domingo, 19 de outubro de 2014

Não

Será assim?
Não...
É tão estúpido pensar que será
Quanto negar
Ou escrever no infinitivo
E questionar.
Não quero... Não quero... Não será.
Mas também não sei o que virá.
Resposta óbvia, não é mesmo?

sábado, 18 de outubro de 2014

Deus e tolo

Sou trino
Em todas as vidas que fui por aí
Tanto que entendo Deus,
Este que mora no Ocidente
E renego.
Entender, entendo. Nem sempre entendi.
Das minhas muitas trindades,
Porque somos dialéticos
E dialético é tudo
E mudamos conforme as lambanças que se nos propõem,
Hoje sou perdão, ódio e paixão.
A paixão sempre esteve lá
Sou um apaixonado inegável;
O ódio, muitas vezes;
Mas o perdão é novo.
O tipo de perdão, porém, varia com o tempo -
Dependendo da trindade é muito diferente
E dependendo do perdão também.
Há perdões que vêm com dores imensuráveis
E cuja aceitação não chega em si sem muita lamentação.
Sou viúva, mas não sei de que
Ou por que
Nem por onde ou por como.
A dor não se pode saber.
Mas perdoo
E isso é o mais belo:
Perdão vem de perda e de doer
E no entanto é novo
Engole o tolo
E resgata o que de mim restou de voo.
Volto a ser deus e, quiçá, um deus mais pleno
Ou talvez não.
Plenitude não é dos deuses
Nem muito menos dos humanos
Mas as vezes se faz.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Ontem, tomando uma cerveja, cruzei com um udenista.
O espectro em branco e preto,
Sem cor por nunca ter saído da década de sessenta,
Assutou por um segundo.
Mas logo o bichinho grasnou
E acuadinho como estava percebi que mais se doía.
Pintei nele um pouco de cor
E logo voltou pro seu ninho
Onde provavelmente desbotou novamente,
Mas que importa? Por um instante
Ele quase ficou vermelhinho.

Homem de lixo

Passei uma semana na escuridão.
Quando voltei, esperava-me uma pena
A ser cumprida
Sobre o lixão que me propus aqui.
Passou ao largo da minha cabeça
Feito bisturi
E arranhou como agulha no disco -
Aquele silêncio de quem vem a dizer.
Porém... Nada.
Se eu carcomi as bagaças
Do caqui que me deu a natureza por mente
Espreitando urubu nas minhas cordas,
Tocando até a harpa rasgar no intestino
E vazar as tripas sobre meus próprios empecilhos...
Se, se, se...
Se a língua cuspi,
Galgo a guerra
Engulo terra e repito o ciclo
Que tanto já vi:
Broto carne nova e ressuscito
Homem de lixo
Homem de menos caqui.

Removido

Não se deixe enganar pelos falsos poetas.
Eles te dirão qual forma de amar é melhor;
Que há formas corretas e equivocadas.
Alguns chegarão ao absurdo de dizer que não há formas
Ou que são todas iguais...
Mentira.
Se não houvessem formas
E se não fossem múltiplas
Não seria amor.
O amor é pouco democrático ao se impor,
Mas a liberdade que exime seu impulso
Permite que desse grosseiro brotar
Venha algo ainda melhor,
Que nesses tempos não ouso nominar -
Ou simplesmente chamo "amor".
Amor segundo, talvez.
E quando vem, enfim, o amor terceiro,
Que uns preferem não gostar,
Já não há muito para se falar,
Mas ainda é amor.
Amor, enfim, esse ato político apolítico;
Partidário, partido e apartado;
Puído e perturbado.
Quem me dera viver mais um amor
E não vivê-lo nunca mais,
Pois amor não se vive -
Amor se contorce e remove.

domingo, 5 de outubro de 2014

Melhor

Melhor estar semi-consciência
Melhor semear a discórdia e a inexatidão
Ser inconciso
Bêbado
Drogado
Apaixonado
Apagado
Melhor ser um fado por tocar
Melhor ser invento por inventar
Melhor não casar
Melhor ser poema
Melhor desmerecer.

Edifício que fico

Ai, a tristeza do samba
Ai, a dor do serafim
Ai, o sofrer de ser assim
Ai do mundo girar
E girar na cerveja
E gingar no existir
E me embebedar de vida
E saber que vivo
E viver que sigo
E seguir consigo
E conseguir sublimar
Mesmo que por um instante
Da mesmice de instantear
E rasgar o véu que me virgineia
E virginar maculada
Sobre as mazelas da fria tempestade
Que me bate na praia
Mas não abate a festa
Que me povoa nas noites
Que pude com a minha presença edificar.

sábado, 4 de outubro de 2014

Arrebentação

Estou inflado ao ponto de cuspir no mundo o mundo
Enojado de ódio, possesso de desremorso
Procurando um canal que me esvaeça
E desmereça de vez o que no mundo vi
E esmigalhe tudo que vivi
Para virar pó de destruição
Varrer a terra com minhas ondas
Comer o pó que fui e que sou
E desaparecer dentro de mim.
Somente aí caibo, enfim.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Há muito mais beleza em visitar uma biblioteca
Que baixar livros na internet.
Lá, no memorial do escrito,
Os mortos falam
Sentados ombro a ombro na imensidão das prateleiras
Que tomaram o lugar das paredes;
Mas só falam se a eles levar minha mente
Para que a possam devorar
E devorando-a ressuscitar
Nas cheias de mim.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Café anoitecido

Aprumo a mira
No bilhar
Mas não cai
O milharal é espesso
Há milhares de tocas
Em que filtrar
O expresso é sem gosto
Está frio
Não quer mais trilho
Nem mais brilho no luar
Lavei os pratos de louça branca
Detergi as mãos
Pilatos acende um cigarro no fogão
E vai dormir.

Ser feio

Amo ver o que me dizem belo
Aqui em mim ou em outro lugar.
Claro que é gratificante.
Mas também aprecio ser feio;
Ser aquilo que sinto feio.
Descabelado
Deslaquezado
Sem leque para esconder o fedor
Nem os bigodes inaparados.
Vez ou outra é bom ser feio
E outras mais é ser bonito
Então vezeio nos prumos
E deixo que vaze no mundo.