domingo, 14 de dezembro de 2014

Arqui

Isto é um erro
Isso tudo
Cansei de como escrevo
E especialmente da maldição que me corrói
Feito cervo abatido
Dessas malditas metáforas
Que me metamorfizam
Morfinizam
Sedentário como estou
No calabouço da estagnação
No arcabouço do arcadismo
Não consigo ser flecha possível
Para me lançar
E arcar com o impossível.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Cavalo/Cavaco/Cá-louco

Ontem fui de vidro
Melindroso;
Já não posso mais,
Pois vindo o ontem grosso
No meu calcanhar
Quase não toquei o hoje
Através do espelho de flechar
A própria vida
Antes de fechar a passagem
Entre um dia e outro
Um verso aqui e outro acolá
Um revertério tombando em caroço
Pra seco depois novo se ensopar
No líquido do reflexo
E relinchando alguma coisa
Pensar melindro
Mas sem nunca repassar o refletido
Preferindo nos eternos espelhos enfileirados
Seguir virando vidro.

sábado, 29 de novembro de 2014

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Inocência constante irrelevante

Naive
Como um erro
Lindo
E obcecado por cultura pop
E lindo
E obcecado
E pop
E erro
Graças a Deus
E eu nem acredito em deuses
E cultura
E graças
E fulmin-eus.

domingo, 2 de novembro de 2014

Amargura

Já disse por aí que não queria mudar,
Especialmente por terceiros,
Mas descobri nisso uma premissa errada:
Na verdade não consigo, nem que queira.
Um defeito amargo de suportar.

sábado, 1 de novembro de 2014

Há alguma coisa

Há alguma coisa entre esta e aquela rua.
Há alguma coisa
Nem que seja uma travessa.
Há uma travessia entre tudo.
Maldita travessia que me transveste.
Benditas sejam todas as coisas que me travestem.

domingo, 19 de outubro de 2014

Não

Será assim?
Não...
É tão estúpido pensar que será
Quanto negar
Ou escrever no infinitivo
E questionar.
Não quero... Não quero... Não será.
Mas também não sei o que virá.
Resposta óbvia, não é mesmo?

sábado, 18 de outubro de 2014

Deus e tolo

Sou trino
Em todas as vidas que fui por aí
Tanto que entendo Deus,
Este que mora no Ocidente
E renego.
Entender, entendo. Nem sempre entendi.
Das minhas muitas trindades,
Porque somos dialéticos
E dialético é tudo
E mudamos conforme as lambanças que se nos propõem,
Hoje sou perdão, ódio e paixão.
A paixão sempre esteve lá
Sou um apaixonado inegável;
O ódio, muitas vezes;
Mas o perdão é novo.
O tipo de perdão, porém, varia com o tempo -
Dependendo da trindade é muito diferente
E dependendo do perdão também.
Há perdões que vêm com dores imensuráveis
E cuja aceitação não chega em si sem muita lamentação.
Sou viúva, mas não sei de que
Ou por que
Nem por onde ou por como.
A dor não se pode saber.
Mas perdoo
E isso é o mais belo:
Perdão vem de perda e de doer
E no entanto é novo
Engole o tolo
E resgata o que de mim restou de voo.
Volto a ser deus e, quiçá, um deus mais pleno
Ou talvez não.
Plenitude não é dos deuses
Nem muito menos dos humanos
Mas as vezes se faz.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Ontem, tomando uma cerveja, cruzei com um udenista.
O espectro em branco e preto,
Sem cor por nunca ter saído da década de sessenta,
Assutou por um segundo.
Mas logo o bichinho grasnou
E acuadinho como estava percebi que mais se doía.
Pintei nele um pouco de cor
E logo voltou pro seu ninho
Onde provavelmente desbotou novamente,
Mas que importa? Por um instante
Ele quase ficou vermelhinho.

