Salve, salve, meu amigo!
Sou feliz por te encontrar!
Vem sentar-te aqui comigo
Que uma história eu vou contar.
Já conheces este conto,
Mas o sabes por um ponto
De visão bem singular.
Esta prosa é do garimpo
Lá nas matas da Amazônia.
Tens o teu coração limpo
Para ouvir de forma idônea
Da vida do garimpeiro,
Feito um eterno estrangeiro
Desde os tempos da colônia?
Talvez tenhas estranhado
Meu suposto romantismo,
E questionas: "tens lembrado
Todo o fogo e o racismo
Que o garimpo utilizou?
Será que se suavizou
Perante o capitalismo?"
Nada disso, te garanto!
Sei de todos os problemas
E dos índios todo o pranto,
Mas perceba que os esquemas
Do capital são complexos:
Os seus feitos e reflexos
São repletos de dilemas.
O que tu vês são queimadas
E homicídios sem piedade,
São terras desflorestadas
E rios sem vitalidade!
Vês a ganância que ataca
Com mercúrio, tocha e faca
Só por ouro; só vaidade.
Teu olhar é verdadeiro,
Nisso tudo tens razão.
Mas, mirando o quadro inteiro,
Verás a população
Numa condição precária,
Uma elite mercenária
E o Estado em omissão.
A cidade de Altamira,
Na fronteira do desmate,
É um exemplo dessa espira
Que deságua no combate
Entre índio e garimpeiro
E sem-terra e fazendeiro,
Não havendo lei que os trate.
Ali fica Belo Monte,
Bem na curva do Xingu,
Consumindo toda a fonte
Do rio, feito um urubu.
Deslocou já muita gente
Dessas águas dependente
Pois deixou seu leito nu.
Eram povos ribeirinhos
Ou pequenos fazendeiros
Que do rio eram vizinhos,
Tal qual os índios pesqueiros -
Gente tão apequenada
Frente à usina agigantada
Dos desmandos brasileiros.
Na cidade em despreparo
Para tanta multidão,
O problema fica claro:
Dobrou a população
Que na fome e na miséria,
Como a pesca é deletéria,
Sobrevive de sopão.
Buscando oportunidade,
Muitos recorrem à mata
Vendo em sua enormidade
Farto ouro e muita prata.
Mas a técnica empregada
Quase sempre tem queimada:
Curto prazo, mais barata.
São também estimulados
Pelos latifundiários
E empresários abastados
Nos atos incendiários -
Afinal, o fazendeiro
E o grande setor mineiro
São quem leva os lucros vários.
Nessa luta por vivência,
Olhos caem sobre a terra
Dos índios em florescência.
Com trator, corrente e serra
O conflito é preparado:
Onde outrora demarcado,
Hoje jaz sangrenta guerra.
Mas, que fique registrado,
Há quem tente a licitude:
Pedido protocolado
Por suas terras com virtude.
E no entanto esses processos,
Há já décadas ingressos,
Se esquecem na solitude.
Veja então, meu caro amigo,
Como é complexo esse tema!
Não se resolve o que digo
Com simples estratagema -
Só um projeto de país
Que remexa na raiz
De tudo quanto é edema.
Pois aqui nesta nação
Tudo é muito estrutural;
Toda a edificação
Do Brasil é desigual.
Quer no campo ou na cidade,
Toda a nossa sociedade
Sofre deste grande mal.
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