quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Trama

Trama rondava silencioso e imponente na selva,
O brilho magenta de seu pelo laranja e listras pretas
Tremeluzindo na desilusão de cores da mata.
O chão rugia silencioso no seu passar
Um prenúncio de poder e infinita calmaria.
As garras de Trama arranhavam o solo
Despindo-lhe a dureza e regenerando em adubo.
A dança esguia por trás da ramagem
Se confundia com o olhar penetrante
Que numa repentina aparição causava paralisia.
Quis um dia o destino que Trama seguisse
Pelo jardim da clareira Utopia
E lá seus olhos de abundante tremor e vida
Avistassem uma rosa arredia.
Ali jazia o mito: outra cria do tempo
Tão forte e delicada quanto Trama
Balançando suave nas curvas do vento
Com um único grande olho girando no mundo
Até que sua íris cruzou com as pupilas do tigre
E num encanto avermelhou-as.
Trama se aproximou
E com um leve gesto tocou o focinho em suas pétalas
Tragando sua coloração.
Embriagado no perfume da rosa,
Beijou-a.
A rosa, porém, escondia um espinho
E no beijo ele se envenenou
Enquanto suas presas arrancaram as pétalas da flor.
Machucado e para sempre marcado,
Com olhos vermelhos Trama se retirou.
Eis, pois, que nem sempre o poder e a delicadeza
São suficientes para uma história completa compor.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Faz Paz e Cais

(Swim - Madonna)

Faz outra vez que passo
Aquém da ponte colorida
E raso os pés na lama
De anterioração

Paz outra vez de deterioração
Que não nado na forte corrente
Dos fatos de agora
E fico na pele do fosso
Pelando o redemoinho do meu ardor

Cais outra vez que fico
Pés zarpados ao passado
Olhos estagnados no futuro
E cruz pregada ao firme chão
De tábuas tremulando nas ondas
Que o longínquo barco me machuca
Em arrebentação

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Fúcsia

Eu lhe apetisco
Como um lombinho -
Coma aqui -
E já te saciou.
Saco que sou -
De porrada,
Escroto,
Vazio.
Morde aqui o meu calombo
Que ele combina mais com teu dente;
Degusta meu quente
Que tua língua vai virar cinzas.
Eu não te apreço?
Eu não te aprazo?
Essa é a pena de quem vive de preços e prazos.
Eu te amaldiçoo a ser pequeno no espírito.
Eu te bruxo ao simples puxo de uma tragada de vida
E que ela não traga mais nada.
Eu te rasuro de monstro no quadro
Pra que o teu fado toque sempre desafinado
E não seja moderno,
Só malogrado.
Eu te puro,
Pois puro já és um punhado de estragado.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Calefação

(I'm a Sinner - Madonna)

Cai-cai
Vai e decai de emoção
Mas Mordecai à razão
Ainda me jogam na fornalha
Pela excessiva azaração
E eu na danação permanecerei ereto
Ardendo poeta
Caindo de amor pagão

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Loló do Amor

Ela é a última vez
Que arranco meu coração
Correção de seiva fanática
Farrática
Fatálica
Fantasmagórica fálica

Ela é a última
Fantastificação
Que a minha fatificação
Construirá.

Esta é a única mancha no meu caderno
Coberta de desodorante
E ponto.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Cata(c)lis(m)ação

Frago de muitos jeitos -
Hormônios desconhecidos
Ou cheiro de rosas endemoniadas;
Cravo espinhos prazerosos na carne
E rasgo fendas de dor dormente na lateral do corpo -
Você não me conhece;
Não me conhece nem um pouco.
Eu sou um vaso de cristal inquebrável,
Quebrantável mas alado de traços que farpam os dedos.
Eu sou o primogênito do ódio com o amor,
Descendente direto da frieza e do calor,
Irmão da ardência cheia de sabor.
Eu vivo de sensações que você sequer sonhou.
Eu sou o controle caótico do ser,
Posso com Deus e o Diabo
Numa mesma mesa de jantar.
Eu sou a mais absoluta mistura,
Indissolúvel e indigesta,
Do absurdo canalizado humano
Ou não.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Puratara