Homem de lixo

Passei uma semana na escuridão.
Quando voltei, esperava-me uma pena
A ser cumprida
Sobre o lixão que me propus aqui.
Passou ao largo da minha cabeça
Feito bisturi
E arranhou como agulha no disco -
Aquele silêncio de quem vem a dizer.
Porém... Nada.
Se eu carcomi as bagaças
Do caqui que me deu a natureza por mente
Espreitando urubu nas minhas cordas,
Tocando até a harpa rasgar no intestino
E vazar as tripas sobre meus próprios empecilhos...
Se, se, se...
Se a língua cuspi,
Galgo a guerra
Engulo terra e repito o ciclo
Que tanto já vi:
Broto carne nova e ressuscito
Homem de lixo
Homem de menos caqui.

Removido

Não se deixe enganar pelos falsos poetas.
Eles te dirão qual forma de amar é melhor;
Que há formas corretas e equivocadas.
Alguns chegarão ao absurdo de dizer que não há formas
Ou que são todas iguais...
Mentira.
Se não houvessem formas
E se não fossem múltiplas
Não seria amor.
O amor é pouco democrático ao se impor,
Mas a liberdade que exime seu impulso
Permite que desse grosseiro brotar
Venha algo ainda melhor,
Que nesses tempos não ouso nominar -
Ou simplesmente chamo "amor".
Amor segundo, talvez.
E quando vem, enfim, o amor terceiro,
Que uns preferem não gostar,
Já não há muito para se falar,
Mas ainda é amor.
Amor, enfim, esse ato político apolítico;
Partidário, partido e apartado;
Puído e perturbado.
Quem me dera viver mais um amor
E não vivê-lo nunca mais,
Pois amor não se vive -
Amor se contorce e remove.

domingo, 5 de outubro de 2014

Melhor

Melhor estar semi-consciência
Melhor semear a discórdia e a inexatidão
Ser inconciso
Bêbado
Drogado
Apaixonado
Apagado
Melhor ser um fado por tocar
Melhor ser invento por inventar
Melhor não casar
Melhor ser poema
Melhor desmerecer.

Edifício que fico

Ai, a tristeza do samba
Ai, a dor do serafim
Ai, o sofrer de ser assim
Ai do mundo girar
E girar na cerveja
E gingar no existir
E me embebedar de vida
E saber que vivo
E viver que sigo
E seguir consigo
E conseguir sublimar
Mesmo que por um instante
Da mesmice de instantear
E rasgar o véu que me virgineia
E virginar maculada
Sobre as mazelas da fria tempestade
Que me bate na praia
Mas não abate a festa
Que me povoa nas noites
Que pude com a minha presença edificar.

sábado, 4 de outubro de 2014

Arrebentação

Estou inflado ao ponto de cuspir no mundo o mundo
Enojado de ódio, possesso de desremorso
Procurando um canal que me esvaeça
E desmereça de vez o que no mundo vi
E esmigalhe tudo que vivi
Para virar pó de destruição
Varrer a terra com minhas ondas
Comer o pó que fui e que sou
E desaparecer dentro de mim.
Somente aí caibo, enfim.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Há muito mais beleza em visitar uma biblioteca
Que baixar livros na internet.
Lá, no memorial do escrito,
Os mortos falam
Sentados ombro a ombro na imensidão das prateleiras
Que tomaram o lugar das paredes;
Mas só falam se a eles levar minha mente
Para que a possam devorar
E devorando-a ressuscitar
Nas cheias de mim.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Café anoitecido

Aprumo a mira
No bilhar
Mas não cai
O milharal é espesso
Há milhares de tocas
Em que filtrar
O expresso é sem gosto
Está frio
Não quer mais trilho
Nem mais brilho no luar
Lavei os pratos de louça branca
Detergi as mãos
Pilatos acende um cigarro no fogão
E vai dormir.

Ser feio

Amo ver o que me dizem belo
Aqui em mim ou em outro lugar.
Claro que é gratificante.
Mas também aprecio ser feio;
Ser aquilo que sinto feio.
Descabelado
Deslaquezado
Sem leque para esconder o fedor
Nem os bigodes inaparados.
Vez ou outra é bom ser feio
E outras mais é ser bonito
Então vezeio nos prumos
E deixo que vaze no mundo.

