segunda-feira, 10 de junho de 2019

Difícil

É difícil acreditar
Que possa haver poesia
Onde a mente resfria
E se medita contemplativa
Na calmaria,
Mas é importante tentar.
É difícil acreditar
No amor
Quando se distancia o suficiente
Para enxergar as limitações
Que amar impõe
Sobre a compreensão de si
E da própria conexão
A que se atribui tal fantasia.
Especialmente difícil
Na sociedade do desvínculo
Em que o indivíduo é o monólito
Sobre o qual se edifica
A Igreja do futuro,
Fria e produtiva,
Idealizada no aperfeiçoamento pessoal
Em que nos escolhemos
Em nome do equilíbrio
Em oposição ao outro
E suas próprias atribulações,
Trombando apenas quando necessário
Para a automanutenção.
Não que isso seja uma crítica -
Amo ser o indivíduo
Que me construí
Na vida que escolhi
Dentre os moldes que se me ofereceram.
Amo o distanciamento
E a tecnicidade
Que o meu pensamento adquire
Quando estou saudável...
Mas me vejo forçado a questionar a essência
Da ideologia que em nós há se instaurado
Em nome dessa nossa condição,
Ao menos para lembrar
Que também ela é construção
E pode ser que em breve
O futuro nos exprima
Dessa crença a contradição,
E então seja necessário
Desfazê-la em outra coisa
Meio líquida
Como a solidez da vida
Sempre requereu.
É difícil...
O amor me era tanto
E hoje soa tão pouco e doente,
Como se de repente
- Apesar de anos em processo -
Aquele cerne no qual era tão crente
Tivesse evaporado
E eu, então, tivesse me encontrado
Numa nova versão
Que o Eu passado sequer reconheceria
Se a tivesse cruzado.
Talvez, enfim,
A poesia agora esteja no translado,
Na paciente observação
Das margens a viajar
Vagarosamente para trás
Enquanto o Eu flutua inadvertido
Num sentido difuso
Que não se propositou
Mas no rio da vida se formou.
Talvez a fluidez da poesia seja, agora,
A rispidez das palavras brutas
Arranhando a borda do pensamento
Conforme desenha nele
Uma imagem impura,
Tal qual o material inconcreto
No qual ela se costura.
Difícil...
Mas a complexidade, na verdade,
Deixa tudo tão mais claro
Que difícil, afinal,
É acreditar
Que a poesia um dia esgota
Em suas formas de brotar,
Sendo que ela é infinita
E, conforme envelhece,
Se esconde melhor
Em significados mais graúdos.

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