quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Caminho da Selva

(Love in Portofino - Dalida)

Quero escolher com você
O caminho da selva.
Quero te levar pra percorrer
A trilha secreta que se embrenha
Por entre a ramagem dos meus percalços,
Cheia de segredos e vícios passados,
Fluindo em curvas sob as folhas úmidas.
Quero encontrar, com você, no caminho
As orquídeas ocultas que o tempo esqueceu
E ver com assombro os venenos coloridos
Escondidos nas frestas do matagal.
Quero me atravessar te levando comigo
E ao fim da jornada contigo alcançar
A saída invisível que leva pro mar
Como uma janela aberta na alma
Deixando a maresia quente entrar.
E quero banhar-me de água salgada,
Lavar-me da terra batida da estrada,
E me entregar nos lençóis marinhos
Ao sonho divino de te conhecer -
De perder-me no teu espaço
Entre o sol e as ondas,
Sentir teu calor,
Ouvir teu amor
E com você
Derreter
.


domingo, 23 de novembro de 2025

Sopro

(November - Max Richter)

Ouvi num sopro do vento
A tua voz
Me chamando como um rio.
O som veio
E me conduziu
Por um sinuoso veio de lembrança
Que fluía, descendo e descendo,
Pelos labirintos do meu arvoredo
Buscando um remanso
Onde desaguar.
Ele me chegou num sussurro,
Como um segredo
Mal escondido
E, no entanto, perdido em degredo
Em meio às palavras
Que antes não quiseste me dar.
Ele veio num estrondo,
Num furor de trovão se impondo
Por sobre as copas do mundo
Anunciando a tempestade
Que me queria inundar.
Algo se esconde em aberto
No eco incerto
Que da tua boca escoa
Feito nuvem de garoa
Cobrindo a terra e o mar.
E, mesmo que dúbio, o som me invoca,
Toma forma em meu peito
E demanda passagem
Criando raízes e abrindo ramagem.
Ele rasga meu corpo
E pra si faz morada
Por sobre minha pele
Feito tatuagem.
E então sinto em minha carne
A tua miragem
De chuva suave
Começar a cair
E apagar meus entraves:
Ela molha meus cabelos,
Meus ombros e dedos,
Escorre aos joelhos
E chega aos artelhos,
Banhando-me inteiro
De devaneios
Desajuizados.
E por loucos que sejam
Os meus pensamentos
Debaixo da chuva,
Eu sei…
Ouço tão clara a tua voz.
O vento não mente.
Escuto daqui a entrega latente
Que em ti se há gestado
E outrora, por medo,
Havias ocultado.
Tua coragem secreta
Respinga em meus galhos
E em mim se conecta.
Inspiro teu orvalho
E respondo no vento
Com um sopro discreto:
Achaste-me aberto,
À espera entre os olmos.
Vem e me busca
Assim, encharcado,
Sob as folhas ocres
Do nosso passado.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Succubus

(Berghain - Rosalía)

O jardim se revela selva de segredos.
Seus galhos floridos projetam sombras disformes;
Suas folhas sussurram ameaças contidas;
O chão se encharca de areia movediça.
Algo se esgueira entre as frestas escuras.
Sou eu
E não sou.
O espelho d'água mente -
Algo em suas entranhas me estranha;
Uma fera me caça;
Uma ferida me esgarça.
O silêncio me fala -
Ele vaza do corpo,
Dos olhos
E das palavras.
Num encanto enigmático,
Transbordo do que não dou.
A mata se encerra.
Os sentidos escurecem.
Ele está aqui
E me devora.
E, devorado, sucumbo ao súcubo.
Eu sou o que sou e não sou.
Desapareço no mundo dos sonhos
Sob o signo de desejo e sangue
Do coração arrancado.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Poema do Louco

Vamos, vamos, meu amigo,
Façamos as coisas dessa maneira.
Já se disse - ou talvez não disseram -
Que quem ri por último,
Ri primeiro.
Sejamos, então,
Ridículos.
Patéticos.
Sejamos os romancistas de esquina,
Que jogam seus panfletos incendiários
No meio da rua
Para que, ensopados e amassados,
Eles sejam lidos apenas por ratos.
Sejamos os gatos que caçam sem cão
E apanham apenas novelos de lã.
Sejamos a linha seguinte do verso
Que esquece a rima
E acaba rimando o reverso.
Ria-se, meu caro amigo,
Do completo desastre em que te hás colocado.
A perdição, afinal, também é um achado!
O poema perfeito,
Te digo sem nenhum julgamento,
É o poema do perfeito otário.
Brinque-se, então, de escrever
E viver
E amar.
Brinque-se de declamar!
As cidades estão cheias de loucos
Profetizando em alto e bom tom o fim do mundo.
Façamo-nos loucos!
Sejamos mais um dos que gritam
A plenos pulmões
Seus sentimentos caducos.
Façamos poesia da morte do poema!
Façamos amor na calçada em Moema!
Rasguemos o livro e quebremos a pena!
Amanhã os garis recolhem os resquícios da festa,
Catando o papel picado que desceu a valeta
Até chegar em Borborema.
E, acabado o carnaval,
Prometo-te muita seriedade
Nos novos andores;
Muitos ardores poéticos austeros,
Muitos pensamentos severos.
E também amores - todos bem modernos.
Atuaremos outra vez no Municipal
Entregando uma performance monumental.
E mal lembraremos das nossas antigas juras
De sentimentos eternos
Correndo logo abaixo do nosso sucesso
Nas entranhas do Anhangabaú.
Ficarão somente os resquícios da festa de hoje:
Será tudo como papel crepom
Picotado, vencido e apagado,
Feito uma piada sem nexo.
E ficará, é claro, este riso
De quem se entregou por engano
E viveu seu erro por completo.

