quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Cristianismo e a pena de morte

Assisti recentemente a um vídeo que trata das "normas culturais", como seu autor propôs, que apoiam a pena de morte na sociedade americana. Segundo ele, o fato de o Velho Testamento da Bíblia fazer uso dessa sanção para inúmeros crimes bíblicos leva os americanos a aprovarem-na. Pela primeira vez aqui em meus textos me vejo defendendo a religião do que creio ser uma acusação injusta - a instituição de penas pode ter tido relação com a prática religiosa no passado, mas desde então era uma atividade concentrada sob as autoridades instituídas; ademais, o afastamento da pena de morte na sociedade é um processo extremamente recente (que ainda não terminou, como o fato de alguns estados americanos ainda a usarem demonstra) que inclusive adentra nossa era de secularismo e laicismo do Estado.
Quando falamos de penalidade em sociedades antigas, em geral notamos uma intensa brutalidade em sua aplicação, ao menos se comparada com o Direito Penal moderno. Uma das mais famosas instituições desse tipo é a chamada Lei do Talião, o famoso "olho por olho, dente por dente". Apesar de retratado na Bíblia, esse sistema também é característico do Código de Hamurabi, uma das primeiras codificações legais da humanidade, na Babilônia. O nome pelo qual conhecemos a lei hoje em dia (lex talionis), indo mais à fundo, tem origem no sistema legal romano, que eventualmente substituiu a "vingança institucionalizada" da Lei por uma compensação monetária. A literalidade vingativa do sistema, contudo, chegou a ser empregada nos tempos da Roma monárquica. Isso significa que a Bíblia, por mais que contenha elementos do Talião, não foi a precursora do sistema (acredita-se que tenha se inspirado nas leis babilônicas) nem sequer a única a promulgá-lo - pelo contrário: instituições que são consideradas fundamentais no processo de instauração do nosso sistema legal também o fizeram.
Mas nem precisamos ir tão longe. Mesmo em tempos de constituição do Estado moderno a pena de morte era empregada, e em geral para mais crimes além do "mero" homicídio. Trair o monarca, por exemplo, era um crime passível de morte. Ora, até mesmo a Revolução Francesa, símbolo maior do processo de republicanização do Estado, fez vasto uso da pena de morte, e não devemos esquecer que boa parte dos expoentes da Revolução queria a extinção do cristianismo, pelo menos no início do processo.
As teorias da pena começaram a aflorar, de fato, ao longo dos séculos XIX e XX, visando estabelecer princípios gerais para a função da pena no meio social. A pena passa a ser vista como retribuição estatal a uma determinada ação (em outras palavras, punição) ou como um meio de reintegração social, para citar duas correntes básicas. Ambas proposições ainda existem e entram em conflito constantemente no meio jurídico. A vertente da reintegração social é, hoje em dia, predominante, mas há críticas contundentes a suas proposições (não vou me delongar em suas explicações para evitar divagações). Por outro lado, o retribucionismo também persiste, e é forte em especial na opinião pública. Creio que mais que um simples "olho por olho", as pessoas gostam da ideia de que quem praticou um crime seja punido por seus atos, e esse é o principal conflito filosófico que leva uma parcela significativa da população a apoiar a pena de morte - e que essa última parte fique em ressalva - principalmente em casos de homicídio, em geral nos mais hediondos.
O cristianismo, afinal, se baseia na Bíblia - mas a maioria de seus fiéis impõe leituras reflexivas sobre o moralismo bíblico, e portanto não acredita na pena de morte como solução para todos os crimes para os quais ela é instituída em sua literalidade. Seria equivocado afirmar esta suposta relação entre cristãos e a pena de morte quando a grande maioria deles não é fundamentalista a esse ponto.

Só para complementar, este é o vídeo em questão:
http://www.youtube.com/watch?v=zl2Tye1IqJc&feature=feedf

Um comentário:

  1. Escrevi um comentário a esse post, mas como ficou maior do que os comentários costumam ser, transformei-o em um post no meu blogue: http://migre.me/5Bwf0.

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