
Do meu primitivo pensamento,
Atuado no palco das tuas loucuras
E do teu pertencer sem pertencimento.
O tempo me desnudou dos engodos velhos
E deixou o pus latente do machucado.
Mas, por isso, a ele sou grato.
É chegada a hora de reescrever minha história,
Fazê-la memória viva,
Cicatrizá-la em outro significado.
 
E assim usarei os encantos antigos
Para me compor por novas estradas
Que cantem dos velhos perigos
E das entradas erradas
Fazendo-me novos abrigos
Em vias mais bem desenhadas.

domingo, 15 de maio de 2022

O Tecido da Vida

O tecido da vida,
Se o tivesse que descrever,
Diria que parece que se faz
De um fio central de dores velhas.
Esse fio – ramoso de fibras avulsas
Que saltam como espinhos,
Espesso de tufos macios
Que se deformam ao toque –
Esse fio se precisa, antes de tudo, apaziguar.
É preciso amansar seus espinhos,
Transformá-los em vincos
De onde os nodos de novo tecido
Se poderão dependurar;
Há que se aparar seus ponteiros daninhos,
Fazê-los como hastes robustas
Por onde a força dos erros se alinha
Em esplendoroso penhoar.
É preciso abraçar os pedaços macios,
Acalmar seu tremor e os seus burburinhos
Fazendo da sua ternura um amor
Que se possa sustentar;
Há que os conhecer como velhos caminhos,
Saber seus cadafalsos e espaços sombrios
Pra fazer renascer de seus fios encolhidos
A malha que encherá o tear.
E, quando enfim feita a obra
De lento desemaranhar,
Há que se lembrar em cada retorno
Das voltas que o tecido dá;
É preciso um constante rememorar,
Um eterno conhecer-se
– Um reconhecer-se no costurar.
É preciso, ao olhar os emaranhados de fio
Descendo do cerne ajeitado,
Sabê-los fundados
Em dores e espinhos
E assim trançá-los numa alegria
Que talvez aparente melancolia,
Mas se saiba completa
Com suas fibras da cor do vinho
Aquecendo gentilmente
Os contornos do coração.