sexta-feira, 20 de maio de 2022

Encantos Antigos

O tempo, ao que parece, tudo embate
Com seu movimento sinuoso.
Mas o confrontamento não se abate
Sobre mim como um oposto impetuoso
– Não.
Suas léguas se percorrem lentamente,
Suas águas escorrendo caudalosas,
Até que em mim fazendo-se o presente
Já se desmancharam as velhas prosas.
 
Chamo, com este encantamento,
A lembrança de amores passados
Com seus velhos cadafalsos,
Qual pontos cegos, a que me lancei
Levando os pés descalços.
Deles já mudou o meu entendimento:
Onde antes via amor,
Entrega e contento,
Hoje vejo uma sombra
Na qual se ocultava a dor
De lamúrias ancestrais.
Nada do belo ficou;
Restaram planícies desertas
Só por mudas de trauma recobertas
E um velho sabor agridoce
De comiseração.
O amor que outrora sonhei
Mostrou-se pesadelo
Arquitetado nas colunas obscuras
Do meu primitivo pensamento,
Atuado no palco das tuas loucuras
E do teu pertencer sem pertencimento.
O tempo me desnudou dos engodos velhos
E deixou o pus latente do machucado.
Mas, por isso, a ele sou grato.
É chegada a hora de reescrever minha história,
Fazê-la memória viva,
Cicatrizá-la em outro significado.
 
E assim usarei os encantos antigos
Para me compor por novas estradas
Que cantem dos velhos perigos
E das entradas erradas
Fazendo-me novos abrigos
Em vias mais bem desenhadas.

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