segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Luália

Lua que circunda
Caindo
Em novas fases
Redunda
É profunda?
Cai eterna
Sem tocar
Mas puxa o mar
E marca
Mascarada
O firmamento.
Lua afunda
Mas na Terra é só luar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Incompleto

Olha só, amor:
Eles não sabem!
Olha, amor!
Eles não batem

Bem

No vidro

Olha amor
O quanto
Olha amor
O quanto olha
Amor
Amor?
O quanto, amor?
Quanto, amor?
É para olhar quanto, amor?
Quanto amor é para olhar, amor?

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Credo!

Eu não
Credo!
Eu?
Credo!
A crência é demais
Eu sou um credo a menos
Que o "credo!"
Eu creio
Eu credelojero
Eu cheiro de um cheiro
Chereio
Eu desconheço o floreio
Eu - credo! - conheço tão pouco, demais,
O que cri.

domingo, 23 de outubro de 2016

231016

Você é uma fuga
Mas se ele claramente também era
Fugir da fuga
Eu te perdoo.

sábado, 22 de outubro de 2016

Versinho Suficiente

A mim me basta
Um fumo frugal
Com a vista do céu

E um pequeno toque na ponta do espinho,
Que doer de leve é vital.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Frondo

Num dia longe no passado
Um anjo fitava a Terra
Cansado do Céu.
Olhava e invejava a mortalidade das coisas lá;
Desejava um amor mortal.
Desceu
E decidiu plantar uma pequena muda
No quintal da minha casa.
Era tão formosa e cheia de vida...
Robusta e verde.
Ele a amou assim como era
E regou de amor por muitos anos.
E foi crescendo a árvore frondosa
Até que frondou demais -
Os galhos geraram tripas expostas
E frutos secos junto aos vivos;
As cores já não eram as mesmas,
O tronco entortou arranhando o telhado
Que rangia nos ventos noturnos
Um som de assombração.
Mesmo assim por um longo tempo ele ficou
Regando um fantasma que cada vez mais consumia
Até que o anjo, seco, secou.
Mas as asas murchas já não podiam levá-lo ao paraíso.
Despiu-se delas, que sou, e foi romar à procura
De algum outro Céu feito de terra.
Não sei se o encontrou.
A casa segue gemendo
Debaixo das asas mortas
Que saem da copa da árvore
Batendo raramente,
Apenas quando o vento passa por suas tiras.
Morta por dentro de esperança
Ela parou.
Mas olhando aqui de frente pela varanda
Até que gosto de como ela ficou.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Adulto-Era

Malograda a gente segue
Já que tem que seguir.
E a vida, o que faz?
Judia.
Apaga as pessoas
E tenta arrancar junto
A lembrança conforme passa.
Mas a gente agarra nela
E agarra na gente que ainda tá;
Agarra na corda de mão em mão
Enquanto ela desce
Embolando no fundo.
A gente adultera o caminho
Conforme escorrega
E espera
                              Mas sem esperar.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Aquiesce

(Death with Dignity - Sufjan Stevens)

Chego, entro
E tiro a roupa -
Ela já não me aquece
E o calor que faz ainda assim é demais.
Ela não me aquece mais
Enquanto a lua exala um sol na pele nua...
Mas ela não me aquece mais.
Gira a Terra encolhida na curva azul
Escondida de tudo no horizonte
Debaixo do cobertor de estrelas
Sentindo o calor subir do outro lado do mundo
Enchendo o ar de umidade
Que sai do fundo
Mas ela não me aquece.
Ela não me aquece mais...
Adormece.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Avarandado

Você não viu o caos em que ficou a varanda?
Ela está manchada e suja
Coberta das chagas da noite passada
                                          Terra queimada
E o sol que bate expõe as mazelas
De uma casa nova com ar antigo.

