segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Totem

(Shigeru Umebayashi - Lovers - Flower Garden)

Eu já me sabia
Desde sempre
Amor,
Mas não me conhecia.
Eu já entretinha
Essa velha sabedoria
No andor,
Mas de seus bordados não sabia
Os significados.
Eu seguia as escolas de amor
E me perdia em suas linhas:
As tragédias me doíam,
Os romances não convinham
E o realismo destruía a própria essência que mantinha.
Foi a modernidade que me entortou,
Eu dizia.
Cria a mente velha,
Fora desse dia-a-dia,
Mergulhada numa latência mais profunda,
Uma busca arredia
De propósito que o mundo descuidou.
Eu não sou daqui;
Eu não pertenço,
Mas não esqueço o passado
De que outra vida me dotou -
Ele está ali, doendo
Na lembrança de querer
O que em mim nunca brotou.
Pobre, pobre jovem
Que tive que enfrentar a solidão
Da modernidade
Para me encontrar.
A bem da verdade,
Eu não fazia ideia
De como me pensar
E recostava sobre o outro
Procurando apoio e alegria.
Mas o amor nunca foi externo.
Amar amor amoroso
- Não desses descalabros que se escutam por aí -
Faz uma curva mais esguia:
Primeiro entra e circula no pulmão
Pra só então, bem aquecido de vida,
Soprar no outro a emoção.
Amar é totem que te guia,
É a própria tapeçaria
Da tua composição.
Amor e solidão, eu te diria,
Andam juntos nessa Terra,
Pois o amor só se descobre por inteiro
Na casa vazia
Onde possa às suas raízes dar vazão.
Amor é mais que companhia -
É acompanhar-se todo dia
E assim ferver uma energia
Que vaza da palma da mão.
Como é tênue a lã que fia
A diferença entre amor e desilusão!
Tantos nunca a encontram -
Morrem no caminho
Ou passam a vida em desacalanto,
E quem chega lá pode tão facilmente desfiar...
Mas eu não desencanto
Da jornada de amar.
Eu canto todo dia o pranto da melancolia
Que alivia a minha dor;
Como marinheiro em romaria
Eu reconto a história de vida
Que a esse canto do mar me navegou,
Pois repetida a alegoria
A tristeza aos poucos se sublima
E condensa em felicidade
Sobre o conto que em mim ficou.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Ferrugem de Mar

Eu teria mergulhado tão profundo
No escuro
Por você.
Mas, enfim, não foi pra ser.
Teria me ancorado no breu do oceano
E respirado pelas brânquias
Que a vida de mergulhos me deu.
Contudo, entendo que o fundo não foi
A morada que você escolheu.

Entendo...

Hoje estou ainda atracado
Nalgum leito profuso
Mas não mais escuro
Pois o mar secou.
Apoio meus dois pés no raso
E vejo o sol brilhando ao lado;
E ainda que adorne de queimado
A pele agora quente de suor,
O grilhão enferrujado
E a história tracejada em minha memória
Não me deixam esquecer
Que aqui é o fundo de tudo -
Aqui de amor o mundo inundo
Mesmo sem água a me encher.

sábado, 15 de dezembro de 2018

As Escrituras

Como eu me explico
A quem não me sabe
Sem impor palavras duras
Que engessam a história
Num memorial à la Ramsés?
Como me narro
Sem me santificar
Num caminho único
De redenção para todos -
Como me livro de ser religião?
Como me livro
Sem correr o risco
De me encadernar em pautas finas
E linhas retas
Sem flexão ou movimento?
Quero me contar,
Mas talvez o eu-lírico se apodere do conto
E junte os pontos
Com outro discorrer.
Quero me guardar em algum lugar
Onde não me esqueça
E aos outros aqueça,
Mas nada garante que me lerei
Com olhos de encontro ao invés de lembrança
Ou que eles entendam o que tenho a dizer.
Talvez, enfim, eu deva me esquecer
E aceitar que num poema enterrado na gaveta
Eu esteja melhor representado
E a paz do silêncio e do oculto
Em mim prevaleça.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Floreio

Te desejo
Que floresças
Com raiz no escuro
Pois as flores regadas de escuridão
Nascem mais coloridas.
Te desejo
Completo
Pois incompletude corrompe
A busca dos ramos teus
Por amor.
Te desejo
Confuso
Pois a confusão desbalança
E sem desbalanço não há reequilíbrio,
Sem desbalanço não há reconstrução.
Te desejo
Em mim
Pois no eu corpo há morada pra ti -
Deixa eu ser o teu lar
Que tão bem me construí.
Te desejo
Espelho de água
Onde me veja inteiro
E mergulhe em busca do que não vi.
Te desejo sem freio no meu quadril
Pra que ele trema um shimmie
Mais intenso do que o coração jamais sonharia em pulsar
Espalhando por todo o corpo um sangue quente de movimento
Como o amor deseja.

sábado, 1 de dezembro de 2018

O Mergulho

O sino da danação ressoa
Me chamando no vento;
Minhas asas pretas chamuscam
Da queimação que arde no ventre
E se desfazem em cinzas no ar;
Os berrantes que levo na fronte
Tremem doloridos com cada badalada
A profanar os céus.
O fogo escorre dos olhos
Em lágrimas de lava rasgando a pele.
Mas se sou magma,
Sou pedra fervente.
Renascerei asas de labaredas vermelhas
E alçarei voo no denso subterrâneo
Onde a rocha se pertence.