Quero escrever sobre o passado,
Mas o presente não perdoa.
Não doa telas limpas
Onde eu possa pintar.
É um poderoso patrono
Esse presente;
Sabe sempre dar um puxãozinho,
Um retoque prático,
E consegue o que quer.
Mas não me acanha esse tacanho.
Vou alto no imagético,
Expandirei o tempo
E talvez arranhe no trajeto
Um Panteão secreto
Um Pavilhão Dourado
Onde o agora faz-se abjeto
E resta andar por outro chão.
Um de tábuas mornas,
Ladrilhos de madeira
Cujo nome foge
Na pequenez do meu saber.
Seu encaixe é um mágico
Tapete em ziguezague
Onde às vezes se destaca
Uma peça meio solta.
Se puxar com o dedo ela escapa
Revelando suas faces menos lisas,
Que não foram brilhadas.
Eis aí uma relíquia
Que o tempo não me rouba:
Os dedos acanhados
Na imensidão da sala
Surrupiando uma esmola,
Um pequeno grão de espaço,
Onde possa me agarrar.
Devemos tomá-las sem receio.
Aprendi isso na casa dos avós,
Aquela primeira,
Onde agarrávamos a cerca do quintal
(As grades onde hoje nem me passa a cabeça)
E rodávamos feito cipó.
Aquele espaço cinzento
Onde, acho, ralei o joelho,
Era miúdo, mas dava para brincar.
E ali na frente uma velha árvore.
Não lembro quais seus frutos,
Mas era trepadeira dos outros
Onde nunca vi coragem para escalar.
Subir nunca foi meu forte.
Já morei em casas altas rumo ao céu
Com varandas cujas bordas bamboleiam.
Nessas agarrei-me mais que nunca
Temendo o "lá embaixo"
Espreitando tubarão.
Assim como gelei frente aos mares
E sentei ali na areia
Agarrado ao mole chão.
Ali peguei um punhado de amarronzadas
E as deixei meio escapando
Nas ondinhas que chegavam
Ousando terra adentro.
E assim mesmo atravessei
Pelo templo desgarrado
Das lembranças que agarrei
E novamente se escoaram
No presente me chamando
Esquecendo onde findam
As memórias que talvez nem são.
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