sexta-feira, 31 de março de 2017

AVIVA


Atraca e tranca
Na raça
Sua vida
Que a vida não perdoa
Se você titubear
Arranca no talo
A significância
E rança
Que mais vale a estanca apodrecida
Se for vivida
Que a sangria infinda.

Estrabo

Trabalho com emoções.
Quando elas faltam,
O espaço fica vago
E eu vago
Pelo setor das sensações e pensamentos
Que talvez não mereçam tamanho ganho
No vagão.
Eu fico a ver trens
Clicando o trilho no seu passar.
Eu vejo no céu nublado
A uniformidade de um céu limpo,
Como se o ar sujo demais
Sobrasse ao ponto de azul desbotado.
Eu vejo demais -
Cores em demasia -
E ser multicromático
Me impede de ver a mundana vazia
Da realidade;
Eu preciso da imprecisão errática
Destrabalhada
Pra atabalhoada estabanar tropeçada
Na fática fada
Que jaz subjacente à estática
De ser.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Manto

Hoje eu tive um entendimento material
Do quanto diminuí -
Do quanto, em meio a infinitos versos pedindo para desincorporar
E sumir,
Inúmeras palavras recobertas de vergonha ou desolação,
Eu de fato reduzi a mente
E destruí o pensamento.
Hoje eu vi posta diante dos meus pés
A destruição do ser que outrora vivi -
Fui o sentimento aflito
De não encontrar termos
Para descrever a química balançando dentro de mim;
Eu me descobri desprendido de mim;
Descobri que recoberto de trauma
Eu não me escondi do mundo,
Apenas daquilo que nesse mundo um dia abri.
E o pior é saber que na alma fechada
O que eu desejava matar
Foi a única coisa que manti.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Corpo Fechado

Eu não te contaria
Com palavras escancaradas
O que eu faria
Com mil carnes
Envolvendo minha alma escapista;
Eu não falaria
Das minhas fantasias;
Eu calafria;
Eu dessabedoria
Até virar enguia elétrica
De víscera espinhosa;
Eu escaparia de escapar -
De ser alma vazia -
Até virar um corpo
De flexível pedra
Balançando um choque térmico
Até a Oceania
E no pacífico me enterraria viva
Tramando desconexa mergulhada na água fria.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Violaria

Hoje o violão não tem corda, meu bem
Não me toca que o corpo anda desafinado
E o desafio de trombar no espaço vazio
É demais pra ornar.
Eu não canto em nenhum canto de colo
A minha antisserenata arredia
E eu prefiro desatar os nós das cordas retorcidas
No afinador
No silêncio da minha frieza autocontemplativa.
Eu prefiro ser linha desligada das curvas,
Pousar somente as minhas mãos junto à bacia
E lá dentro sussurrar sem harmonia.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Binding

(Ocean - Goldfrapp)

Cabeça do martelo
Batendo contra a parede
Time and time again
Formando um bindi de sangue
De onde jorra água
Direto do coração
Depois de intoxicar o pulmão
E sair fonte na contramão da testa -
Eis aí o cosmos
Unificado no caos
Da seiva mais pura
À que o humano perdeu nomenclatura.

terça-feira, 14 de março de 2017

Todavia, Imaginário Despassotempo

Será que em toda via
(Ou pelo menos na maioria)
Onde cruzo as pessoas
Elas me veem café com leite?
"Põe um pouco de açúcar
E deixa esfriar
Que o pó é recente
E a nata grossa impede o calor de vazar!"
O mundo não mais me decanta,
Assenta e espera eu declamar o vapor
Trincando até a chaleira
Do outro lado da casa -
Ou talvez isso tenha sido só a lareira estalando
No calorão que sobe debaixo da saia da fogueira
Querendo rasgar imaginário
O esquelético estático pensamento
Decaindo na xícara de chá.
Eu devo mesmo ser café com leite
Pra amornar de sopro em sopro
Enquanto toda a mesa ainda roda
Na máquina do tempo
Onde eu não quis jogo
De pingar uma bolacha passatempo
E passar a rodada desatento.

segunda-feira, 13 de março de 2017

A Tartaruga Serpentina

A jovem tartaruga
Anda lenta no lamaçal
Drenada pelo chão macio e a casca dura
Afundando vagarosamente na seiva da vida
E sonha ser serpente
Arrancada dos antigos pés
Para suplantar a terra com o calor da barriga
E arranhar a vida com escamas dobradiças;
Para ter veneno quente escorrendo da saliva
E olhos de cristal arregalados
Vertendo sobre o mundo sua visão de sobrevida,
Uma deusa de rasante sabedoria.
A tartaruga, então, encolhe e brilha no casulo
Sabendo que só na escuridão do seu porto seguro
Ela pode serpentear.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Pés (ou, alternativamente, Paz)

(Vive - Maria Bethânia)

Um chão pra pisar
E requentar os pés
E descalar
Os dedos
Na escrita;
Pra descalço tocar
O enfoque geladinho
Da ponta entre a sala de madeira
E o piso frio da cozinha -
Os dedos do pé agarrados
No minúsculo degrau;
O dedão enganchado nos outros -
Pododáctilo dragão devorador de amor...
E talvez depois voltar pro colchão sozinho,
Se abraçar no cobertor -
E a namoradeira ali do lado quieta -
Mas se abraçar no cobertor
Assistindo televisão
Enquanto os dedos do pé novamente se atracam
Em compaixão.

terça-feira, 7 de março de 2017

Obá Obá!

Obá Obá!
Venha água defronte
Q'Eu sou elefante pro peso
Da mente do mundo!
Corrente não me derruba,
Me sobra nas orelhas!
O que me derruba é o que
Fora da mente aflora.
Obá Obá eu clamo!
Elefantes não esquecem
Mas tecem os planos da história;
Ganesha tem longos brincos
De correntes douradas puras,
Mas os lóbulos não tapam
Meu olhar das cheias da verdade.

sábado, 4 de março de 2017

Anjo Belafim

(On the Nature of Daylight - Max Richter)

Bela, Bela, Bela,
Primazia de mim.
Bela e traz a belazia
Carmim.
Bela, rosa e desabrocha
Rosadia em estopim.
Bela amarela no centro
Requentando o movimento
De rebrocha infinita
Expansão escorrida
Nas asas abrangidas
Rumo ao róseo afim...
Bela alaranjada colorida
E ramifica angelizada
Avermelhado alecrim.
Mas Bela, bela rocha -
Bela que este sempre foi teu fim.