domingo, 28 de setembro de 2014

Chuva ácida na língua
Por favor
Por desespero
Por uma cerveja
Por uma coisa que não sei
Enquanto fôrma
Por entre o rastro líquido
Queima a boca
Cada gota é invasão.
Rastro, rastro, rastro...
Resto
Rato
Reto
A retidão não me cabe
Risca, arranha, retém
É o rato úmido
Rente à calçada de pedra
Engendra, erra
E chuva por ela mesma
Apenas enquanto plástica.
Preto
Planto
Pranteio
A rouquidão dos planos não me convém
Planejo nos gritos práticos
Pratico a indigestão
Plastico em erro
Porém há mudas
Corrompendo a terra
Porém a terra pedra
Há sete palmos do chão
Mas não há mais
E mesmo assim verbeio
E mesmo assim verso
Como?
Como me cabe o incabível
E me pleiteia o impossível?
Praguejo pragana no deserto
Planária no inferno
E ainda assim vivo
Eu quase enquanto isso cambaleio
Meus labirintos não cabem faunos
Cabem falhas
Das que provo nos encalços do caminho
Então palavreio infinito
Então palavro
A voz está errada
Porque a voz é descaminho
É descalabro
Desaviso
É ofensivo descabelar como eu desvinho
A calçada é de pedra
Mas palavra
Aquela que me trabalha as articulações
Não há voz
Há giz
E com os pés desenho o indissoluto.

(Poema a quatro mãos com Juliana Pires)

Estou.
Est sou.

La poéme

Isto não é francês
É neologismo
Transpiro poema
Como inquisição da alma
Dos desavisados
Somos indigestos contra a parede
Rompemos com a quarta parede
Como uma virgem
La loucure
Le mour, que c'est moi com amour

(Poema a quatro mãos com Juliana Pires)

Eu não tenho sobre

Eu não tenho sobre
Nem acima nem abaixo
Apenas
Eu tenho sido
Futuro e presente
Engano ledo e lúdico
Eu tenho sido um coelho
Sem toca
Nem toca
A pele ou a música
Porque a alma é um abismo
E a janela lateral
Não incide luz
Não virá
Não há
Não apenas

Poema a quatro mãos com Juliana Pires

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Meus réis

Draga
Drag
Dramaturgia
Será possível que sou feito só de ódio e arrependimento?
Sou tão impossível assim?
Tão crível?
Tão corruptível e humano ao ponto de bicho?
Tão desprezível...
Tanto endeusamento e apenas destruição, afinal.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Libélula

Libélula voa avulsa
Cédula velha
Libera tinta na mão
Toques na derrapada em pleno ar
É rudimentar em seu plano
É rude no ventilar
Duas asas rasgadas ao meio
Sobre a face de Marianne
E mais valor do que reconhecerás
Desatrelado das manchas frias no papel
Desalojado
Destilado no hálito
Desalinhada
Feito dado

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Quisera eu estar menos consciente
E então ser mais.
Não em estado de alienação
Nem em ignorância -
Deixar de lado os estados
E passar além das fronteiras
Além dos lados,
Dos passos,
Além de além.
Vulgarizar um mantra xamanizado
E inculcar inintencional
Um som gutural na cabeça;
Reverberar sem verbos;
Revidar.
Quisera perder os quereres
Sem querelar
E quedar aquarela molhada
Absorvida tridimensional na parede;
Descalcificar o encalço
E derreter lamaçal na estrada;
Desestratificar o paço
E deixar pedregulhos no quintal,
Desfeito como rocha,
Desarrochado.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Peligro

Trepida
Tratora
Trava
Desmonta o orgulho qualquer
Que firmara o homem.
Soterra
Soturno o baile sorrateiro
De mim.
Meus prelúdios tocam incessantes
Mas o incenso não queima
Para me infernizar inteiro
Interno.
Que rio é esse?
Que ruído?
Que rito?
O rumo das coisas não me é querido.
Ferido não é suficiente;
Perigo.
Sou perigoso a mim.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Amon-Rá

(Marco Polo - Loreena McKennitt)

Chega sobre a Babilônia a lança dos deuses -
Estou rendido.
Vem Gaugamela e fujo desmistificado.
Morrerei às margens do Amu Dária,
Onde cinde o rio da estepe fria.
Meu anel dourado será penhorado
Entre as tribos selvagens
E meu corpo desovado no deserto.
Meu espírito será despedaçado
E servido aos demônios da terra
Conforme a porção que lhes é devida
Pelo tempo de satrapia.
Quanto a mim,
Serei lembrado como o rei esquecido,
Príncipe da perdição,
Destruição encarnada,
O deus que nasceu para ser homem
E não passou até que seu destino fosse cumprido
Nas pradarias vazias, longe da joia de Persépolis.
Assim seja a profecia do deus-rei.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Descrição exausta

Uma linha de ônibus
Um risco no mapa
Um trilho de trem
Uma faixa de pálpebras cerradas
Uma fila de sopão
Um amontoado na porta do metrô
Um bolo de prédios superfaturados
Um morro de barracos queimados
Um monte de gentes
E pouca cidade

