sábado, 2 de março de 2013

A fábula do poeta

O que sou para ti, poesia?
Um pedaço? Um frasco?
Um resquício amorfo do teu percalço
Aglutinado na sombra do tempo
Bebendo da tua fonte
Somente quando me esbarra
Um beduíno transeunte
A procura de um oásis?

És minha casa.
Pousada. Descanso.
És o destino das minhas eternas viagens,
O desejo das minhas miragens.
O vinho do qual causo embriaguez,
O ritual de invocação em que me comprazo.
És a sorte que me alcança,
Fortuna domadora da minha paixão;
És meu amante e meu atraso,
Enquanto paro nas horas do dia
E me aconchego no teu abraço.

E tu, poema, que pensas de mim?
Sou-te uma deusa misteriosa?
Uma ninfa fugaz, descompromissada,
Andarilha perniciosa?
Sou mais que um botão de rosa
Que desabrocha, falseia e desgarra?
Passo de chuva que te umedece
E apaga ao sol, perdida no espaço,
Esquecida até a sede provocar teu anseio?

Tu, poesia, és meu encalço.
És minha crença, minha prometida.
Se és divina, és por mim conhecida.
Sei das tuas trilhas e dos teus passos.
És meu abraço,
O mesmo calor com que me faço
Servinte, fiel e amasso.
És a paz que me chama,
Mesmo à distância e no mormaço.
És as estrelas que pairam longínquas
Mas cujo brilho é certo e constante
Até nas noites mais solitárias.
És o vício máximo
Naquele momento em que chegas
E eu, caído aos teus pés descalços,
Sei que, mesmo oposto conjunto
Contraditório ao mundo,
Somos.

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