sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Sereneio


A cerejeira é minha árvore favorita. Gosto de descrevê-la assim. "Preferida" denota dubiedade, como se houvessem outras rivalizando-a. Não. Eu caí nas suas graças, no seu favor de deusa enrubescida, amorosa, quando num sonho de outono suas plumas róseas acariciaram minha face enquanto ela se sacrificava por mim, soltando-se leve no espaço entre seus delicados braços e minha cabeça.
Seu encanto é esse, afinal. O choro dengoso com que abraça o ar, e depois a grama. Lacrimosa. Amena. Imagino-me ela, toda sua paz e silêncio, sussurrando uma fina bruma no seu floreio, minguando no céu entre as nuvens, passando por ave quando balança lenta no vento estiado, contrito em tocá-la.
O desejo de ser rosa e vermelha sempre me vem à mente, mesmo compreendendo-o pouco. Entendo a vontade; o ser é que me comove. Talvez simbolize o poente, o chamado do sol à natureza dizendo  "descanse". O canto final dos pássaros e os mais belos reflexos nos riachos. E percebo como tudo cheira a sereno, mas não um odor de paz, tão somente. Pacificação - o rumo de um enredo. A viagem do corpo dormente, chegando no sono, no fantasmagórico estrato de mitificação.
Aquilo que vejo numa cerejeira é o sonho de um brilho rosado na escuridão. A chama da graça, da santificação, do corpo remido remando numa constelação. É dispersão em meio a uma nebulosa qualquer vagando o Universo num toque, numa palavra, num som. A mim, cerejeira soa como uma canção - que resvala, conforta e ecoa numa simples visão.

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