domingo, 17 de setembro de 2023

Cata-vento

 Onde você está, meu amor? Procurei você debaixo do lençol, debaixo do meu nariz, dentro do chafariz dançando com as águas; procurei o teu sinal brilhando no céu feito chamariz, rivalizando com as estrelas, querendo irromper pela minha porta e iluminar meu coração… Mas acho que foi tudo uma ilusão – ou não. Foi tudo cor e pensamento, foi magia e foi contento, foi o meu entranhado estranhamento estabanando ao léu no vento e encontrando no relento o teu ligamento – a calefação do teu olhar desencontrado que cruzou meus olhos pardos e caiu feito escarcéu no carrossel do meu lamento.
        Ouvi a voz da tua mente ecoando por aí – eu a escutei andando a esmo, procurando a minha alma esvoaçada, esticada pelo espaço, desejando o meu sustento – e nesse instante eu fui teu cata-vento, te fisguei numa tarde ensolarada e capturei teu movimento; e você passou por mim como um pulso, um alimento, como um arrebatamento, como a fina poesia que escorregou por um momento entre meus dedos e jorrou desajuizada por entre o filamento das fissuras avassaladas da minha vida, que já se fazia escancarada pro teu bote enfurecido de paixão e esquecimento.
        Eu sou desses que se entrega pelos olhos – que devora a tua boca com a mente enquanto mira alegremente as cores vivas dos teus lábios. Mas tu me és Medusa, um fito teu e eu me enclausuro petrificado na lonjura de um temor de te amar. A paixão é, para mim, assim: uma queimação corroendo o coração, uma labareda a fazer das minhas entranhas uma fornalha que esfumaça silenciosa como uma dúvida a fervilhar no calor da minha memória – serei eu um seu amor ou só vapor no seu olhar?
        Eu me perco em ti – e que deliciosa perdição. A sombra da explosão de mim se-me engrandece; aqui nessa emoção eu me ressignifico, eu perco quem sou para me recriar de novo à imagem de um sol que jorra da minha pele como ouro em ebulição. Não sei teu nome, não sei se te verei outra vez, quem sabe se sequer saciarei tua fome, mas a minha insensatez me basta – basta-me o vislumbre da tua doce tez para a minha estupidez fazer-se alada, embriagada, e eu querer-te novamente, como não tive nenhuma vez.
        Ouve, então, daí o meu feitiço – o meu encanto lançado à terra como incenso e farol te procurando pelo cheiro e pela cor a cada esquina: sê para mim uma fervilha, um caldo grosso que reaviva; vem curtir no meu cangote o lote dessa nossa sorte – vem comigo ser Dom Quixote e caçar moinhos, arrancar espinhos, dançar um xote, formar quadrilha e meter no malote os descaminhos que roubarmos da vida enquanto houver vontade, poesia e encanto nas nossas horas, tão poucas e vadias.