Outro dia envolvi-me, acidentalmente, numa discussão sobre a política no Brasil. O assunto era geologia e os recentes desastres naturais registrados no planeta relacionados ao tectonismo. Comentei que me sentia feliz por morar num país majoritariamente livre desse tipo de problema específico, e imaginem minha surpresa ao ser reprovado por estar "contente" com a realidade brasileira. A condenação, por mais logicamente amorfa que pareça, referia-se ao momentum político nacional: é triste viver numa terra de "pessoas inativas e políticos que são piores que terremotos", para citar literalmente a resposta.
Imagino que compreendam o quão acidental foi meu tropeço sobre esta questão, já que falávamos geologicamente e, de súbito, revertemos a discussão para a "roubalheira nacional". Honestamente quase não sei explicar como chegamos a este assunto. Quase. Na verdade, esta visão sob a qual fenômenos tão díspares quanto placas tectônicas e partidos políticos podem ser tão intimamente tratados não me surpreende; parece que nós, brasileiros, adoramos falar de política, puxando-a por intermédio de qualquer subterfúgio encontrado no caminho.
Bem, sejamos honestos: preferimos falar de políticos - esses coronéis latifundiários engravatados de Brasília, que desviam verbas da construção de escolas e hospitais para administrar seus canaviais na fronteira do desmate amazônico. Não entendam mal a ironia, sei que há figuras do tipo no país (não necessariamente com todas estas características num só "caudilho mau", mas dá para entender a ideia), e também os desprezo; mas entre criticar os corruptos e descrever a classe política como um covil de ladrões há muitos passos.
Acredito ser mais empírico dizer que atacamos aquilo que os franceses chamam La Politique. Há, na França, uma clara diferenciação entre essa, que significa as interações entre partidos e o jogo de poder entre indivíduos e instituições, e Le Politique, cujo significado, embora vago e ainda sem acordo entre os principais teóricos políticos, remete a uma ação nacional ou Estatal em prol da comunidade, ou seja, políticas públicas referentes ao dia a dia da administração de um Estado. É fato que criticamos também Le Politique, e isso está relacionado a La Politique, como veremos adiante.
Precisamos ser claros: criticar as autoridades não é errado, muito pelo contrário - acarreta várias vezes na transformação do ambiente político e é um saudável exercício de cidadania, vital para a democracia moderna. O problema surge quando criticamos todo o universo político simplesmente por criticar e, pior, sem necessariamente saber a natureza ou o motivo da crítica. Aparecem, então, generalizações obtusas, que vão desde "político é ladrão" até absurdos "temos de matar os políticos", como se exterminar os representantes da sociedade (bem ou mal, o povo votou neles) fosse produzir algum bem milagroso para a nação.
Boa parte deste raciocínio está baseado no equívoco do "outro": quem faz a besteira de eleger um deputado ladrão nunca sou eu, é sempre "o brasileiro". É meu irmão? Não. Meu primo? Não. Meu vizinho? Também não. É simples e genericamente o indivíduo nacional incompetente que não sabe votar e não se interessa pela vida política ativa. Criamos uma categoria abstrata de cidadão: aquele que não se vê (que provavelmente vive na favela, afinal, é um ignorante), mas está constantemente estragando nossas vidas com seu voto deficiente.
Este tipo de alegoria a um "brasileiro" obscuro é constantemente conclamada, mesmo já tendo sido rejeitada pela ciência política, que indica numa clara racionalidade por parte do eleitorado na hora de escolher seus representantes. E isto não se refere exclusivamente às classes alta ou média, mas também às mais baixas.
Ademais, este ódio à classe política não é exclusividade brasileira. Na verdade, a ciência política estuda um fenômeno global chamado "crise da representatividade", que indica uma insatisfação generalizada com as classes políticas. Este descontentamento tem como causa primordial a desconfiança social em relação aos atores políticos, produzida pela não-eficácia executiva e legislativa destes. É importante realçar neste ponto que não-eficácia não significa necessariamente roubalheira - dirige-se, antes disso, ao enroscamento no sistema político, que acaba não conseguindo tomar medidas efetivas.
Simultaneamente, temos a perda da identidade partidária: partidos que não mais representam ideologias expressas, o que os faz parecer "farinha do mesmo saco". Um exemplo disso são os Partidos Liberal e Trabalhista do Reino Unido, acusados por especialistas de terem aproximado-se a tal ponto que se tornaram, na prática, a mesma coisa, e que acabaram perdendo espaço no Parlamento para o Partido Conservador após décadas de hegemonia política.
Todos estes fenômenos políticos acabaram por gerar aversão a políticos que, não nego, até é fundamentada em alguns casos. O problema é que daí partimos para um ódio generalizado à classe política, o que não só é absurdo, mas também extremamente injusto: há, sim, pessoas tentando fazer o bem para a sociedade na política. Aliás, nem são tão minoritários quanto se pensa. Temos de pensar muito bem antes de julgar todo um complexo emaranhado composto por pessoas das mais diversas convicções pelas ações de uma pequena parcela prosaica.
