Deveria haver um poema que resumisse o meu tudo.
Eu deveria ser seu autor.Mas a minha poesia é feita de cacos -
Pedaços avulsos que raramente formam uma imagem completa,
Apenas fragmentos esparsos de um quadro maior.
Minha poesia são os instantes,
Os relapsos rompantes de sentimento agudo
Como uma fotografia clicada na fúria dos fins de Ato
Que condensam a vida num seu extrato
Sem mostrar do roteiro a química extra
Que moldou seu contralto.
Deveria haver um poema que me entendesse
E eu deveria ser seu autor,
Mas eu só me entendo em pedaços
Quando em frangalhos eu me esparramo no asfalto
E coleto meus trapos rasgados.
Só então observo suas linhas de perto
E examino meus percalços;
Um exame que só alcanço quando me rasgo.
E a tapeçaria completa, então, como fica?
Será que não posso me ler inteirado?
Será que ler meus fiapos sequer pode ser
O mesmo que me ler?
Não reside aí um problema humano
Do qual o poeta deveria saber fugir?
Que escritor é esse que pretende entender as humanidades
E não consegue sequer se enxergar inteiro
Para se descrever?
Será que mentem os artistas que fingem saber?
Pendo inevitavelmente a crer que sim.
A mim parece que os artistas remendam cacos
E eventualmente têm a sorte de um humano completo conceber.
Ou isso é só inveja de quem não o consegue fazer.
Inveja de quem permanece nas suas facilidades
E não quer se dar ao esforço de enfiar a cabeça
Debaixo das grades do portal
E enxergar o lado de lá.
A minha fraqueza é tal que os olhos não permitem
Transitar entre as formas de mim.
Eu não devo poder navegar nos meus tempos
Pois o deus tempo no passado me amaldiçoou
Com as dores da mente que me naufragaram
No mar das possibilidades perdidas.
Eu sou para sempre um semi-humano
Limitado pela cabeça que a vida me obrigou.
Eu sou para sempre humano demais para transcender
Como outros humanos souberam fazer.
Eu pêndulo entre tocar o divino e desvanecer
E na minha humanidade me confino
Oscilando na perda de tempo
Que é a vida a correr.
Eu me deprimo e me corroo
E não consigo me desenlaçar
Dos infinitivos superlativos
Das palavras rebuscadas e conflitivas
Que exprimem a minha condição
Descolada de mim
Sem entender como pode
Que eu me destrua
Se tão bem armada
A minha fachada eu fiz parecer.
Eu sou como a catedral estrelada
Cujos arcos são o céu
Vazio e alheio
Que eu quis me crer.
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