terça-feira, 26 de novembro de 2019

A Runa

(Nancy Sinatra - Bang Bang)

Perdi os escritos da razão
Nalguma runa
Mergulhada entre as dunas
Da minha estranha pulsão.
Algo me diz
Que o desterro de mim
É um caminho de perigos
Que talvez não tenha fim.
E se tiver...
Ah, se tiver!
Ai de mim,
Que me perderei em luas cíclicas
Até os pés firmar
Num sonho tão impossível
Que a realidade jamais poderia sonhar!
Ai de mim na loucura,
Que a sanidade hoje não é capaz de me uivar.
Ai de mim nos ventos esguios da vida
Que me trouxeram
A miragem deste errante oásis
Abalando a paisagem
Que me pintei.
Ai dos meus dias contados
Descendo a ampulheta
Na areia que sob os meus pés se desfez
Deixando nua a constelação
Debaixo do mundo
Forçando-me a um sono que não é meu;
Fazendo dormir o que se me viveu
Em nome de um estado escuro
Que se me converteu.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

RiTUal

(IZA - I put a spell on you)

Você
Me padece
De intoxicação fulminante -
De fumaça inebriante
Queimando a respiração.
Você
Me parece um Dalí Monetizado
Que floresce por todos os cantos
Dos meus sonhos tresloucados.
Você
Me apetece -
Tenho uma fome de ti
Que as multidões não saciariam;
Eu te devoraria
De boca cheia
Para aplanar o voo
Das mariposas me formigando no estômago
Com o afinco do fogo.
Você me aparece
Em visões na lareira
Dançando entre as labaredas,
Torrando-me em cinzas,
Queimando minhas mãos,
Cegando a minha visão.
Você me enlouquece tanto
Que grito num pranto de morte
À vida
Exigindo que ela comporte
O que em mim já não cabe -
Eu preciso que o mundo acabe
Se eu não te tiver por completo
Na cama, no quarto, na sala de estar
Para te olhar no fundo dos olhos
E ali ressuscitar.

domingo, 24 de novembro de 2019

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Cordel do Garimpo

Salve, salve, meu amigo!
Sou feliz por te encontrar!
Vem sentar-te aqui comigo
Que uma história eu vou contar.
Já conheces este conto,
Mas o sabes por um ponto
De visão bem singular.

Esta prosa é do garimpo
Lá nas matas da Amazônia.
Tens o teu coração limpo
Para ouvir de forma idônea
Da vida do garimpeiro,
Feito um eterno estrangeiro
Desde os tempos da colônia?

Talvez tenhas estranhado
Meu suposto romantismo,
E questionas: "tens lembrado
Todo o fogo e o racismo
Que o garimpo utilizou?
Será que se suavizou
Perante o capitalismo?"

Nada disso, te garanto!
Sei de todos os problemas
E dos índios todo o pranto,
Mas perceba que os esquemas
Do capital são complexos:
Os seus feitos e reflexos
São repletos de dilemas.

O que tu vês são queimadas
E homicídios sem piedade,
São terras desflorestadas
E rios sem vitalidade!
Vês a ganância que ataca
Com mercúrio, tocha e faca
Só por ouro; só vaidade.

Teu olhar é verdadeiro,
Nisso tudo tens razão.
Mas, mirando o quadro inteiro,
Verás a população
Numa condição precária,
Uma elite mercenária
E o Estado em omissão.

A cidade de Altamira,
Na fronteira do desmate,
É um exemplo dessa espira
Que deságua no combate
Entre índio e garimpeiro
E sem-terra e fazendeiro,
Não havendo lei que os trate.

Ali fica Belo Monte,
Bem na curva do Xingu,
Consumindo toda a fonte
Do rio, feito um urubu.
Deslocou já muita gente
Dessas águas dependente
Pois deixou seu leito nu.

Eram povos ribeirinhos
Ou pequenos fazendeiros
Que do rio eram vizinhos,
Tal qual os índios pesqueiros -
Gente tão apequenada
Frente à usina agigantada
Dos desmandos brasileiros.

Na cidade em despreparo
Para tanta multidão,
O problema fica claro:
Dobrou a população
Que na fome e na miséria,
Como a pesca é deletéria,
Sobrevive de sopão.

Buscando oportunidade,
Muitos recorrem à mata
Vendo em sua enormidade
Farto ouro e muita prata.
Mas a técnica empregada
Quase sempre tem queimada:
Curto prazo, mais barata.