domingo, 28 de setembro de 2014

Chuva ácida na língua
Por favor
Por desespero
Por uma cerveja
Por uma coisa que não sei
Enquanto fôrma
Por entre o rastro líquido
Queima a boca
Cada gota é invasão.
Rastro, rastro, rastro...
Resto
Rato
Reto
A retidão não me cabe
Risca, arranha, retém
É o rato úmido
Rente à calçada de pedra
Engendra, erra
E chuva por ela mesma
Apenas enquanto plástica.
Preto
Planto
Pranteio
A rouquidão dos planos não me convém
Planejo nos gritos práticos
Pratico a indigestão
Plastico em erro
Porém há mudas
Corrompendo a terra
Porém a terra pedra
Há sete palmos do chão
Mas não há mais
E mesmo assim verbeio
E mesmo assim verso
Como?
Como me cabe o incabível
E me pleiteia o impossível?
Praguejo pragana no deserto
Planária no inferno
E ainda assim vivo
Eu quase enquanto isso cambaleio
Meus labirintos não cabem faunos
Cabem falhas
Das que provo nos encalços do caminho
Então palavreio infinito
Então palavro
A voz está errada
Porque a voz é descaminho
É descalabro
Desaviso
É ofensivo descabelar como eu desvinho
A calçada é de pedra
Mas palavra
Aquela que me trabalha as articulações
Não há voz
Há giz
E com os pés desenho o indissoluto.

(Poema a quatro mãos com Juliana Pires)

Estou.
Est sou.

La poéme

Isto não é francês
É neologismo
Transpiro poema
Como inquisição da alma
Dos desavisados
Somos indigestos contra a parede
Rompemos com a quarta parede
Como uma virgem
La loucure
Le mour, que c'est moi com amour

(Poema a quatro mãos com Juliana Pires)

Eu não tenho sobre

Eu não tenho sobre
Nem acima nem abaixo
Apenas
Eu tenho sido
Futuro e presente
Engano ledo e lúdico
Eu tenho sido um coelho
Sem toca
Nem toca
A pele ou a música
Porque a alma é um abismo
E a janela lateral
Não incide luz
Não virá
Não há
Não apenas

Poema a quatro mãos com Juliana Pires

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Meus réis

Draga
Drag
Dramaturgia
Será possível que sou feito só de ódio e arrependimento?
Sou tão impossível assim?
Tão crível?
Tão corruptível e humano ao ponto de bicho?
Tão desprezível...
Tanto endeusamento e apenas destruição, afinal.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Libélula

Libélula voa avulsa
Cédula velha
Libera tinta na mão
Toques na derrapada em pleno ar
É rudimentar em seu plano
É rude no ventilar
Duas asas rasgadas ao meio
Sobre a face de Marianne
E mais valor do que reconhecerás
Desatrelado das manchas frias no papel
Desalojado
Destilado no hálito
Desalinhada
Feito dado

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Quisera eu estar menos consciente
E então ser mais.
Não em estado de alienação
Nem em ignorância -
Deixar de lado os estados
E passar além das fronteiras
Além dos lados,
Dos passos,
Além de além.
Vulgarizar um mantra xamanizado
E inculcar inintencional
Um som gutural na cabeça;
Reverberar sem verbos;
Revidar.
Quisera perder os quereres
Sem querelar
E quedar aquarela molhada
Absorvida tridimensional na parede;
Descalcificar o encalço
E derreter lamaçal na estrada;
Desestratificar o paço
E deixar pedregulhos no quintal,
Desfeito como rocha,
Desarrochado.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Peligro

Trepida
Tratora
Trava
Desmonta o orgulho qualquer
Que firmara o homem.
Soterra
Soturno o baile sorrateiro
De mim.
Meus prelúdios tocam incessantes
Mas o incenso não queima
Para me infernizar inteiro
Interno.
Que rio é esse?
Que ruído?
Que rito?
O rumo das coisas não me é querido.
Ferido não é suficiente;
Perigo.
Sou perigoso a mim.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Amon-Rá

(Marco Polo - Loreena McKennitt)