Mas falar mal de políticos é tão fácil! A sensação de corretude política ou complexidade de raciocínio é tão sedutora que frequentemente nos permitimos viajar por estes mares de intelectualidade simplificada com a maior soberba possível. É bonito, ao que parece, ser antipolítico.
Imagino que compreendam o quão acidental foi meu tropeço sobre esta questão, já que falávamos geologicamente e, de súbito, revertemos a discussão para a "roubalheira nacional". Honestamente quase não sei explicar como chegamos a este assunto. Quase. Na verdade, esta visão sob a qual fenômenos tão díspares quanto placas tectônicas e partidos políticos podem ser tão intimamente tratados não me surpreende; parece que nós, brasileiros, adoramos falar de política, puxando-a por intermédio de qualquer subterfúgio encontrado no caminho.
Bem, sejamos honestos: preferimos falar de políticos - esses coronéis latifundiários engravatados de Brasília, que desviam verbas da construção de escolas e hospitais para administrar seus canaviais na fronteira do desmate amazônico. Não entendam mal a ironia, sei que há figuras do tipo no país (não necessariamente com todas estas características num só "caudilho mau", mas dá para entender a ideia), e também os desprezo; mas entre criticar os corruptos e descrever a classe política como um covil de ladrões há muitos passos.
Acredito ser mais empírico dizer que atacamos aquilo que os franceses chamam La Politique. Há, na França, uma clara diferenciação entre essa, que significa as interações entre partidos e o jogo de poder entre indivíduos e instituições, e Le Politique, cujo significado, embora vago e ainda sem acordo entre os principais teóricos políticos, remete a uma ação nacional ou Estatal em prol da comunidade, ou seja, políticas públicas referentes ao dia a dia da administração de um Estado. É fato que criticamos também Le Politique, e isso está relacionado a La Politique, como veremos adiante.
Precisamos ser claros: criticar as autoridades não é errado, muito pelo contrário - acarreta várias vezes na transformação do ambiente político e é um saudável exercício de cidadania, vital para a democracia moderna. O problema surge quando criticamos todo o universo político simplesmente por criticar e, pior, sem necessariamente saber a natureza ou o motivo da crítica. Aparecem, então, generalizações obtusas, que vão desde "político é ladrão" até absurdos "temos de matar os políticos", como se exterminar os representantes da sociedade (bem ou mal, o povo votou neles) fosse produzir algum bem milagroso para a nação.
Boa parte deste raciocínio está baseado no equívoco do "outro": quem faz a besteira de eleger um deputado ladrão nunca sou eu, é sempre "o brasileiro". É meu irmão? Não. Meu primo? Não. Meu vizinho? Também não. É simples e genericamente o indivíduo nacional incompetente que não sabe votar e não se interessa pela vida política ativa. Criamos uma categoria abstrata de cidadão: aquele que não se vê (que provavelmente vive na favela, afinal, é um ignorante), mas está constantemente estragando nossas vidas com seu voto deficiente.
Este tipo de alegoria a um "brasileiro" obscuro é constantemente conclamada, mesmo já tendo sido rejeitada pela ciência política, que indica numa clara racionalidade por parte do eleitorado na hora de escolher seus representantes. E isto não se refere exclusivamente às classes alta ou média, mas também às mais baixas.
Ademais, este ódio à classe política não é exclusividade brasileira. Na verdade, a ciência política estuda um fenômeno global chamado "crise da representatividade", que indica uma insatisfação generalizada com as classes políticas. Este descontentamento tem como causa primordial a desconfiança social em relação aos atores políticos, produzida pela não-eficácia executiva e legislativa destes. É importante realçar neste ponto que não-eficácia não significa necessariamente roubalheira - dirige-se, antes disso, ao enroscamento no sistema político, que acaba não conseguindo tomar medidas efetivas.
Simultaneamente, temos a perda da identidade partidária: partidos que não mais representam ideologias expressas, o que os faz parecer "farinha do mesmo saco". Um exemplo disso são os Partidos Liberal e Trabalhista do Reino Unido, acusados por especialistas de terem aproximado-se a tal ponto que se tornaram, na prática, a mesma coisa, e que acabaram perdendo espaço no Parlamento para o Partido Conservador após décadas de hegemonia política.
Todos estes fenômenos políticos acabaram por gerar aversão a políticos que, não nego, até é fundamentada em alguns casos. O problema é que daí partimos para um ódio generalizado à classe política, o que não só é absurdo, mas também extremamente injusto: há, sim, pessoas tentando fazer o bem para a sociedade na política. Aliás, nem são tão minoritários quanto se pensa. Temos de pensar muito bem antes de julgar todo um complexo emaranhado composto por pessoas das mais diversas convicções pelas ações de uma pequena parcela prosaica.
Mas falar mal de políticos é tão fácil! A sensação de corretude política ou complexidade de raciocínio é tão sedutora que frequentemente nos permitimos viajar por estes mares de intelectualidade simplificada com a maior soberba possível. É bonito, ao que parece, ser antipolítico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário