Não é todo ano que tenho a oportunidade de assistir uma nova obra de um de meus diretores preferidos, muito menos uma reconhecida obra prima, digna de todos os elogios que vem recebendo na temporada. Estou falando do longa-metragem Black Swan, de Darren Aronofsky, diretor de grandes clássicos do cinema contemporâneo, como Pi (1998) e Requiem for a dream (2000). O filme foi louvado pela crítica, e especial destaque deve ser dado à atuação de sua protagonista Natalie Portman, no papel de Nina Sayers, que faturou inúmeros prêmios por sua performance, entre eles o Oscar de melhor atriz.
Black Swan não é, como descreveu seu próprio diretor, uma história essencialmente realista, mas antes de tudo um conto do embate entre luz e trevas que a tanto fascina a humanidade. A trama, que parece desenrolar-se numa eterna crescença emotiva, é bem típica de Aronofsky, com todas suas subjetividades, mensagens subliminares e detalhes psicológicos que enlaçam o espectador atento, mas podem facilmente cair em confusão. A narrativa soa como uma sufocante ascensão, que devora o público com suas jogadas de suspense e as pequenas mutilações físicas sofridas por Nina, forçando o espectador a uma sensação de "estar na pele da protagonista".
Nina Sayers é uma bailarina novaiorquina de uma prestigiosa companhia de dança. Sonha em ter o mais importante papel na próxima apresentação, uma releitura do "Lago dos Cisnes" de Tchaikovsky, como Rainha Cisne. A trama do filme gira em torno da tentativa de incorporar as duas facetas de sua personagem numa mesma performance, ao mesmo tempo em que luta com seus próprios demônios e descobre outro lado de sua personalidade.
A história traça um claro paralelo com a obra de Tchaikovsky (a trilha sonora, por exemplo, é inspirada nas músicas da peça), e talvez por isso beire o clichê. Mas isto já é prontamente anunciado no próprio filme, quando, ao declarar a escalação de uma nova protagonista, o diretor da academia, Thomas Leroy (Vincent Cassel), diz estar ciente da obviedade do espetáculo, mas expressa seu desejo de realizar uma releitura da obra. Assim, desde o princípio vemos traços do confronto entre os cisnes branco e negro na personalidade de Nina (desculpe se dou a impressão de um spoiler, mas este cisma na mente da personagem é nítido quase desde a primeira cena).
Contudo, Sayers parece não conseguir auferir as características do obscuro cisne negro. Sua interpretação é metódica, mecânica ou mesmo frígida (usando as palavras de Leroy). Thomas tenta extrair de sua bailarina a liberdade e incandescência deste lado sombrio da personagem, que ele diz saber existir nela. De fato existia, mas num grau de obscuridade digno do próprio cisne negro. Inspirada em seus modelos de perfeição e sensualidade, em especial Beth MacIntyre (Winona Ryder), a antiga estrela da companhia que está indo em direção a uma aposentadoria forçada, como ideal relacionado ao cisne branco (Nina rouba pequenos artefatos de seu camarim; esta, porém, não é uma figura tão intensa, já que, como disse Leroy, o cisne branco não representava um problema para Nina), e Lily (Mila Kunis), uma recém-chegada bailarina, como símbolo do cisne negro. Esta última merece atenção especial.
É interessante notar que ao longo do filme existem duas Mila Kunis: Lily, a bailarina amiga/inimiga de Nina, que tenta tratar com gentileza a nova estrela da companhia ao mesmo tempo em que, de certa forma, inveja sua posição recém-adquirida de estrela, e o cisne negro, figura de inspiração criada pela imaginação de Nina como o ideal daquilo que Leroy deseja que ela incorpore em sua apresentação. Podemos identificar aqui o discurso filosófico que jaz subjacente às histórias, tanto da peça quanto do filme: a busca pela perfeição. A personagem de Natalie Portman possui uma noção de perfeição técnica e exterior que é logo refutada no filme, forçando-a a partir em busca de uma nova vertente do conceito: a perfeição interior, digamos; o sentimento. Neste sentido a mensagem do filme é um tanto quanto metafísica: perfeito é o sentimento mais puro e completo.
Ao mesmo tempo temos duas grandes influências sobre Nina: sua mãe, Erica Sayers (Barbara Hershey), que instiga seu aperfeiçoamento técnico e sua bondade de espírito, portanto seu cisne branco, e Thomas Leroy, o diretor do balé, que tenta levá-la a desenvolver sua sensualidade e liberdade expressiva - seu cisne negro. Este embate de forças é um dos fatores que acaba levando à ruptura definitiva na personalidade de Nina, aliado à tremenda tensão envolta no trabalho e sua própria predisposição a este rompimento. Podemos dizer que são mãos que puxam-na em direções extremas da perfeição.
A genialidade do filme parte deste tema, mas depende fundamentalmente do estilo do diretor e de sua capacidade de fazer-nos imergir nesta luta intensa em busca da perfeição: ao ver o filme, tornamo-nos parte dele, ansiamos pela perfeição, pelo sentimento mais puro e vívido e, então, com um traço da genialidade de Tchaikovsky, chegamos a este nível máximo e ao êxtase sublime e pleno que invade a mente como uma descarga elétrica que repentinamente alivia e satisfaz. Claro que não cabe a mim entregar como chegamos nesta perfeição, nem o que é esta perfeição (sempre lembrando que estou falando do conceito de perfeito segundo o filme). Com certeza é um filme indispensável, que entrou para o rol de grandes sucessos turbilhonantes de Aronofsky.