Chega sobre a Babilônia a lança dos deuses -
Estou rendido.
Vem Gaugamela e fujo desmistificado.
Morrerei às margens do Amu Dária,
Onde cinde o rio da estepe fria.
Meu anel dourado será penhorado
Entre as tribos selvagens
E meu corpo desovado no deserto.
Meu espírito será despedaçado
E servido aos demônios da terra
Conforme a porção que lhes é devida
Pelo tempo de satrapia.
Quanto a mim,
Serei lembrado como o rei esquecido,
Príncipe da perdição,
Destruição encarnada,
O deus que nasceu para ser homem
E não passou até que seu destino fosse cumprido
Nas pradarias vazias, longe da joia de Persépolis.
Assim seja a profecia do deus-rei.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Descrição exausta

Uma linha de ônibus
Um risco no mapa
Um trilho de trem
Uma faixa de pálpebras cerradas
Uma fila de sopão
Um amontoado na porta do metrô
Um bolo de prédios superfaturados
Um morro de barracos queimados
Um monte de gentes
E pouca cidade

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Sou teu, mundo,
E não; sou só meu.
Aí sou o escorrimento de tinta que caiu da lata tombada na calçada,
Sou Banksy
Mas também renascentista;
Fervo em dicotomia
E não; sou eterno.
Etéreo e inferno.
Aqui, ditadura da mente
Com viés anarquista;
Übermench ativista de sofá;
Palíndromo sem sílabas.
Sou o que quer diga ser
Mas nada disso.
Sou alguma coisa que o poeta não inventou.
Cada vez mais sou difuso
Angulado obtuso à porta do sol
E ainda que não sinta confusão
O vão se me expande
E vão se perdendo as certezas de outrora
Numa aurora de sentimentos vãos
Abrindo em obliteração
Até de tão escancarado
Tornar-me lança afiada
A ser lançada num rodopio ao horizonte
E nunca mais voltar.

Quasínarci

Quando o espelho me olhar
E me enxergar
Tu talvez verás Narciso;
Já eu verei preciso.
É raro e é preciso haver mais
De se encontrar querido e conciso
Nesses tempos de ódio que tanto nutrimos
Uns pelos outros
E, pior, por nós mesmos.
Melhor ser tranquilo,
Mas se entre exibido e reprimido
Escolhamos a auto-libido.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Palha nua

Um corvo pousou no meu braço esquerdo
E sem jamais gralhar apenas gritou ao pé do ouvido
Je suis mort! Je suis mort!

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Queda em três passos

Mal te vi
E já denegri
A imagem vertida
Dentro da tua gaiola
Em bem-te-vi.

Denegri.
Mal me vi.
Tão mal que de ti
Me acometi.

Cometi
O erro de quem vivi
Como quis o que não refleti
E a vida passou como um estorvo
Por aqui.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

M(eu)
d(eus)
On(de) (m)e est(ás)?(.)

Fuga

Fugi daqui
Fugi da minha terra
Fugi para Fuji
Fugi para mim
Para mim somente

Fugue

Tinha forma de pássaro
Apesar dos contornos de dragão
E penas de lagarto, duras como as feitas em Komodo.
Ele não se importava em voar,
Mesmo que os voos rasos mais se assemelhassem
Ao rastejo de uma cobra do mar
Serpenteando entre céu e terra
Na liquidez que o habitat lhe deu.
Era cômodo esse simular;
Justo o meio termo - é preciso ser justo,
Mesmo que essa justiça se faça de imprecisão.
Temia o dia em que suas metades cindissem
E caísse réptil no dorso do oceano
E levitasse inócuo ao teto da estratosfera,
Pingando como homem andando na lua,
Trombando como balão de hélio no último andar.
Mas talvez sobrasse a metade intermediária
Do dragão
Escapada das cascas leves e pesadas
E continuasse a meditar - meio-estar - mediar
Seguindo tortuoso nas correntes do mar,
Um pouco por força própria, um pouco empurrado,
Dando voltas no globo infinito
Até o globo no espaço acabar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Padeço

As saudades de hoje são mais doídas que as de outrora.
Apesar de arderem menos, falam de futuros insólitos e passados incertos.
Parecem perenes... Padecem pequenas... Pequenejam meu ser.
Se antes era estar, agora sou forçado a viver,
Pois não há tristeza que mais possa remoer.
As melancolias presentes se obrigam a desaparecer
Para poderem continuar
E, quiçá, assim se fomentarem.
O combustível é outro, a fornalha também;
A noite cai diferente
E a chuva, se há de lavar, banha com nova sinceridade -
Uma que ainda não pude decifrar.
Esta dilui ao invés de aglomerar
E aglutina nos pedaços de mim como a força dos líquidos
Que não se retêm nem tampouco se escapam
Ecoando nas cordas do Universo uma vivência encurtada,
Como o cavaco querendo virar violão.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Três Marias

