sexta-feira, 22 de julho de 2011

Problema da fé milagrosa

Escrevo este post sob o pretexto de desenvolver um argumento contra a noção de um Deus que se manifesta por intermédio da fé miraculosa. Não sou, nem de longe, um especialista em raciocínio lógico, nem muito menos um grande entendido dos assuntos referentes à teologia. Por isso, é alta a possibilidade de que meu raciocínio apresente vícios de construção ou erros estruturais, além de partir de noções razoavelmente simplistas de "fé" e "milagre". Respostas e contra-argumentos serão muito bem vindos, até porque tenho interesse em compreender o funcionamento do mecanismo da fé miraculosa.
Vamos, primeiramente, às definições a serem empregadas. Entendo fé como "a crença que intransigentemente não se baseia em provas ou evidências". Talvez seja uma definição conservadora por instituir uma inflexibilidade à razão, mas compreendo que o exercício da fé abrange campos inalcançáveis para a "mera" razão humana e seus mecanismos de dedução. É, portanto, pura: completamente livre de nexos causais racionalizantes.
Um milagre, por sua vez, é um evento atribuído à intervenção divina. Há duas concepções fundamentais de milagres: aqueles de procedência puramente sobrenatural, que representam uma quebra no sincronismo das leis naturais, e ainda os de procedência natural, cuja forma ou probabilidade os faz parecer sobrenaturais. Contudo, ambas presumem uma intervenção divina no processo, e esta é a característica fundamental sobre a qual desenvolverei meu raciocínio.
Segundo os preceitos da fé milagrosa, milagres são alcançáveis através de um exercício de fé: esta cria para o divino um acesso ao plano material, permitindo sua manifestação. O exercício milagroso que não é oriundo da fé não está, portanto, inserido nesta questão: um milagre ocorre se, e somente se, houver fé. O milagre é, segundo o conceito da fé milagrosa, uma consequência da atuação desta fé.
Ora, se os milagres ocorrem enquanto consequência direta da atuação da fé, eles evidenciam ou provam esta. Se há provas ou evidências de uma determinada proposição, esta pode ser racionalizada e, por conseguinte, falseada. A fé, entretanto, requer a inexistência de provas ou evidências para existir; chegamos, então, a uma redução ao absurdo: a fé não é fé.
Podemos estruturar este raciocínio da seguinte forma:
Se temos (1) fé e (2) milagre, podemos propor:
I. (2) existe e é observável;
II. (2) acontece se, e somente se, (1) for contemplado;
III. (2) então é prova ou evidência da possibilidade factível de (1);
IV. (1) requer ausência de evidências ou provas. Se temos como embasá-la racionalmente, a fé pode ser falseada e, portanto, não é fé - reductio ad absurdum.
A forma reduzida propõe que se afirmamos crer em algo sem evidências ou provas (ter fé), a existência de uma evidência ou prova (o milagre) do objeto da crença desvalida a afirmação. A única forma de ter fé é que não exista possibilidade alguma de racionalização, caso contrário a fé perde seu conteúdo existencial: não precisamos crer, pois sabemos.
Lembro, mais uma vez, que não sou um perito neste assunto, então estou apenas construindo uma proposta que, para mim, fez sentido. Quem tiver alguma crítica ou quiser acrescentar alguma coisa, sinta-se livre para comentar.

Adendo, redigido em 31 de Agosto de 2011:
Gostaria de fazer uma correção ao argumento, pois notei um erro de raciocínio após cautelosa observação.
A fé requer independência de provas para funcionar em relação a um determinado objeto - no caso, o Deus dos milagres. Isso significa que quando há milagres, eles não são prova da fé em si - antes, do objeto da fé. Assim, a existência de milagres obtidos por intermédio da fé não desconfiguram a fé em si, mas sim sua ligação com o objeto. De qualquer forma, se rui a conexão com o objeto, a fé fica descaracterizada. Não retiro, portanto, o argumento - apenas proponho uma correção nos moldes do penúltimo parágrafo do texto, onde esta configuração fica mais patente.

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