segunda-feira, 15 de outubro de 2018

As Estrelas No Chão

É tarde na noite
E eu letargi.
Sinto os sentidos esvaindo da ponta dos dedos,
Como se dependurasse os braços entortados
Para fora do dorso -
Ou talvez sejam as pílulas que entornei,
Os papéis que cortei com a língua
Para me declamar melhor.
A noite avança errática a cambalear;
As estrelas estão tremendo,
Riscando o céu e o chão molhado,
Mas ninguém parece se importar.
Pisam seu brilho como se nada fosse
E ainda cacarejam entre gargalhadas
Pensando ser sãos.
Eu os desprezo, demônios!
Como ousam dançar sobre os corpos celestes?
Imaginam de terra o firmamento?
Ratos! Criaturas vis!
A ordem do mundo não vos permite essa insanidade!
O mundo está de ponta cabeça
Mas eu não vi a Terra girar.

- Eles roeram o ventre da Mãe que os gestou, então reviraram suas entranhas para deixá-la do avesso e requentar o mundo com sua rebelião.

Assustei-me com essa fala repentina.
Olhei à minha direita, e era uma fada a me complementar.
Teria eu pensado em voz alta?

- Não. Ouço tua voz interior... Ela vaza dos teus olhos, tão belos olhos cheios de dor!

E que te dizem meus olhos doloridos?

- Dizem do teu horror a esses tempos perdidos; da tristeza em ver tanta água de chuva gasta em vão, apenas para refletir na terra os astros, e sobre estes a perdição. Eu entendo, meu pequeno. O mundo dos humanos está de fato ao avesso: sofrem a existência, mas recusam a atadura que ofereço.

Agora entendi!
Esta não é uma simples fada,
É a própria Mãe Natureza quem me fala!
Ó, Mãe de todas as coisas, perdoa-me!
Se antes soubera o tamanho da profanidade
Que aflige tua criação,
Há tempos teria me levantado por indignação!
Mas leva-me, ó Mãe, de volta ao ventre!
Se necessário queima esses vermes
Que contra ti se levantaram,
Mas, ao menos a mim, me retorna
Ao Éden de onde outrora
Meus antepassados caíram pela tentação!

- É este o teu desejo: voltar ao estado das coisas antigas, e que sejam punidos aqueles que contra a ordem das estrelas atentaram?

Sim! Este é o meu desejo.

- Assim seja. Eu, Ramnúsia, deusa da retribuição, ponho sobre ti minha atadura, e, atados os olhos, comando que residam em ti as tuas palavras. Ordeno que voltes ao estado antigo dos humanos, andando de quatro sobre o chão; e que seja dolorido esse andar por profanares com ainda mais patas o solo onde as estrelas refletirão. Decreto, por fim, que tua mente retorne ao ventre da Terra em pagamento por toda vida que Ela germinou, e lá nas trevas eternas te atormentes pela húbris que sobre si conjurou.

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