I

Uma me passou
Uma me cativou
Uma me gozou

II

Estou mais consciente
Estou menos ciente
Estou senciente

III

Esvaziei
Enchi
Estabilizei

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Santuário

Tudo que sou fui a dois;
Tudo que fluí da mão esquerda
Ou escorri da direita;
Tudo que o tronco alcança;
Tudo que me balança;
Tudo que imóvel verti na terra
Caiu liquefeito na minha cabeça,
Passou pelos olhos - o de lá, o de cá, os dois -,
Trançou a serpente que trago no nariz,
Gelou o pescoço
E desceu pelas palmas abertas,
Vez ali, outra acolá, volta e meia em fluxo conjunto;
Tudo que toco é revolto,
Envolto na nuvem de mim - a pele que, enfim...
Eventualmente fui a três,
Mas os terceiros não bastam;
São cabeças demais para o corpo.
Melhor ter o suficiente para Salomão dividir
E para Nietzsche convergir.
Não quereria ser um,
Decapitado encontrando um fim.
Prefiro ser anjo da morte
E decrépito alternar a regagem da relva
Do meu jardim,
Jazido feito pedra, instável na base torta
Em que fui depositado,
Santificado de mãos abertas.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Bulería

Você aí, cotado pra viver,
E eu cortado fora como um galho de sobra
Na poda dos corações valentes
Desenhando os nobres alazões da capital.
É foda.
Ponho logo essa hortelã picada na boca
Fumo por cima um baseado
E embasado nessa lírica retórica do ser
Pranteio mundo afora
Dançando junto um flamenco pra sensualizar as lágrimas
E, quiçá, torná-las acessíveis aos cavalos de Troia
Cavalgando por aí.
Estamos próximos, tu aí na escultura,
Eu cá, folha tostada,
Tão ridículos quanto o jardineiro
E quem acredita em jardineiro;
E quem não é o próprio jardineiro.
Na verdade, ninguém é jardineiro de si
E somos todos jardineiros uns dos outros
E somos jardineiros porra nenhuma.
Nada há de sensual em dizer essas coisas,
Nem de choro.
Mas de gozo também não.
São apenas reclamações de uma folha que fornada virou papel
E virando a página nada mais se encontrará para verter,
Apenas inversão de personalidades e troca de ofensas.

As minhas voltas

Volta e meia o ano não é ano;
Conto o tempo não-gregoriano,
Anti-juliano, pré-aristotélico,
Inumano.
Volta e meia o espaço não comporta
Mas não vaza no infinito;
É quase nada, perto de tudo
E longe de ainda mais.
Meia volta e estou circulando
Pela borda do traço
Onde a letra não engana,
Sequer chama,
Nem é letra.
É um traço torto do meu rosto
Esboçado no papel
Ou na parede
Ou nas estrelas
Ou na própria face
Da qual quis desvincular.
Ou talvez seja apenas o olhar.
Apenas olho.
Átomo.
Atônito e sem reflexo.
Às vezes sou reflexo sem imagem vertida,
Sem espelho que converta,
Sem luz que incida.
Sem moral. Sem costume. Sem volume.

Sem dor

Cigarro, suor e trabalho
Cachaça, tempo, cidade
Malabarismo, amor
Temor e metrô...
Os cheiros dos quais tenho terror.
Mas desses nenhum é maior
Que o de enumerar circunstâncias
Sem sentir-lhes o odor.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Des Ti Lar

Olha o desvio, querido!
Viu? De lá?
Devias virar no pavio
Antes que cedo te queime,
Angarie o navio
E te cubra a pá.
Viva vinho,
Vide passarinho
E passa devagarinho,
Suave e tinto, ao poço de "quero-me cá".
Querer-se ao pé do caminho,
Amado e sozinho,
É melhor que um gole azedio
Da taça que outrem queira te ofertar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Dario

Daria para parar, pirilampo,
De paralelar minha ida ao escuro
E escusar meu ser obtuso na noite
Sem brilhar a luz de Dario a me paralisar
No caminho de quem não viveria se não confuso
A andando se apagar?

