terça-feira, 16 de julho de 2024

Turvez da Mente

De onde olho o mundo,
Tudo às vezes parece turvo.
Esqueço quem sou - quem é a minha versão
Pujante e itinerante -
E fico na perdição de um outro Eu
Mais errante,
Menos enfático,
Mais estático e fatídico,
Um Eu quase mitológico
Que se sente fadado por feitiços antigos
Falados por deuses invisíveis,
Esquecido daquelas coisas mais humanas,
Da liberdade, da dignidade e da capacidade.

De repente sou só vícios,
Sou os resquícios do que sou,
Sou o que não sou -
O que deixei de ser quando me desencontrei
E no desencontro me recriei
Numa versão espelhada,
Disforme e contorcida;
Uma versão que não se recorda da sua vida,
Que se esquece da poesia
E mergulha em letras cansadas,
Num falar pela fala
Que jaz mecânica contra os lábios
E escapa num quase último suspiro.

Quero perguntar-me quem sou,
Sinto que devo questionar-me de novo -
Mas não porque agora me perdi,
E sim porque me roubaram.
Parece que o mundo me arrancou algo de coração,
Que me desejou caído na contramão,
Que me desdesejou
Até eu cair em degredo
Sem vontade nem potência.
Parece que meu livre pensar foi envolto
Pelas trevas de turvações alheias -
Parece que como abelhas eles me enxamam,
Me enchem de óleo e inflamam,
Para não restar no meu peito força para falar.
Uns me roubam as ganas por cima,
Outros me passam a rasteira
E alguns ainda se infiltram por dentro
E tentam de lá me carcomer vivo,
Feito parasitas que se declararam cheios de amor.

Meu corpo se inflama da peste obscura da desconvicção,
Carregada das várias fissuras
Que atentam contra a minha razão.

Quero crer haver saída,
Quero pensar no caminho que me livre,
Mas ele ainda está encoberto.
Por hora, resta-me o amortecimento
E a esperança de um amanhã incerto.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Desencanto

O espirito da minha sombra se enche e se espaça na noite deserta do meu esquecimento.
A luz da candeia se incendeia tão pouco -
É quase nada envolta na grossa penumbra
Da fuligem que ela mesma exalou.
E eu não entendo...
Não entendo como retorno
A esse desencontro
Que me é tão encontrado.
Eu não me entendo...
Eu sou todo um universo de gavetas
Guardadas no guarda-roupa do espaço
Desarrumado em caos desachado.
Eu sou alguma coisa que o cadafalso ainda não revelou.
E nessas horas em que me deparo
Despido perante a lua,
Descoberto de mim,
Revelado, enfim...
Nessas horas me sinto tão Eu
Que quase queria não ser.
Queria outras coisas mais,
Mas meu antigo descompasso ainda me atina,
Ainda afina nas minhas palavras o descontínuo diverso de mim.
E eu, endividado de vida,
Me perco retornado
De uma perdição sem caminho,
Rodando em falso
Feito um redemoinho.
Mas algo no meu giro se-me remove...
Algo se locomove
E comove uma nota em declive.
Ouve, melancolia velha,
O canto que te canto
Com essa voz;
Essa voz que é minha
Ainda que nascida da tua -
Mas que da tua raíz suspendo e elevo.
Ouve que com essa voz manifesto
Um som que vaza do meu profundo
Dizendo do alento -
Dizendo que o sono não é mais que um pensar desatento,
Uma hipnose obscura que se-me enfeitiça quando se ancora no meu pensamento.
Contra tua fúria eu sou pensares distintos -
Eu sou dos fluxos contrários
Pupilo e rebento.
E de tanto ouvir teu sussurro
Cantado no escuro do apartamento
Eu já te aprendi as passagens
E despertei do teu encantamento.