quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Nota de Rodapé

Deixa sobrar umas linhas na tristeza
Que eu quero encaixar nelas
Feito nota de rodapé
A felicidade que permeia a vida.
Eu já falei nesse caderno
E talvez até enchi o saco de tanta positividade,
Mas deixa eu te dar mais um abraço
Que um abraço nunca vai mal.
Vem cá que a gente fala dos problemas escondidos
Atrás da cerveja
E depois dá risada do quanto é banal o nosso sofrimento.
Vem ler a aba do livro,
Que o conteúdo pode ser horrível
Mas aqui no canto você encontra um sorriso
Esboçado na foto que vai ficar dessa brisa louca
Fingindo que a gente aguenta a barra
E no fundo aguentando mesmo,
Mesmo que encharcado de desalento.

O Riso do Porão

Eu queria poder me convencer que estou em fermentação
Trancado no barril sob o chão
Num porão escuro
Ambientado à minha maturação
Mas eu me sinto avinagrando entre os vermes
Soterrado por projetos e objetivos de passado
Como se o tempo só fizesse piorar a qualidade do produto,
A alma podre e o corpo vindo logo atrás
Enquanto a caixa pesa sobre a pedra
Fazendo dela areia movediça
Avançando na direção errada
Sem que o erro seja em si uma confrontação
Do certo obscuro que se espera de mim.
A certidão não me cabe
Mas o vazio não me completa -
Eu sou inconcreta
Mas não o suficiente para transitar entre formas;
A sociedade me afeta
Com suas palmas estendidas fingindo me salvar
Puxando pelo pescoço para fora do fosso.
Eu sou sensível demais ao toque
Ao ponto de avermelhar
E rasgar o verbo contra os homens
Esperando deles cicatrizes na minha pele fina e transparente -
Mostro logo então o esqueleto sem terminações nervosas
Que contra ele nem as pedras do enterro
Podem se levantar.
Eu não serei enterrado vivo,
Eu não irei!
Eu não me deixarei levar pelas correntes
Para virar comida de fungos no leito do rio!
Eu rio na cara do perigo inevitável
Que me olha nos olhos
Ameaçando de miséria, de doença e solidão -
No fim meu riso é tudo que tenho.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Rua dos Aflitos

A minha vida aqui nessa paisagem
De pintura rebocada num branco envelhecido
E jovialmente descolorido
É um mito.
Nos meus sonhos eu vi Metrópolis
Polarizada na noite
Desenhada em futuremas irrestritos
Numa simetria que humana se permitia
Erros o suficiente para ser perfeita;
Mas essa cidade é só a parte da miragem
Dentre as vestes que recaem sobre os olhos
E seus papéis.
A minha vida aqui é um mito.
A minha passagem trilha a poeira de outros passos
E se escassa sob os fones que calço
Ao pé do ouvido
Tropeçando no espaço entre a terra e o infinito.
A minha estada aqui é asfalto
Circundando um folhetim esverdeado
Que azuleja um pedaço do céu cinza onde recito.
O meu sentimento,
Pensamento,
Movimento,
O meu rito de podar as hortelãs e jogar fora seus excessos para o vento
E o meu tempo:
É tudo mito.
Eu tenho até um mitológico sentido
Me arrancando dos meus pés e flutuando,
Quer por completo ou estrito no espírito.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Degenerado

A língua nunca vai ter o poder
De me arrancar por inteiro
E por isso ela pede parceira
Que eu arranhe sua pele com os dentes
Chamando meu corpo de "ele",
De "ela"
E de "nova parcela humana"
Dum jeito que fere a velha concepção
De quem não a conhece o suficiente
Pra linguar direto da mama papilar
O sabor de um poema.

Aceita

(Eu Não Sou Seu Lixo - Johnny Hooker)

Aceita, gay
Que o meu poema é triste
E acontece feito pena leve
Te obrigando a tão pouco
Quanto a limpeza do momento.
Aceita, viado
Que a minha lembrança
É quase vazia
Existindo só porque
O tempo pede alento pra seguir
Enquanto o viver eu amamento.
Leva, bicha,
Essa agonia
De arrastar o peso que larguei
Em nome da vadia
Que sempre carreguei em mim
E abandonei por ti
Momentaneamente -
Você cabe numa palavra
Feito feitiço acabado que esqueci
Engajada no nada.

Oração do Poema

Bendito o poema
Que não morreu no amor
Nem no amor primeiro
Bendito o poeta
Que não morreu primeiro
E teve tempo pra viver
Os sonhos que os mortos não tiveram
Bendito o ser primeiro
Que não pensou austero
Na primeira rima
Do primeiro amor
E só se aceitou poema
Pela graça dos deuses
Sendo só palavra
Amém.

Insistência

Eu já fumei ou bebi
Todos os meus sentimentos
Mas eles estão decididos a existir.

Portanto,
Já que vou sentir
Independente do que viva,
Eu vou insistir
E a vida que decida desistir.

Quequejado Mas Direto

Eu não vou te suprir
Nunca por completo
Mas já prometi
E não esqueci
Que meu amor por ti
É tão estupidamente repleto
Que mesmo quequejando incompleto
Um poema tão feto
Eu nasci
Pra te
Fazer o objeto
Da minha poesia sem rima
Mas eternamente cheia de calor.

O Orgulho do meu Fracasso

Guardei aqui no peito uma lágrima
Que escorreu como bala
Deixando derramada uma fada
Que me transformou
Feito morte superada
Numa cicatriz a me perfazer
Consumindo meu ser,
Porém discreta o suficiente
Pra eu exibir orgulhosa
Dizendo:
"Olha como eu sou viva!
Até aguentei um amor fracassado
Me acabando no estrago!"