Hoje eu não vou te descrever pelos olhos da alma
Porque os que te enxergam são carnais
Fotografando tua pele esculpida de bronze líquido
Pingando da minha boca.
Hoje não tem sentimentalismo frouxo;
É dia de sol escaldante pra suar o teu cheiro
Na minha roupa
E sujar as memórias sacrossantas
Com um presente seboso de baba
Por todo o corpo.
Hoje é dia do corpo nu
Que, pés nos pés,
Coxas nas coxas,
Barriga nas costas
E nariz no cangote
Amanheça esquisito, gostoso,
Esquecido e lembrado
Só para a minha língua resgatar o teu sabor.

sábado, 17 de dezembro de 2016

Eres Burro, Bambino

(Mambo Italiano - Sophia Loren)

Ché cosa, bambino!
Il ragazzo non fa più que o cantinho passaredo
Bem passarinho pousador te cantando
Più! Più! Più!
Pero no más -
El chico hay nacido sin chocar!
O pintinho sabe só pintarolar,
Viveu pra ser clara mole
E gema dura.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Valladolid

(Lovers: Flower Garden - Shigeru Umebayashi)

Num crepúsculo noturno de outrora
Acordei nos campos de Valladolid
Deitado à luz do sol nascente.
E eu, que viera de tão longe
Embalado no colo dos deuses,
Letargi sobre a grama fria de orvalho
E sob o morno ensolarar.
As águas dos rios se cruzavam
Debaixo do toque da minha mão estendida
Num som de contínua vazão.
Um olho fechado recostava na terra,
O outro viajava entre céu, água e chão.
Um corpo quente veio até mim,
Deitou nas minhas costas
E beijando o pescoço
Soltou uma calma respiração no ouvido.
Afundou sobre mim seu peso
Mergulhando meu corpo na grama molhada,
Tornando-me metade verde e marrom na sujeira
E a outra vermelha de sol e ruborização.
Ali mesmo nos fundimos,
Na cidade do sol nascente
E dos rios convergentes
Onde à terra me recolhi.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Jupitália

Guarda Júpiter um segredo no céu estrelado.
Por detrás dele, gigante, brilhante e manchado,
Há uma névoa formada do veneno de infinitas cobras
Escondidas na imensidão de um pequeno ponto prateado no espaço;
Há uma névoa de infinitas trovas
Cantadas a Júpiter
Mas não;
Trovas cantadas à negritude eterna por trás dele -
Trovas das trevas.
Trevas da bola cintilante no espaço
Que ressoam na Terra como um pequeno espasmo
E quanto mais se afasta, mais escasso
Enquanto Júpiter brilha vermelho sangue
Nas veias dos olhos de um ser
Que, não se sabe,
Habita a Terra, a penumbra ou o infinito invisível.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Conteúdo inútil

Conteúdo inútil
De um niilismo frouxo
Que vem e que vai
De um absurdo
Que não convalesce
De uma situação
Que não se absurdece
De uma tração
Que não se escreve
De uma posição
Que não se enraivece
De uma tração
Que não enlouquece
Do conteúdo inútil de que insuficiente abastece

Acabado

Amor,
Olha o quanto, mais uma vez,
Trezentas,
Eu sou brega e apocalíptico
Hollywoodiano
Meio cubano utópico
Floriano
Republicano até
Pagodeiro
Pago derradeiro uma rima estúpida
Por você!
Por você eu me desurbano
Eu tão humano
Me ridicularizo
Eu friso o quanto arrisco
Pra frisar um sentimento
Calado.
Eu me calo pra declamar
Um poema fácil
Que roubei de outrem
E assim mesmo me acabei.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Afazeres

O problema dos poetas é a problemática -
Às vezes são eles o problema
Às vezes são o poema
E às vezes são a enigmática, afinal
Pois os poetas são afazeres.