sexta-feira, 22 de abril de 2022

Albatroz

Eu me lembro
De uma coragem ancestral
Que me banhou.
Suas águas correram por sobre minha pele
Limpando minhas chagas
E levando consigo a infecção.
A ferida, então, secou
E fechou
Curada de pura forma
No amor que me selou.
E eu me vi blindado
De uma plena nudez:
Me vi aberto e tomado
Por um estado
De torpor e lucidez.
E soube que a dor é duas:
Uma é dura, perpétua e escura
E agarra o peito em silêncio
Querendo fazer-me amargura
E fechar por inteiro meu Ser;
A outra é pura,
Um raio de plena loucura
Que passa com a fúria dos Sete Mares
Varrendo meu conceber.
Ela me leva às alturas,
Empurra minh'alma
Até as lonjuras
Do meu dolorido ascender.
E lá, nas nuvens inebriantes
Do desconhecido veloz,
Ela me faz albatroz
E eu mergulho do mais alto em mim,
Alcançando meu mais profundo
Num instante,
Num puro rompante
Que me faz novo respirar.

domingo, 10 de abril de 2022

A Sombra


(Hozier - Take me to church)


Meus silêncios não te bastam,
Eu bem sei.
Mas são os teus que me calam
E eu já não me acho
Em condições
De caçar palavras
Pra dizer-te segredos
Proibidos e, quiçá, indesejados.
Meus caminhos não te acham,
As trilhas talvez tenham se apagado
Ou estejam por demais distorcidas
E eu não consigo sair.
Seria tão fácil pedir
Que viesses aqui me encontrar,
Pedir que te perdesses
No meu labirinto de imagens,
Mas sei da injustiça que falo.
Seria cômodo fazê-lo desachado
Como me fazes;
Descasado do próprio estrato,
Lançado ao mar desalado.
Então não te peço.
Não faço.
Não dou um passo.
Mas meu coração petrificado
Pede por vida
E assim, ainda que em silêncio,
Escondido,
Doído e perdido,
Aqui eu te falo.
Aqui eu me encontro o suficiente
Pra te fazer um afago.
Aqui dou vazão
Ao sentido
Que em tua presença escondi
Por medo do significado.

Toujours

Inda me queda esperança;
Pois eu, em desesperança,
Me desespero por mim
E nos meus velhos desconhecidos
Me reconheço;
Me arrefeço o novo
E aqueço os velhos andores
Que reagem
E queimam
Cheios de fuligem que sobe
Como poeira e incenso aos céus.
Y así sé que todavía seguimos nosotros aquí,
Noi che siamo i miei vecchi abiti,
Sicut radices quae adhuc inter spinas florebit.

Meus sonhos sobem à flor da pele
E vazam seus medos, anseios, desejos,
Seus irrestritos desfreios
Que de tão meus
Parecem alheios,
Achados somente em multidão
Nos demônios que me encontro
Feito legião
Com asas de anjos que me elevam ao mais alto
E agridoce céu,
Feito inteiro de fel.
Y aunque no pueda sanarme,
La vita mi ballerà verso di me,
Et hoc satis est ad me.

Inda soy qui,
Inda per mí,
Inda mentre tutto que yo sofrí
Sonreí
,
Y así mismo ho fato il destino
Come camino diverso,
Mea verita semita,
Senza seguire il significato eccessivo delle parole stesse.
Las palabras son mías,
Non io di loro
,
Mas, para dizê-lo, me rendo
Ao palavrório que ainda habita
No recôndito de mim.