sexta-feira, 24 de junho de 2022

Limiar

Parece haver um limite muito tênue
Entre libertar-se do ódio
E tornar-se uma pessoa odiosa.
É preciso – é inegável – soltar a fúria
E não a deixar intoxicar.
Mas a raiva traz em sua passagem
Um rastro de destruição e violência,
De ideias absolutas
Que desejam totalizar a complexidade da vida
Numa simplicidade obtusa e odiosa.
Eis aí o perigo,
O limiar invisível e errante
Entre livrar-se da opressão
E tornar-se tal qual o opressor.
Há situações – e pessoas – odiosas,
Que oprimem e fazem despertar a necessidade de autoproteção;
E, frente a elas,
É imperativo ter ódio:
Frente a elas, odiar é a resposta apropriada.
Mas o ódio precisa ter direção,
Ter vazão concreta
E a intensidade de uma libertação.
É preciso que a raiva corra
E escorra
E saia,
Mas que não fiquem os resquícios
De uma convicção odiosa;
Que não restem os sedimentos
De uma noção enganosa
Que imagina ser todo o mundo
Feito de instâncias e gentes leprosas.
A raiva deve ser o sentimento
Que arranca o tampão da dor
E deixa restar, fluido e pleno,
O líquido do amor
Que corre nas minhas veias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário