domingo, 23 de novembro de 2025

Sopro

(November - Max Richter)

Ouvi num sopro do vento
A tua voz
Me chamando como um rio.
O som veio
E me conduziu
Por um sinuoso veio de lembrança
Que fluía, descendo e descendo,
Pelos labirintos do meu arvoredo
Buscando um remanso
Onde desaguar.
Ele me chegou num sussurro,
Como um segredo
Mal escondido
E, no entanto, perdido em degredo
Em meio às palavras
Que antes não quiseste me dar.
Ele veio num estrondo,
Num furor de trovão se impondo
Por sobre as copas do mundo
Anunciando a tempestade
Que me queria inundar.
Algo se esconde em aberto
No eco incerto
Que da tua boca escoa
Feito nuvem de garoa
Cobrindo a terra e o mar.
E, mesmo que dúbio, o som me invoca,
Toma forma em meu peito
E demanda passagem
Criando raízes e abrindo ramagem.
Ele rasga meu corpo
E pra si faz morada
Por sobre minha pele
Feito tatuagem.
E então sinto em minha carne
A tua miragem
De chuva suave
Começar a cair
E apagar meus entraves:
Ela molha meus cabelos,
Meus ombros e dedos,
Escorre aos joelhos
E chega aos artelhos,
Banhando-me inteiro
De devaneios
Desajuizados.
E por loucos que sejam
Os meus pensamentos
Debaixo da chuva,
Eu sei…
Ouço tão clara a tua voz.
O vento não mente.
Escuto daqui a entrega latente
Que em ti se há gestado
E outrora, por medo,
Havias ocultado.
Tua coragem secreta
Respinga em meus galhos
E em mim se conecta.
Inspiro teu orvalho
E respondo no vento
Com um sopro discreto:
Achaste-me aberto,
À espera entre os olmos.
Vem e me busca
Assim, encharcado,
Sob as folhas ocres
Do nosso passado.

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