A chuva passou por ela querendo lavar
Mas a sujeira ficou escorrida
Assombrada no parapeito
Como se as relíquias ali guardadas
Tivessem grudado na casca
E ela agora parece mais selva
Do que cimentada.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Vida

Trato:
Trabalho o resto da vida
De vida
Se a vida me viver
Dos restos da vida
E nela vir
O universo completo,
Pois não quero morrer
E o trato é injusto como se pôs -
Então preciso traí-la, vida;
Eu preciso viver
Nem que vida não seja vida
Eu preciso sobreviver
Eu preciso
Eu.

sábado, 8 de outubro de 2016

Estrela Cadente

(Prélude, Karl Friedrich Abel - Jordi Savall)

Eu me delicio em ti
Em mim
Ni você ni mim
Mesmo na tua ausência
Mesmo ela é deliciosa
Mesmo ela me compraz
Mesmo ela satisfaz meu anseio de ti
E te remorso
Mesmo ela te verso
Mesmo rasante
Ela te amante
Ela te mesmo errante
Elo-te cadente
Rompante no céu
E apago entre as estrelas
Como uma fonte
Inesgotável
Seca
E o céu se apaga de claridão
No espaço vultante
Da minha escuridão.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Palavras Lançadas ao Vento, à Distância

Quando era mais jovem
Fiz um pacto
E me entreguei.
Era entrega completa
E não titubeei na decisão -
Assinei na mente um estatuto de consciência,
E apesar do meu subconsciente boicotá-lo de vez em quando
Fui essencialmente fiel a ele.
Hoje os termos são outros
E não se espera de mim a mesma fidedignidade,
Mas permanece um vínculo abstrato que não cabe aqui explicar.
Estes versos não são do contrato;
São do contratante.
São uma renovação de promessa
Como tantas vezes antes foi renovada -
Apenas uma declaração de vontade;
Apenas uma expressão de continuidade
Frente ao atraso de algumas anuidades
E descaso junto a umas trivialidades.
Estes versos são a ignorância do contratado
E suas levianidades
Para que mesmo em meio à total indiferença que tenho demonstrado
Saibas que a ti ainda estou infinitamente vinculado;
Saibas que ainda és inteiramente amado.

Serenata

(Para Cantarle a Mi Gente - Mercedes Sosa)

A serenata dessa noite
É para mim;
É para acalantar minha nação de vidas
Apertadas numa só canção.
É para lembrar que cada sensação
Nada seria sem o corpo para encaixotá-la -
O que é uma vivência sem vivenciador, afinal?
É para despertar o conjunto de micro-anos
Que passaram num ano só
Todos de uma vez
E perceber o elemento comum deles.
É saber que de todos os amores
Embalados em ritmos diferentes
Dá para ouvir uma mesma melodia;
Que o amor nada seria sem a solidão,
Pois nela cresce a convicção
De que só no inóspito do ser
Pode se encontrar a multidão.

domingo, 2 de outubro de 2016

Recorpóreo

Reincorporei
Como anjo tombando na gravidade
E demônio agarrado ao céu fechado
Como tempo velho que reanima nas veias
Depois de uma década entalado no sangue grosso.
Olho no espelho e a garganta explodiu
Rasgando as dimensões
Desentupiu!
E pio desenfreado o frenético energizar
De um ensolarado luar
Florescendo da barriga ao rosto
Do corpo ao fosco -
Eu finalmente me reconheço!

sábado, 1 de outubro de 2016

Fini Infinitive

(No Good - Ivy Levan)

Ela não é sua
Mas não é só minha.
Não é própria
Nem tampouco espontânea.
Brota do âmago de um amor falido
E sai num escarro
Para tripudiar os sentimentos machucados
Revirá-los
E revertê-los numa nova sensação.
Hoje você me odeia.
Ontem era eu a te odiar.
Amanhã, quem sabe?
E quem disse que isso será suficiente para nos afastar por completo?
A maldade nunca é suficiente
Mas é um sabor interessante
Para quem só viveu de açúcar melado a ressecar os lábios.
Ela é um atrativo na inundação de passividade.
Então vamos
Repartindo essa relação doentia.