São também estimulados
Pelos latifundiários
E empresários abastados
Nos atos incendiários -
Afinal, o fazendeiro
E o grande setor mineiro
São quem leva os lucros vários.

Nessa luta por vivência,
Olhos caem sobre a terra
Dos índios em florescência.
Com trator, corrente e serra
O conflito é preparado:
Onde outrora demarcado,
Hoje jaz sangrenta guerra.

Mas, que fique registrado,
Há quem tente a licitude:
Pedido protocolado
Por suas terras com virtude.
E no entanto esses processos,
Há já décadas ingressos,
Se esquecem na solitude.

Veja então, meu caro amigo,
Como é complexo esse tema!
Não se resolve o que digo
Com simples estratagema -
Só um projeto de país
Que remexa na raiz
De tudo quanto é edema.

Pois aqui nesta nação
Tudo é muito estrutural;
Toda a edificação
Do Brasil é desigual.
Quer no campo ou na cidade,
Toda a nossa sociedade
Sofre deste grande mal.

sábado, 16 de novembro de 2019

O Arremeter

Não preciso te avisar
Que estes versos são para você:
Sinto que daí onde está
Você já entendeu.
Por aqui
Tudo já aconteceu
Mesmo não tendo acontecido
Mas, você sabe,
Está esperando acontecer.
O tempo está só aguardando
O arremeter das nebulosas
Furiosas
A verter no espaço
Constelações inteiras
E com elas os planetas
Orbitando a mil maneiras
No ímpeto das prosas
Mais misteriosas
Que o silêncio e o vazio
Do infinito
Poderiam escrever.
Por aqui todo o universo
Está já se fazendo
Num grande rebuliço,
Esferando o movimento
Em que nos converteremos -
O cosmo é feito dessas colisões impossíveis
Pedindo para ocorrer.
Você bem sabe
E ainda vai saber...

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Envergadura

Me desculpa, mas preciso te dizer
Que não vou ser
Outro ser nesse teu jogo
De se perder,
De envergar
O tecido vernacular
Da minha essência irregular
Pelo teu bel prazer
De fazer
Desencontrar o mundo inteiro
Na tua estrada
Contigo perdida
Só pra te encontrar.
Você vai ter que perdoar
A minha aflita intolerância
Com o intolerável
De me machucar
– Ter que perdoar
Se te machuco
Tentando esse caminho evitar.
Você vai ter que me escutar,
Que desse jeito não tem jeito,
Eu vou ter que te deixar.
Pode ser que eu não conheça
O jeito certo de lidar as coisas –
Pode ser que jeito certo
Nem se possa afirmar –
Mas assim como está posto,
Desse jeito não vai dar.
Pode ser que eu seja cego
E tentando tatear
Eu esteja caminhando
Um caminho igualmente irregular,
Mas garanto que a cegueira do meu mundo
Não rodeia torta à toa
Desse jeito que te dói.
Te garanto, o jeito que se me doa
Dói bastante,
Mas, diverso de você, não se destrói.
Se quiser dar uma volta
Eu rodopio aqui contigo,
Mas deixa, então,
Meu passo torto te guiar
Só um instante
Que eu te levo numa dança
Mais gostosa de dançar –
E se não quiser não tem problema:
Passe bem,
Desejo que você se encontre
E possa um dia
Chamar alguém pra um movimento
Que balança mais gostoso
Sem pisar em tanto calo
Nesse embalo de rodar,
Que é bonito, te garanto,
E tão bom de admirar
Nem que seja aqui de longe
Sem te atrapalhar.

domingo, 10 de novembro de 2019

Sua

(Juan Serrano - Gorrion)

Meu corpo escolheu se escaldar
Pelo teu.
E eu?
Eu renego o controle;
Permito que tomes o meu calor,
Que te aqueças no fervor dos meus braços -
Deixo que os laços se ajeitem
Naturalmente
Nos leitos que escolham deitar;
Deixo que a seiva me escorra
Contando da luz a me alimentar.
Deixo que a pele se queime,
O nervo incendeie,
A musculatura derreta
E os ossos tremam,
Que quando minh'alma sua
Desnuda
Ela inunda os canais
Pelos quais me navego.
Eu me permito desgovernar
Pela Revolução que me reformo;
Eu me democratizo contigo
Pois o teu domínio
É tentador demais
Para não me devassar
À utopia.
E agora -
Que fazes, então,
Com a excessiva entrega
Que meus lábios escorregam sobre ti?