domingo, 26 de outubro de 2025

O Melhor de Todos os Poemas de Amor

(Make You Feel My Love - Adele)


Quis escrever para você o melhor de todos os poemas de amor,
Mas as referências de amor
De repente me parecem inapropriadas e vazias.
Amar, no meu pretérito imperfeito, era verbo pessoal:
Falava de mergulhar em mim, através deles,
Para me encontrar
E, no meu encontro, rodopiar um amor a dois,
Daqueles que se ilham em paixões solitárias,
Que se enchem nos pulmões,
Explodem seus rojões
E se perdem nos rincões da alma.
Meus amores passados foram amores do Ego:
Amei-os para amar-me e, amando-me, me bastar.

Mas hoje eu conjugo amar diferente.

Amo-te, sim, como outrora amei:
Num doce delírio da emoção,
No suave contento e no furor do momento.
Amo querendo ouvir da tua boca as palavras que forem,
Querendo ver nos teus olhos os sorrisos que houverem
E sentir das tuas mãos os carinhos que elas quiserem.
Mas, quando me banho nas tuas amanças,
Eu quero brincar com as crianças.
Quero abraçar meus amigos.
Estar em família.
Quero abrir portas no supermercado
E sorrir para desconhecidos na rua.
Quero ajudar quem precisa
E ensinar minha sabedoria.
Quando eu te amo,
Eu quero pertencer ao mundo.
Pois este amor me dá esperança:
Este amor é andança,
Uma dança que me desabrocha,
Me tira de mim
E enfim me coloca onde sempre pertenci.

Amar-te, meu amor, é, sim, para mim
E para você.
Mas também é mais
- Muito mais -
Do que eu jamais poderia conceber em um poema de amor.
O mundo que o saiba.
A terra que o diga.
O vento que o cante.
E que ressoem na humanidade, pelo tempo que o tempo permitir,
Os frutos desse florescer.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Perdoa-me, coração

(Love in the dark - Adele)


Perdoa-me, coração.
Ouço tua voz
Ribombando a cada batida,
Ressoando através dos teus átrios
Como uma canção e um pedido
Que oxigena cada fibra da minha emoção
Falando do que te vaza
E corre por entre as artérias
Fazendo meu corpo vibrar.
Escuto, puro e claro,
Teu desejo latente,
Pujante,
Abertamente declamado.

Mas eu preciso de tempo.

Preciso que a tua potência
Corra a distância da mente,
Percorra seus labirintos em rodamoinho,
Preencha seus espaços vazios
E então sane minhas dúvidas,
Sare meus medos
E cubra as feridas
De um passado
Que, embora antigo,
De repente parece que há tão pouco foi cicatrizado.

Perdoa-me a indecisão.
A resistência.
A negação.
Perdoa-me os erros tantas vezes revividos
Que me calcificam
E lacinam teu intento
Com lápides de desalento.
Perdoa a repetição dessa velha caução.
Perdoa as cavernas do meu pensamento
Por se recusarem à vida
Após tantas Eras perdidas
Num silêncio mortal.
Perdoa-me por não me libertar
E nem me permitir navegar
Em águas profundas,
Quentes, escuras
E desconhecidas.
Perdoa-me por sucumbir ao temor de naufragar.

Se preciso for, entrego-te todos os tesouros
Que escondi sob a carne.
Desvelo outra vez as passagens doloridas
Que fingi esquecer
E faço, no tear dos amores,
Um novo acalanto pra te aquecer.
Mas peço que não me abandone.
Não desista de mim,
Não silencie a tua fome
Ainda que eu me recuse a dizer o seu nome.
Minha fraqueza é por ele -
Apenas por ele.
Para ti eu sou forte.
A ti recolho.
A ti escolho
E por ti me renovo.
Ainda que fraco,
Ainda que estúpido,
Ainda que, em meu pior, eu te dilacere.
Ainda que minha força não te baste.
Perdoa-me mais este contratempo.
Tomara que, contra ele, venha o tempo…
E que o tempo nos limpe,
Que nele eu me salve
E me torne um receptáculo pleno,
Vivo outra vez,
Para fazer tua voz ecoar
Sem recorrer a desculpas
E jogos de sombras e ocultação.
Perdoa-me, coração,
Por te pedir por mais tempo
E não me render ao momento.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Olhos Alados

