sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Marola da poesia


Para Jonas, elas eram simples. Diziam menos que imagens, seja qual for o significado disso. Ele as via como os ordenamentos das salas. Primeiro na escola, onde elas regraram-no. Depois no escritório, onde abundavam imperantes num mundaréu de documentos. Reconhecia sua utilidade. Também seu valor, quando um best-seller cativava-lhe apetitoso, as histórias contadas tão curiosas. Sabia também do seu agrado, as conversas de boteco, as piadas, cantadas e até desabafos, quando se faziam necessários. Ele as entendia, mesmo tendo esquecido o seu nascente, quando ainda pequenino lutava para juntar aqueles sons embaralhados, como se agitando um chocalho tentasse arrancar dele compreensão. O fato era esse: ele as compreendia agora, e isso bastava a qualquer um. Seu manejo era fundamental, e ali jazia sua vida.
Mas à palavra não bastava a malemá honraria.
Quando uma pomba branca pousou na janela do loft de Jonas, a princípio ele a viu com admiração. A beleza de um raro bicho desses em meio à cidade tão habituada às espécies cinzentas, malhadas, molhadas das poças nas guias, sujas de poluição. Depois... Não, não era possível uma ave tão límpida naquela decrépita paisagem. Devia ser domesticada, melhor procurar o dono. Ou seria algo mais? Um presságio de paz? O espírito de Deus incorporado? Uma reencarnação? Deveras faltava sentido nessa manifestação. Ergueu-se do assento para se aproximar, mas ela negou-lhe o contento e planou rumo à árvore no outro lado do quarteirão. E ficou ali, parada, entre os fios elétricos e a dúbia sensação.
Jonas sentiu-se engolido por essa passagem. Largado em sua imaginação, meditou os descaminhos da pomba, os mistérios de sua aparição. Os pensamentos inundavam-no. Será que viera dos céus? Brotara do chão? Não era mais um simples bichano. Era o elixir de um insano espiral mente adentro, o pano de fundo da sua loucura, o tecido no qual bordava uma sensação, e outra sucessiva, atabalhoando-se passo a passo numa confusa viagem.
A margem do pombo virava distante, a rua era de lava sobre a qual não podia saltar. A escassa imagem das penas áureas migrava na mente, fomentando uma nuvem a encobri-lo. E dentro do vapor uma metamorfose se impôs, transportando-o alto, longe do apartamento, da árvore e da cidade. Via-os todos, mergulhados na correnteza de palavras que nunca estiveram ali. Ou estavam? Elas compunham o todo, cada qual transformando-se em paisagem. Havia nada de decrépito ali, era tudo miragem encorpada num frenesi.
O fluxo jorrava pulsante, irrigando os neurônios a se iluminarem. Eram tantas as palavras que as encruzilhadas foram inevitáveis. Misturas rebeldes, neologismos, aneurisma de correlações. Logo reinvenções, novidades ou só puros sons. A tonalidade do cérebro em meio à corrente mudava, de ilhada, a estrada, a rapsódia, a mente encontrava seu timbre, libertrabalhada. E como o barulho dos trilhos acalmando-se inconsciente depois de passados os vagões, lentamente ela retornou.
Jonas pousou perplexo. Feixes de luz ainda cruzavam seus olhos. A marola das palavras, a ressaca da poesia, é forte demais para tragar. Exausto, recostou na cama cabisbaixo. Transcorridos alguns segundos, tomou coragem e olhou lá fora. Lá estavam a cidade, a árvore e a pomba, e também os seus signos. E a vida seguiu. Talvez Jonas não tenha percebido como cada imagem está tão recoberta de palavras ao ponto de ser impossível não ser inundado, devorado, tomado por elas em cada olhar fulminante no qual recaímos. Ou, quem sabe, algo mudou.

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