Que eu me rasgue ao meio
E caiam fora as tripas;
Que minha pele se incinere
E meus ossos quebrem;
Que meu ventre se contorça
E a coluna se distorça;
Que eu engula a língua,
Arranque os olhos
E entupa os ouvidos com ferro quente;
Que meus pulmões implodam
E o coração estoure,
Que o fígado se corroa
E os rins se ressequem,
Mas quem sou, isso não dou.
Não dou a nenhum fariseu
Ou sacerdote do ódio
O pedaço gritante de mim
Que sustenta minha resiliência.
Tripudiem minha mente o quanto for -
Dentro dela ainda residirei,
Mesmo se fraco e disforme.
Eu não vos pertenço
Nem nunca pertencerei.
Pertenço somente a mim
E aos que escolhi pertencer.
Pertenço às bruxas, putas, viados
E rondas noturnas de rebelião.
Pertenço aos teus medos
E aos espaços sombrios da tua mente
Que não consegues desbravar -
Cá estou eu,
Sem medo do escuro.
terça-feira, 13 de novembro de 2018
sábado, 3 de novembro de 2018
Lírio do Campo
(Alessio Bax - Zion hört die Wächter singen (From "Cantata Wachet auf, ruft uns die Stimme", BWV 140))
Encontrei um lírio no campo
Que ficava ali no seu canto
Entre outros tantos
Cabisbaixo como eu.
Fazia um esforço desgramado
Para não cruzar olhares
Com as outras flores
E correr o risco de expor a cor
Escondida no seu centro.
Se dizia cuidadoso
Ou exigente
Ou quiçá muito amoroso
Para a polinização inconsequente.
Mas a bem da verdade
O lírio amarelou
E temia descobrir nelas
O vermelho em carne-viva;
Temia pois sabia, lá no fundo,
Da igualdade que compartilham
E da solidão que vem
Ao se descobrir parte de um conjunto
Onde as semelhanças aproximam
Mas também afastam;
Sabia, enfim, que em toda flor a cor esfria na beirada,
E de pétalas geladas se faz um jardim arredio.
Que sorte a minha, então,
Que sorte a minha, então,
Ver o lírio ali no chão
Onde meus olhos residiam
E achar refletido nele o olhar
Do qual, de tanto me esquivar,
Eu já me cria foragido.
Eu já me cria foragido.
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