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Sou teu, mundo,
E não; sou só meu.
Aí sou o escorrimento de tinta que caiu da lata tombada na calçada,
Sou Banksy
Mas também renascentista;
Fervo em dicotomia
E não; sou eterno.
Etéreo e inferno.
Aqui, ditadura da mente
Com viés anarquista;
Übermench ativista de sofá;
Palíndromo sem sílabas.
Sou o que quer diga ser
Mas nada disso.
Sou alguma coisa que o poeta não inventou.
Cada vez mais sou difuso
Angulado obtuso à porta do sol
E ainda que não sinta confusão
O vão se me expande
E vão se perdendo as certezas de outrora
Numa aurora de sentimentos vãos
Abrindo em obliteração
Até de tão escancarado
Tornar-me lança afiada
A ser lançada num rodopio ao horizonte
E nunca mais voltar.

Quasínarci

Quando o espelho me olhar
E me enxergar
Tu talvez verás Narciso;
Já eu verei preciso.
É raro e é preciso haver mais
De se encontrar querido e conciso
Nesses tempos de ódio que tanto nutrimos
Uns pelos outros
E, pior, por nós mesmos.
Melhor ser tranquilo,
Mas se entre exibido e reprimido
Escolhamos a auto-libido.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Palha nua

Um corvo pousou no meu braço esquerdo
E sem jamais gralhar apenas gritou ao pé do ouvido
Je suis mort! Je suis mort!

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Queda em três passos

Mal te vi
E já denegri
A imagem vertida
Dentro da tua gaiola
Em bem-te-vi.

Denegri.
Mal me vi.
Tão mal que de ti
Me acometi.

Cometi
O erro de quem vivi
Como quis o que não refleti
E a vida passou como um estorvo
Por aqui.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

M(eu)
d(eus)
On(de) (m)e est(ás)?(.)

Fuga

Fugi daqui
Fugi da minha terra
Fugi para Fuji
Fugi para mim
Para mim somente

Fugue

Tinha forma de pássaro
Apesar dos contornos de dragão
E penas de lagarto, duras como as feitas em Komodo.
Ele não se importava em voar,
Mesmo que os voos rasos mais se assemelhassem
Ao rastejo de uma cobra do mar
Serpenteando entre céu e terra
Na liquidez que o habitat lhe deu.
Era cômodo esse simular;
Justo o meio termo - é preciso ser justo,
Mesmo que essa justiça se faça de imprecisão.
Temia o dia em que suas metades cindissem
E caísse réptil no dorso do oceano
E levitasse inócuo ao teto da estratosfera,
Pingando como homem andando na lua,
Trombando como balão de hélio no último andar.
Mas talvez sobrasse a metade intermediária
Do dragão
Escapada das cascas leves e pesadas
E continuasse a meditar - meio-estar - mediar
Seguindo tortuoso nas correntes do mar,
Um pouco por força própria, um pouco empurrado,
Dando voltas no globo infinito
Até o globo no espaço acabar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Padeço

As saudades de hoje são mais doídas que as de outrora.
Apesar de arderem menos, falam de futuros insólitos e passados incertos.
Parecem perenes... Padecem pequenas... Pequenejam meu ser.
Se antes era estar, agora sou forçado a viver,
Pois não há tristeza que mais possa remoer.
As melancolias presentes se obrigam a desaparecer
Para poderem continuar
E, quiçá, assim se fomentarem.
O combustível é outro, a fornalha também;
A noite cai diferente
E a chuva, se há de lavar, banha com nova sinceridade -
Uma que ainda não pude decifrar.
Esta dilui ao invés de aglomerar
E aglutina nos pedaços de mim como a força dos líquidos
Que não se retêm nem tampouco se escapam
Ecoando nas cordas do Universo uma vivência encurtada,
Como o cavaco querendo virar violão.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Três Marias

I

Uma me passou
Uma me cativou
Uma me gozou

II

Estou mais consciente
Estou menos ciente
Estou senciente

III

Esvaziei
Enchi
Estabilizei

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Santuário

Tudo que sou fui a dois;
Tudo que fluí da mão esquerda
Ou escorri da direita;
Tudo que o tronco alcança;
Tudo que me balança;
Tudo que imóvel verti na terra
Caiu liquefeito na minha cabeça,
Passou pelos olhos - o de lá, o de cá, os dois -,
Trançou a serpente que trago no nariz,
Gelou o pescoço
E desceu pelas palmas abertas,
Vez ali, outra acolá, volta e meia em fluxo conjunto;
Tudo que toco é revolto,
Envolto na nuvem de mim - a pele que, enfim...
Eventualmente fui a três,
Mas os terceiros não bastam;
São cabeças demais para o corpo.
Melhor ter o suficiente para Salomão dividir
E para Nietzsche convergir.
Não quereria ser um,
Decapitado encontrando um fim.
Prefiro ser anjo da morte
E decrépito alternar a regagem da relva
Do meu jardim,
Jazido feito pedra, instável na base torta
Em que fui depositado,
Santificado de mãos abertas.