segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Tempestades

Levo no peito as marcas
Que moldaram meu amar.
Mas, por mais que o tenham lapidado
Contornando seu caminho
Num desenho por vezes dolorido,
Repleto de alertas
Dos deslizamentos
Que tão facilmente reabrem machucados...
Por mais que tenham me formado
Esculpindo a pedra porosa de mim,
Fazendo-me esponjosa carne
Que se embebe e avinagra
Quando as ondas vêm
E molham minhas cavernas
Com seu salgado rebentar...
Por mais que às vezes creia empedernido
Meu coração de espera;
Que pense inflexível
Meu agarro a dores velhas
E a traumas já passados;
Por mais que me canse do meu esquivo amor de horas
Que se apaga como o céu
Quando as sombras nebulosas
Lhe vêm, pela manhã, amargurar...
Por mais que todo o meu ser seja moldado desse estupor,
Ainda corre entre seus átrios
Um jorro vermelho de vida
Pulsante, furiosa e abrasiva
Que, de vez em quando,
Derrete meu penedo amargo
E faz, outra vez, fluir em mim
Como um raio
O estado das antigas monções
Que me encharcavam de carmim
E faziam meus olhos brilhar
De uma paixão fulminante
E um sonho de verão;
Um sonho de tempestades acachapantes
E um tremor que faz ruírem
As pilastras do meu forte
E me faz temer a morte –
Temê-la tanto que quase desejo morrer
De sua canção devoradora.
Um tremor que me faz desejar que, de tanto cantar, 
Eu me esqueça de mim
Nas nuvens negras que me lavam o firmamento
E me derreta nos teus braços –
Tu, que não me crês,
Mas que me podes tão bem crer;
Que nem imaginas as tempestades
Que já tens provocado
No meu querer. 

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