Título: Cisne Negro (Black Swan)
Diretor: Darren Aronofsky
Roteirista: Andres Heinz
Elenco principal:
Natalie Portman
Vincent Cassel
Mila Kunis
Barbara Hershey
Duração: 108min
Lançamento: 01/09/2010
Distribuidora: Fox Searchlight Pictures
Avaliação: Ótimo
Nina Sayers é uma bailarina novaiorquina de uma prestigiosa companhia de dança. Sonha em ter o mais importante papel na próxima apresentação, uma releitura do "Lago dos Cisnes" de Tchaikovsky, como Rainha Cisne. A trama do filme gira em torno da tentativa de incorporar as duas facetas de sua personagem numa mesma performance, ao mesmo tempo em que luta com seus próprios demônios e descobre outro lado de sua personalidade.
A história traça um claro paralelo com a obra de Tchaikovsky (a trilha sonora, por exemplo, é inspirada nas músicas da peça), e talvez por isso beire o clichê. Mas isto já é prontamente anunciado no próprio filme, quando, ao declarar a escalação de uma nova protagonista, o diretor da academia, Thomas Leroy (Vincent Cassel), diz estar ciente da obviedade do espetáculo, mas expressa seu desejo de realizar uma releitura da obra. Assim, desde o princípio vemos traços do confronto entre os cisnes branco e negro na personalidade de Nina (desculpe se dou a impressão de um spoiler, mas este cisma na mente da personagem é nítido quase desde a primeira cena).
Contudo, Sayers parece não conseguir auferir as características do obscuro cisne negro. Sua interpretação é metódica, mecânica ou mesmo frígida (usando as palavras de Leroy). Thomas tenta extrair de sua bailarina a liberdade e incandescência deste lado sombrio da personagem, que ele diz saber existir nela. De fato existia, mas num grau de obscuridade digno do próprio cisne negro. Inspirada em seus modelos de perfeição e sensualidade, em especial Beth MacIntyre (Winona Ryder), a antiga estrela da companhia que está indo em direção a uma aposentadoria forçada, como ideal relacionado ao cisne branco (Nina rouba pequenos artefatos de seu camarim; esta, porém, não é uma figura tão intensa, já que, como disse Leroy, o cisne branco não representava um problema para Nina), e Lily (Mila Kunis), uma recém-chegada bailarina, como símbolo do cisne negro. Esta última merece atenção especial.
É interessante notar que ao longo do filme existem duas Mila Kunis: Lily, a bailarina amiga/inimiga de Nina, que tenta tratar com gentileza a nova estrela da companhia ao mesmo tempo em que, de certa forma, inveja sua posição recém-adquirida de estrela, e o cisne negro, figura de inspiração criada pela imaginação de Nina como o ideal daquilo que Leroy deseja que ela incorpore em sua apresentação. Podemos identificar aqui o discurso filosófico que jaz subjacente às histórias, tanto da peça quanto do filme: a busca pela perfeição. A personagem de Natalie Portman possui uma noção de perfeição técnica e exterior que é logo refutada no filme, forçando-a a partir em busca de uma nova vertente do conceito: a perfeição interior, digamos; o sentimento. Neste sentido a mensagem do filme é um tanto quanto metafísica: perfeito é o sentimento mais puro e completo.
Ao mesmo tempo temos duas grandes influências sobre Nina: sua mãe, Erica Sayers (Barbara Hershey), que instiga seu aperfeiçoamento técnico e sua bondade de espírito, portanto seu cisne branco, e Thomas Leroy, o diretor do balé, que tenta levá-la a desenvolver sua sensualidade e liberdade expressiva - seu cisne negro. Este embate de forças é um dos fatores que acaba levando à ruptura definitiva na personalidade de Nina, aliado à tremenda tensão envolta no trabalho e sua própria predisposição a este rompimento. Podemos dizer que são mãos que puxam-na em direções extremas da perfeição.
A genialidade do filme parte deste tema, mas depende fundamentalmente do estilo do diretor e de sua capacidade de fazer-nos imergir nesta luta intensa em busca da perfeição: ao ver o filme, tornamo-nos parte dele, ansiamos pela perfeição, pelo sentimento mais puro e vívido e, então, com um traço da genialidade de Tchaikovsky, chegamos a este nível máximo e ao êxtase sublime e pleno que invade a mente como uma descarga elétrica que repentinamente alivia e satisfaz. Claro que não cabe a mim entregar como chegamos nesta perfeição, nem o que é esta perfeição (sempre lembrando que estou falando do conceito de perfeito segundo o filme). Com certeza é um filme indispensável, que entrou para o rol de grandes sucessos turbilhonantes de Aronofsky.
Título: Cisne Negro (Black Swan)
Diretor: Darren Aronofsky
Roteirista: Andres Heinz
Elenco principal:
Natalie Portman
Vincent Cassel
Mila Kunis
Barbara Hershey
Duração: 108min
Lançamento: 01/09/2010
Distribuidora: Fox Searchlight Pictures
Avaliação: Ótimo
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