segunda-feira, 16 de maio de 2011

A educação como processo

Venho de algumas leituras sobre a questão do livro "Por Uma Vida Melhor", de autoria de Heloísa Ramos, e sua distribuição pelo Ministério da Educação como material didático em escolas públicas. Destaco, antes de qualquer coisa, as opiniões de dois autores com mais competência para discorrer sobre o assunto: contra a utilização da obra na rede de ensino, recomendo o texto de Carlos Alberto Sardenberg, pelo jornal "O Estado de São Paulo" (www.estadao.com.br), sob o título "Se pelo menos ensinassem Português"; para uma outra visão, ha um artigo de Hélio Schwartsman, colunista da "Folha de São Paulo" (www.folha.uol.com.br), entitulado "Uma defesa do 'erro' de português".
A polêmica gira em torno da seguinte questão: o livro defende frases coloquiais consideradas erradas pela norma culta, como "nós pega o peixe", para citar o exemplo mais famoso da obra. A ideia é que, seguindo a abordagem da teoria linguística, não existe certo e errado na hora de falar; a língua culta seria, afinal de contas, uma padronização de preceitos que não representam nada além de escolhas relativas feitas por determinadas pessoas.
Devo esclarecer logo de início que sou contra a utilização deste material para o ensino de crianças, mas não por representar uma "condenação à pobreza", como disse Sardenberg, ou mesmo por discordar da teoria defendida por Heloísa Ramos - pelo contrário: acho corretíssima. Acho, sim, equivocado ensinar um conceito filosófico extremamente abstrato da compreensão da língua a crianças, ainda mais num ambiente que propõe-se a outros méritos.
Não acho que infantes são incapazes de compreender a diferença entre língua culta e coloquial, mas misturá-las no ambiente daquela não é uma abordagem apropriada. A coloquialidade, afinal de contas, é apreendida no meio social: não precisamos aprender na escola termos e frases intrínsecas ao nosso cotidiano familiar e regional para reproduzí-las. É interessante, inclusive, indicar às crianças as diferenças entre as duas, e talvez até as circunstâncias em que a estrutura normativa formal da fala deve ser aplicada (como em entrevistas para empregos, discursos públicos, redações, etc), mas dizer que não existe certo e errado na língua pode gerar uma grande confusão na hora de utilizar esta língua culta. Afinal, é necessário demarcar os espaços de cada uma: o formalismo no universo institucional e o coloquialismo no cotidiano.
Quanto ao mérito de ser a compreensão filosófica "mais correta" da linguagem nos dias atuais, devemos ressaltar que a teoria linguística é um tema de profunda complexidade, tal qual o é, cada um em sua área, o relativismo matemático e a física quântica. O fato de serem as melhores formas de abordar o real funcionamento das ciências exatas não implicam na sua mais fácil compreensão. Não queremos ensinar, por exemplo, E=m.c² no primeiro ano do ensino fundamental.
O processo de aprendizado, por fim, parece-me construir-se numa cadeia lógica: primeiro aprendemos a regra dada como verdade absoluta (a gramática e a tabuada) e, conforme avançamos do ensino fundamental, ao médio, ao superior, aprofundamo-nos na relatividade destas regras. Não há uma falha mecânica do sistema filosófico da educação que seja grave o suficiente, a meu ver, para quebrarmos esta estrutura.

Update: Segundo uma reportagem da Carta Capital escrita por Lívia Perozim, sob o título "Falsa Questão", o livro tem por alvo os alunos do EJA - Educação de Jovens e Adultos. Sendo este o caso, creio que a utilização da obra pelo MEC faz perfeito sentido por tratar de questões pertinentes para um grupo de estudantes compatível com as discussões propostas.

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