(Zbigniew Preisner - Lacrimosa (Day of Tears))
Falta controle
Às minhas mãos.
Falta a linha fina
De vazão da mente
Em direção a um rumo,
Seja qual for;
Um desenho de letras conformes,
Unidas e claras -
Pois estou só carne
Na putrefação dos seus processos;
Estou só alarme -
Os vícios do circuito em sítio,
Os nervos em puro pulso,
Em descarga frenética
Fora de mim:
Hoje sou outra coisa
Que não o que me inventei.
Hoje sou aquele outro,
Que se-me engano
E me distancio,
Externando um ser
Que se-me ojeriza
E desconecta os meus fios
Até a dismorfia onde não reconheço
O eu que ocupa o corpo.
O eu que ocupa o corpo.
Conheço este que sou.
Já o fui outras vezes -
Temi seus pensamentos,
Tremi frente aos seus corrimentos
Que formigavam nas veias
Num revertério de si.
Conheço a forma que se-me veste por dentro
De avesso e remorso
E oposto ao lastro
Que o outro eu
(Aquele que me reforço
E me narro mesmo agora,
Quando seu domínio me falha)
Se-me confinou -
Um confino de agrado
Que neste momento está esfarelado em lembrança,
Amarrado num hemisfério oculto
Dentro do cérebro desregulado.
Falta a narrativa da química balanceada:
A minha história está mal-temperada;
As dobras do cerebelo estão cheirando a mal-passado
Em conserva de sal e ervas podres.
Sobe o odor de trauma
Misturado num inconsciente de ódio
E pulsão vernacular.
Sobe a monção úmida
De um corpo fedendo a ovo do lado de dentro,
De tripas tortas e dentes escuros
No âmbito psíquico.
Queda gritante no gutural
O vazio fático;
Queima furioso o conhecimento do mundo,
Purificado pelo enigmático do irracional;
Ferve em mim o desespero de vida,
O apego ao próprio processo de fervilha
E o amor ateu,
Este único amor possível
Pois removido de ilusões
E convencido de suas razões,
Mirando o fim de tudo direto nos olhos
- Seus olhos escuros de nada -
E agarrando fundo nas unhas
O dessentido da existência
E sua filosofia resoluta.
Eu-convertido-em-monstro
Possuo a chave
Do eu-glorificado.
O falso deus te há enganado
Invertendo os fatos:
Na verdade os anjos
São demônios revigorados
Depois de no inferno terem derretido.
Eu sou a fonte de tudo,
Sou a raiz da vida,
Da crença
E do próprio mundo;
Eu, nas entranhas do fogo,
Forjei o espírito puro
Dos homens
Das eras
De mim.
Eu, em estado carmim,
Sou a terra roxa
Que embebe de vida a semente
Que germina e morre,
Germina e morre
E novamente germinará
Num caule severo e belo,
Firme em estirpes profundas
Como vermes gigantes nas entranhas do chão;
Germinará em galhos abundantes
Cobrindo a terra na sombra
De folhas repletas de seiva
Que escorrerá feito cera de suas frontes verdes
E de tão profícua pingará sobre o solo
Fecundando-o de vida
- A minha vida -
E seu cheiro distinto de Anunciação:
Eis-me aqui, revelado e enlevado nas trevas,
Tocando as nuvens com asas negras de pó.
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