domingo, 19 de dezembro de 2010

The ArchAndroid

Esta é a versão adaptada e revista de uma crítica escrita no dia 22 de Agosto deste ano de 2010, postada no blog Voicethings, que resolvi utilizar para inaugurar a sessão de críticas do blog, por tratar do álbum que tenho convicção em chamar de "o melhor do ano". Falaremos então de Janelle Monáe e seu debut The ArchAndroid, um álbum pop (teoricamente) que impressionou os críticos e vem causando ótima impressão também no público em geral.
Comecemos falando da concepção artística do disco. The ArchAndroid fala da vida da andróide Cindy Mayweather que se apaixona por um humano, Anthony Greendown, e sua consequente aventura desencadeada pelo amor, ambientada na cidade de Metrópolis, em meados da metade do século XXI. A história é inspirada no filme clássico expressionista alemão de 1927, Metropolis, apesar de claramente não estar embutida no contexto do longa, que narra uma história diferente e abordando outros temas, especialmente de segregação social e disputa de classes. Ademais, a epopéia de Cindy puxa inspiração de Ziggy Stardust, alterego de David Bowie, que, resumidamente, trata-se de um andróide que veio à Terra para observar e aprender com a humanidade.
Para que a história do álbum seja plenamente compreendida, contudo, é necessário ouvir o LP Metrópolis: Suite I (The Chase) de Janelle, lançado em 2007, fato que fica explícito com o subtítulo do disco de 2010 (Suites II and III). O LP traz em sua música introdutória uma explicação da história, além da primeira parte da narrativa, tornando-o fundamental para a compreensão de The ArchAndroid.
A aventura de Cindy Mayweather desenrola-se na cidade inferior de Metrópolis, onde vivem as classes baixas e pessoas indesejadas. Cada música conta um episódio diferente da trama, conforme Cindy vai passando pela cidade, conhecendo pessoas e lugares e fugindo da perseguição que sofre por seu relacionamento com Anthony Greendown. É um conto um tanto quanto psicodélico, e não é muito difícil acabar perdendo-se em determinado momento do disco, especialmente nas primeiras vezes que se ouve o trabalho inteiro. Entretanto, após algum tempo, o álbum passa a soar como um filme que fica gravado na imaginação, criando imagens bem literais na mente do ouvinte. O fato que torna o álbum ainda mais interessante é que Janelle Monáe tem uma capacidade de envolvimento poderosíssimo em sua voz, que faz com que você queira "assistir ao filme" repetidas vezes.
De acordo com a própria Janelle, a escolha da figura de um andróide para sua personagem tinha como objetivo explicitar uma metáfora que refere-se às minorias desprivilegiadas, tratando Cindy como uma espécie de mediadora entre dominantes e dominados. Combinando isso ao cenário futurista de um filme clássico que fala de lutas sociais, podemos induzir que a mensagem do disco é o de exposição e degradação dos preconceitos em nome de uma sociedade menos fechada e reprimidora.
A trama do disco é verdadeiramente fenomenal e envolvente, com uma série de inspirações fortes e metáforas complexas, mas é possível que musicalmente o álbum seja ainda mais criativo. Apesar de ser considerada uma cantora pop (e talvez tenha entrado em tal categoria pela completa impossibilidade de encaixá-la num único estilo musical), Janelle viaja por uma série inenarrável de estilos: soul, neosoul, punk-disco, art rock, r&b, funk e hip hop, para citar os mais marcantes no decorrer do trabalho. Tal método de criação tem claras raízes no fato de Monáe ser pupila do duo de hip hop OutKast, conhecido por seus discos extremamente ecléticos. Também vale ressaltar que uma mistura tão intensa de estilos valoriza a viagem por vários segmentos sociais proposta no álbum.
Cada música é tão rica em sons, ideias, construções e desconstruções que seria inviável tratar de todas individualmente além da análise do álbum como um todo. Por isso vou ser sintético e tratar primordialmente das músicas que considerei melhores no trabalho, mas sempre sem desmerecer as demais. Temos primeiramente Tightrope, que também acabou tornando-se o primeiro single de The ArchAndroid. A música fala sobre equilibrar-se na vida, independente das opiniões das outras pessoas e de si mesmo, sabendo manter-se na linha nos momentos altos e baixos. Trata-se de um dance funk soul no melhor estilo James Brown: contagiante, fervorosa e envolvente. Creio tratar-se da música mais forte do disco, não surpreendendo ter se tornado primeiro single. Em termos de faixa mais cativante, contudo, perde para Cold war, um momento extremamente dramático do disco, que soas como um desabafo de Cindy pela completa solidão vivida após o sumiço de Greendown, e o abandono que vive em meio à sociedade. A voz poderosa de Monáe torna Cold war um prato cheio de sons e sensações. É, provavelmente, a melhor música do disco. Dance or die, por sua vez, narra Cindy numa fuga apressada. Tal clima é criado pelo rap rápido feito por Monáe, e tem um clima de aceleração brilhante para um início de álbum. Faster dirige-se no mesmo sentido, entretanto cantada ao invés de feita em rap, o que muda a direção discurso: ao invés de falar de perseguidores, fala do amor. Já Oh, maker tem um clima leve e calmo, descrito por críticos como um canto pastoral britânico suave e refrescante que sucede a tensão e velocidade da primeira metade do álbum. Tanto que a partir daí o disco torna-se de fato bem mais lento, conforme Cindy passeia pelo submundo da cidade inferior, observando sua vida. Por fim, uma das músicas mais intensas do álbum é BaBopByeYa, um poderoso soul, gritado em meio a quase nove minutos de um instrumental belíssimo. Não contarei o que se sucede nesta, que é a última faixa do álbum, para não entregar o final da história de bandeja.
Em conclusão, este é definitivamente o álbum que mais vale a pena ouvir em 2010 até o presente momento. Como disse um crítico do The New York Times, todo ouvinte encontrará uma faixa que sempre desejará pular depois de um tempo, mas creio que isso seja motivo de orgulho para The ArchAndroid: justamente sua gama de estilos acaba trazendo discordância, já que nem todo mundo gosta de todo estilo de música; entretanto de forma geral o álbum é eletrizante. Uma história emocionante, uma voz incrível e um arsenal musical imenso fazem de Janelle Monáe uma das verdadeiras reinventoras do pop do século XXI.

Título: The ArchAndroid (Suites II and III)
Artista: Janelle Monáe
Lançamento:
18/05/2010
Gravadora: Wondaland Arts Society, Bad Boy
Produtores: Kevin Barnes, Big Boi, Sean "Diddi" Combs, Roman GianArthur, Chuck Lightning, Janelle Monáe e Nate "Rocket" Wonder
Gênero: Pop, funk, soul, dance-punk, neo soul, art rock
Faixas - duração:
1. Suite II Overture - 2:31
2. Dance or die - 3:12
3. Faster - 3:19
4. Locked inside - 4:16
5. Sir Greendown - 2:14
6. Cold war - 3:23
7. Tightrope - 4:22
8. Neon gumbo - 1:37
9. Oh, maker - 3:46
10. Come alive - 3:22
11. Mushrooms & roses - 5:42
12. Suite III overture - 1:41
13. Neon valley street - 4:11
14. Make the bus - 3:19
15. Wondaland - 3:36
16. 57821 - 3:16
17. Say you'll go - 6:01
18. BaBopByeYa - 8:47

Avaliação: Ótimo

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