quarta-feira, 19 de agosto de 2020

As Marés

O que mais estranho
Em mim
É a dicotomia trêmula
De vazio e cheia das estações.
Quando a lua enche
E puxa meu tudo rente à pele
Enérgico e transbordante
Encharcado de palavras onduladas
A espumar por sobre a terra,
Tudo que desejo é o silêncio
Onde quede o meu verdadeiro estado.
E quando, então, a lua míngua
E desaparece
Deixando-me pequeno,
Contrito e vago,
Esgueirando restrito
Na imensidão de mim
Sem ousar verter um único som
Nas encostas desertas...
Eis que sobe nas entranhas
O anseio gutural do grito,
Demandando que eu me seja
Em toda minha natureza envozeirada
A fluir por sobre as margens do rito.
Eu sou a voz que se cala
E o silêncio que replica -

Inspira

E expira.

sábado, 1 de agosto de 2020

A Fenda

O mundo inteiro escorre
Numa lágrima de sangue
Desde a mata ciliar dos meus cabelos
E embaça o terceiro olho
Em minha testa
Dividindo-me em narinas
Bocas
Seios
Um átrio esquerdo
E um vazio direito
Perfeitamente desequilibrado
Em corpo.

Respiro.

O mundo escorre sobre o ventre
E cinde o sexo
E cinde ao meio
Descendo as coxas
Os joelhos
Até a planta dos meus pés.

O mundo inteiro veio
Até meus pés
Me levantar
Sondar
Beber
E conceder meu ar;
O mundo veio levitar
Ao meu alcance
Pra quem sabe desfazer exangue
O meu fender.

Eis a minha oferta,
O meu dizer,
O meu fazer.
Que seja sacrifício digno
Do aceder.