Meus olhos atravessam a escuridão como um raio.
Minh'alma levita, leve como um barco alado,
Por sobre as montanhas quebradas,
As falésias e os mares
Cujas ondas rugem com seus tambores de guerra.
Mas meu espírito não se abala,
Minha luz não se diversa.
Meu coração está firme
Em minha pulsão de vida.
Meus pés não tremem.
Minhas mãos não vacilam.
Minha respiração cresce.
O ar puro me preenche,
Assume a minha forma dentro do peito
E então sai como voz,
Ecoando pelo espaço num estrondo e num sussurro.
Ouço o silêncio ao redor
E sei.
Eu estou pronto.
Minha forma está plena.
Abro minhas asas e saco uma pena.

domingo, 21 de setembro de 2025

Sonata de Verão para Cordas e Aortas


Miley Cyrus - Secrets

Sou sempre inundado
Daquela sensação de lembrança
De verões escaldantes,
Piscinas verdejantes,
Escaravelhos piscantes
E nuvens que parecem estacionadas
Com seus tons de rosa, azul
E púrpura-camaleão
Fazendo do sol uma lua reluzente,
Quente e quase crente
Na arte de pincelar palavras
E fazê-las soar como estradas já percorridas
E de novo revividas
No calor da monção.
Parece que lembro de um furacão
Que me olhou através dos teus olhos
Rodopiando no centro dos céus,
Fazendo as estrelas girar
E o mar ribombar,
Como se o mundo inteiro fosse meu lar
E nada mais houvesse na Terra
Além dos teus braços cobreados,
Teu suor nos meus lábios
E tua pele de azeite
Derretendo minha mente,
Abrindo a espessa mata à minha frente
E tornando a trilha tão nítida,
Tão desinibida
Em direção a mim mesmo,
Levando-me a encontrar meu desejo
- Puro, sem devaneios -
E enfim fazer dele
A minha morada final.
Às vezes acho que moro
Nesse lugar perdido
Entre a memória e a fantasia
Que não sei bem encontrar,
Mas que está sempre desperto,
Ecoando distante
Nas cordas de harpa
Que pulsam com sangue de aorta
Nos meus devaneios silenciosos
Sob o mormaço do luar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Amor de Sombras

Vinde a mim os oprimidos
E eu vos renegarei.
De braços abertos
Por sobre o abismo
Eu vos entregarei.
Assim, em silencioso degredo,
Eu vos amo
Pois este é o amor Que sobre mim mesmo fundei.
Meu colo arde
Com o fogo do abandono;
Meu ventre alarde
Com o bramido de um sopro
Que conta das inconstâncias
Correndo em minhas veias.
Com o abraço que, como uma teia,
Me encobre;
O laço que me permeia
E se diz nobre.
Meus olhos de sono profundo
Apagam-se na luz.
Minhas mãos macias
Acariciam o vazio.
Eis como vos acolho:
Com uma imensidão de nada.
Pois o nada me remove
E em nada eu me entalho.
A rua está cheia de almas
E eu não as vejo.
Eu mal sei meu nome,
Mal me reconheço
Em meio ao disforme e seco gole
Que no peito entalei.
‘Não me abandone, não me abandone’,
Eu peço ao meu salvador.
Mas ele tem fome
De tudo que some
Quando a dor não sabe o que é amor.
Eu sou martírio,
Sou espelho vazio
Escondido num falso esplendor.
Eu sou a cruz que consome
Meu sangue descrente,
Sou a estrela cadente
Que cai infinita
Sem nunca cair
E assim perde o chão onde se decompor.
Eu sou a luz que desvia,
A pista que some,
O brilho que guia rumo à escuridão.
Eu sou o profeta da romaria
Que te acaricia
E te deita rente ao furacão.
Onde, então, está a verdade?
Onde está o abade
Pulsando forte e constante
Na minha confusão?
Eu lhe preciso… Lhe quero!
E tudo que ouço é “sê forte”,
Quando tudo que sei é ser sofreguidão.
Busco
Mas a bússola não tem guia
O corpo se esfria
E se perde de mim, sem fricção.
O labirinto é espesso
E eu não sei se procuro
O minotauro ou a saída -
Nem mesmo se entre eles
Há qualquer diferenciação.
Eu ando o caminho turvo
Das minhas profundezas
E de longe miro as estrelas
Esperando que delas venha
A minha redenção.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Cobwebs

Do you remember when you were an urban boy

In those distant nights of darkened skies

Under the city lights that shined amidst the cobwebs

While a lonesome car passed down the streets

Caressing a mechanical tune within the silence

And the half moon glowed with its eerily calm

Between the hardened white buildings

As the impatient breathing of machines

Declared the unendingness of life

In the dead of dawn?

Those distant days of inner loss

Felt found in ways the present plays cannot.

For while they might resound with emptiness,

Covered as they were in a pale dim scent,

Twas then that life felt plentiful

Despite its frail consent.

Today, then, I relive them –

I caress their long lost wait

And hope that some of it remembers me

And stays within my present

And its spent and withered ways.