Jornal do Fim da Noite

Boa noite.
Você ouviu as notícias?
Eu já aviso,
Elas são de sofrimento -
Sem variação, não é?
São noviças que não deram consentimento,
Pretos que não se ofereceram
Mas perderam a vida
E bichas cuja carne...
Prefiro não falar explicitamente.
Boa noite.
Você ouviu falar
Da gente que brasileirou novamente
Essa noite
À luz do dia no açoite
Enquanto a gente aqui
Aceitou que o tempo passa
Na meia hora de semi-verdade da televisão?
Boa noite a você que como eu
Nunca viveu uma desilusão suficiente
Pra morrer na escuridão.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Fantasioso e Verdadeiro

Hoje a minha alegria acordou
Num mix de samba de superação
Com risada no tom perfeito,
Sem excesso nem falta de alienação.
Ela não depende de ninguém
Nem se deixa afetar
Por quem vier fazendo cara de mau;
Ela quis me emprestar pelo quadril
E explodir o corpo em purpurina
Dançando pela rua como se fosse normal -
Na verdade bem anormal, graças à vida
Que não naufragou no agouro cabal do capital.
Ela te olhou e sorriu sincera
Te chamando pra ser livre de verdade,
Sem malícia nem maldade,
Só um tesão pelas coisas simples
Que renasce lá dentro quando a gente se ama por completo
Sem precisar de um outro abjeto pesando
Nas penas da fantasia.
Deixa ela leve, bem leve!
Leve pra ficar a pele nua plumando quase vazia
Mas completamente cheia!

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Transparência

Eu sou turva -
Um espelho manchado
Expelindo imagens de paixão, de calor,
Dessabor e de não saber o que querer.
Sou a placa na curva avisando acabado o caminho
De repente, num tempo insuficiente,
Fazendo ranger na mente o medo da morte;
Mas, chegando no fim, continua a rua
E nada mais se fala do susto que dei
Em quem não morreu de amor ali.
Eu sou a tua insegurança encarnada,
Tua abertura ignorada e machucada,
Teu sorriso que li, respondi e acabou.
Eu até tenho carinho,
Mas de sinceridade meu poço secou
E então meu receio é fazer crer
Quem quer venha a ter esperança
Que no meu passo ainda resta
Uma fresta de dança contígua
Ao invés dessas voltas ambíguas que dou
Em torno do meu umbigo
Sem saber se me jogo no mundo
Ou me recluso nas vidas passadas
Sonhando um amor esquecido
Que eu não mais sinto
Mas sinto querer corresponder -
E daí fico a ferir despercebido
Rasgando sentimentos sinceros com minha dor abafada
Ainda intransposta
Gerando como resposta só amor sozinho.

domingo, 13 de agosto de 2017

O Rosto Dele

A tua cara me inflama
Daquela velha bactéria
E só por isso eu me intoxiquei
De um refluxo que me chama
Ardendo em flama
A escama do estômago
Até a membrana do meu amor explodir
Cheia de faces dele repetidas
E eu conceder que no âmago
Eu ainda amo ele.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Tensão Recorrente

Para tudo
Que a parafernália
De todo amor anterior
Como para-raio
Me desreparou
Deixando meu todo preparado
Pra reagir na emoção
Como um fio-terra
Sem qualquer tesão,
Só instinto retro-armado para tudo
Arrastando toda corrente à sua negação.

domingo, 6 de agosto de 2017

O Nome do Poema

Hoje eu estou melancólico o suficiente
Para recitar um poema
Que diz:
Hoje a melancolia me mandou
Que eu ditasse as seguintes palavras:
Hoje é um dia melancólico o suficiente
Para esquecer na linha anterior
O que o verso me obrigou
A meditar
No ciclo que se aceitou
Em nome de viver
Nominalmente um amor.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Sem Presunção

Eu não presumo estar bem resolvido
Ou não acreditar em tudo que já foi escrito
Nos meus cadernos
Com tantas canetas que hoje secas
Preferem deitar nas gavetas
E deixar que a digitação crie alguma distância
Entre a letra e o letrante,
Como se fosse menos gritante o sentimento
Quando os is não são pingados à mão.
Eu não presumo estar bem resolvido,
Nem afirmo sem sombra de dúvida
Que a atual solução não é doída
Ou que o sopro da memória do teu semblante,
Como espasmo errante da minha mente doida,
Não espante eventualmente a esperança
De ser novamente encontrado
Por um corpo que aberrante me acalme
Ao ponto de dar à calma o nome de alma
E fingir finados os problemas
Crendo haver abraços capazes de acalantar doenças e dores -
Sendo, portanto, um detestável portador de fé -
Com o perdão dos que, como eu, são crentes.
Eu não presumo estar consertado,
Encontrado,
Perfeitamente instruído sobre como tenho me construído
Ou sequer confortável,
Mas há algum conforto.
Hoje eu consigo ficar absorto por horas de ti
Sem deixar a saudade apertar a laringe
Ou a Esfinge propor questões que não podem ser respondidas
Sem mergulhar no inferno de antes,
Quando eu ainda não era o que sou -
Não que hajam aqui metáforas de renascimento
Ou crescimento, apenas o tempo mudou.
Eu sou de feridas que só fecham no distante
A todo instante - tenho péssima cicatrização -,
Mas encontrei um momento onde
Parece que sou outra vez de romance
Apesar de desilusão
E desse minuto de equilíbrio
Quis arrancar um poema constante, centrado
E de alguma forma possante,
Se ao menos na sinceridade e na aliteração.