sábado, 22 de junho de 2019

Entre o silêncio e o Orgulho


Eu já participei inúmeras vezes da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Mais vezes do que consigo lembrar. Minha primeira foi em 2008, escondido da família. Na época morava na capital, mas voltava para a casa dos meus pais no interior todo final de semana. Quando disse que iria para São Paulo mais cedo no domingo, tive que negar que era em função dela. Eu já era assumido para todos os meus amigos – e, se formos sinceros, a minha família também já sabia a verdade –, mas o ato político de celebrar a minha homossexualidade abertamente junto à minha comunidade era um gigantesco tabu. Eu devia fazê-lo em segredo.
Ao longo dos anos fui me abrindo cada vez mais, aceitando a minha existência e aos poucos conquistando meu espaço, assim como o movimento fez. Comecei a me sentir cada vez mais em casa ali. Aprendi que as críticas à Parada vinham de todos os lados. Mas, fossem religiosos chamando-a de “perversão”, supostos aliados dizendo que uma “festa” não é uma “manifestação política de verdade” ou até mesmo gays conservadores alegando que o evento “mancha a reputação” da comunidade, corria por baixo de todos esses discursos uma ideia em comum: esse não é o jeito certo de fazer as coisas. Não é a forma correta de ser.
É curioso observar o mundo quando enxergamos esse pensamento subjacente. Sim, as coisas mudaram, mas em muitos aspectos ainda são exigidos hoje os mesmos silêncios que eram requeridos ontem. Eu ainda recebo olhares tortos na rua por meu jeito afeminado. Ainda sou julgado e diminuído por gente que conheço no dia a dia em função disso. Quando discuto direitos LGBT, dizem que só falo sobre isso (o que não é verdade): é melhor evitar o tema. Em nome da convivência harmoniosa, muitas vezes me ponho de volta no armário, apagando completamente o aspecto sexual e amoroso da minha vida para não criar conflitos. Sermos diferentes é justamente o que nos torna LGBT, mas para sermos aceitos ainda se exige de nós que essa diferença seja ocultada, que permaneça o máximo possível dentro do padrão. Quem foge a essa norma é silenciado de outras formas…
Isso não é exagero. A quantidade de jovens LGBT que vejo hoje passando pelas mesmas dificuldades que enfrentei com a minha família quando eu estava me descobrindo, e ainda mais aqueles que enfrentam coisa pior, sendo expulsos de casa e marginalizados, mostra que, enquanto sociedade, ainda estamos longe de aceitar de fato a diferença. E mesmo quando não há rejeição explícita, muita gente cria “bolhas” de aceitação onde parentes ou amigos(as) LGBT são encaixados numa lógica pela qual são tolerados mas nunca entendidos a fundo. O resultado é que, por não nos conhecerem de verdade, muitos continuam carregando estigmas a nosso respeito, e assim formam imagens distorcidas sobre nossa luta. Vide as eleições de 2018.
Eu sei que essas são questões complexas. Sei que mudanças são sempre lentas e graduais. Inclusive entendo que muitas vezes o que é, aos meus olhos, uma transformação minúscula exigiu grande esforço de quem mudou. Sei que lidar com o diferente pode ser difícil. Mas é necessário. E é exatamente por isso que a Parada continua sendo tão importante. Ela é um eterno lembrete de que a diversidade é uma coisa boa, que deve ser celebrada. É um constante alerta para sairmos da zona de conforto em nossos relacionamentos com parentes e amigos, para tentar aprender o que realmente significa ser LGBT com aqueles ao nosso redor que vivem isso na pele. É uma declaração em defesa da igualdade nas diferenças à qual aspiramos. E, para nós LGBTs, é um evento onde resgatamos a nossa confiança interior para continuar transformando o mundo.
É em nome desse espírito que decidi escrever esse texto. Há alguns anos vou à Parada sem precisar me esconder ativamente, como fiz onze anos atrás. Mas assumi muitos silêncios em nome da convivência ou do convencimento paciente a longo prazo. E por mais que isso não seja de todo ruim, às vezes é necessário enfrentar o medo e dizer em alto e bom som: eu sou diferente e tenho direito de sê-lo. Eu sou gay e estarei na rua com a minha comunidade nesse domingo. Faço isso não só pelo jovem que fui onze anos atrás, que precisou silenciar para poder lutar, mas também por entender que onde estou hoje torna imperativo que eu me manifeste em apoio àqueles que ainda não conquistaram essa e outras liberdades. Ser livre, afinal, é o cerne da nossa batalha; é o verdadeiro significado do nosso Orgulho.

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