quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Se Isso For Tudo

De que serve
O verso de amor
Se versado sozinho
Amado em pergaminho
No arrasto das ondas
Engarrafado
E enviado ao desconhecido?
De que me vale
O silêncio da carta de amor
Que sequer à dor
Dos amores mortos
Se encaminhou?
Eu desconheço a fonte
De tanta vida,
Tanta alma minha
Embrulhada num corpo de simples caneta
Que vaza, e vaza, e vaza
Ensopando as folhas,
Fazendo-as o próprio mar
Azul de letras
Endereçado às encostas de todo o mundo.
Vale-me tanto o rio
Que cavo entre os montes
Fluindo em furor
De águas profusas
Brilhando a me constelar?
Vale-me... Vale-me fundo!
Vale-me até o núcleo duro
Que perfuro, atravesso,
Arrebento, oblitero
E reúno
A cada verso,
Cada universo que lampejo de amor!
Vale-me qualquer amor,
Todo amor que me queira tragar
E apagar.
Apago-me como as estrelas
Que brilharam por uma eternidade
Na escuridão vazia;
E se isso for tudo,
Isso basta.

sábado, 26 de outubro de 2019

Ágora

Agora
Sou carmim.
Agora, apenas.
Pois sou ágora de Atenas –
Eu me encontro
E desencontro
Transcorrido de gentes
Carcomido de tempos
A me agorar.
Agora escorro do agouro vermelho
Que o oráculo derramou
A me profetizar
Tingindo os degraus do grosso caldo
A me banhar;
E saio remido
De mim.

domingo, 20 de outubro de 2019

Desalmado

Que beleza é essa que enxergam em mim?
Eu sei o que é...
Eu entendo o belo que exalo;
Conheço o cheiro das emoções
Que abalo.
Sei perfeitamente o labirinto
Que falo
E as minhas monções.
Eu sei o que sou,
Sei o que controlo,
Sei o que calo
E os montantes que rasgo
No meu ser
Para verter os sonhos do mundo
Em estalo sísmico.
Mas a beleza não se me é
De puro bom grado.
Queres me saber de fato?
Eu sou a lírica unção do vazio;
Sou a montanha sem topo nem fim
Que escalo em busca de mim;
Sou peixe e nado
E em nada comprazo meu seio
Além da desova
Do que foi almado.
Eu sou o pranto galopante
Arrastando no vento
Em tamanho silêncio
Que o meu desalento
Será sempre calado
Pelos redemoinhos que o próprio sopro
Rodopia em seu traço;
Eu sou a frieza
Do poeta
Que no estado mais efervescente
Amou
Sem ser amado.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Corpo Alado

(Troye Sivan - Lucky Strike)

Eu não sei explicar o que li nos teus movimentos.
Parece que vi tua visão
Num relance do pulso batendo em ti.
Parece que me enxerguei através de ti.
Quando flagrei teus olhos caindo em mim,
Me senti por um instante alado -
Almado de corpo inteiro,
Encarnado finalmente em mim;
Parece que me reconheci.
Quando encontrei teus olhos fugindo dos meus,
Me vi no teu escorrego
Tão típico de mim.
Parece que alguém me entendeu, enfim.
Quando te vi dançar
Entre o corpo solto que se lança
E o receio do que balança
Entre os olhos do salão,
Parece que me entendi.
Confesso que por um instante te amei.
Confesso que até me soltei por um mundo inconcreto
Onde as almas aladas se pertencem
Silenciosas e independentes.
Confesso que me encantei
Por essa fusão de nós
Que só se passou em pensamento -
Que se passou pelo imenso cosmo do pensamento.