Vago

Quanta velocidade, sonho meu,
Nessa realidade cá.
Quanta inveracidade -
Os fatos não correspondem ao mundo,
Que outrora tátil hoje escapa.
Quanto escape chamam de tempo,
As armadilhas que desenho na calçada
E vão se tornando caminho,
As terras que vizinho sem tocar
Seus solos úmidos e cheiros distorcidos.
Quanta escrita não redoma em poesia,
Quanta letra não empina maresia
Ou pipa vida.

Como corre essa vazia, sonho meu.
Como falta canto na cantareira
E água pro ralo.
A vazão é maior que na tua verdade de lá.
Aí cobre chuva com vapor,
Sobe barro e sobra cor;
Converso com os vaga-lumes
E já não converso mais.

domingo, 10 de agosto de 2014

Talvez não

Hoje não houve circulação.
As tramas do mundo estiveram paradas,
Os ramos nascidos não se moveram mais para cima do chão.
Não houve movimento nas copas das árvores
Ou no fundo do lago
Ou nos tiros de luz rasgando a clareira
Para esquentar minha mão.
Hoje talvez não.

Conto sóis e luas

Outro dia, andando na praça, trombei com um espectro -
Uma sombra sem luz, sem corpo, sem lei, que falava.
Perguntei:
O que ainda fazes aqui? Perdeste o rumo do outro mundo?
E ela:
Perdeste tu. Aqui só há anticorpo, não é teu lugar.
Discutimos até o anoitecer, clamando o chão que...
Pisávamos ou resvalávamos.
Ao cair do sol, a sombra passou a brilhar
Como um vestido de diamantes sob os holofotes do tapete vermelho,
Enquanto eu me tornei voz sem assento
E resolvi deixá-la, o espectro preso ao chão, para viajar à lua.
Para meu azar era a noite da cheia, e quando sua luz incidiu sobre mim,
Passadas as nuvens,
Revirei humano e caí no infinito.

sábado, 9 de agosto de 2014

Bocai

Sou uma boca que caiu no mundo;
Grandes lábios com muito gozo na voz.
Sou ofensiva demais para alguns.
Para outros, apenas vulgar -
Nada que cause comoção, desde que eu fique cá
A rugir longe de si.
Hipócritas.
Sou bocarra, e não se iluda:
Bocarei mais que Boccaccio,
Beijarei mais que enfática
Engolirei o mundo
Que outrora fora gerado por minha palavra,
Gestado em minha glote,
Falado no meu mote.
Bocejarei teus medos
E volverei teus anseios
Até te libertares de ti por mim.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Um caso de samba

Ê laiá
Êta leri laraiá
Epa lero, lorota, língua louca que rouca lá
É livre o linguado pra descabelar
Nas cadências do samba
E largar bamba a lira no lenga-lenga
Da vida denga
E dengosa dançar
Epa leri, ê laraiá.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Joy(o)

Há uma aberração no âmago,
Na monção que encharca meu chão.
Há estultícia
Vitalícia em seu trepidar.
Há um vento que volta a soprar;
Há joio a ser colhido
E novamente nos campos esparramado;
Ave joio...
Sem ti, que seria o trigo?

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Íntimo-mar

(Menino - Roberta Sá e Trio Madeira Brasil)

Marejou o feitiço dos teus olhos
E marujei sem jeito nesse poço
Possesso feito amante noturno
Apraziguável somente se olhar
O corpo todo, o rastro de sopro
Resvelando tuas costas, tuas coxas,
Teus pés e o lençol a te semi-cobertar.
Maria-de-amores, Maria-de-dengo,
De pós-calejar teus dedos, tuas pernas,
Tua hipnose a me endiabrar,
Tuas serpentes nas íris, nos braços,
Nos cantos de luz de quem cama
E kamikaze desvia o lírio do ventre
Ao teu desconhecido antimar.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Encosto no muro

Encosto no muro
E é como se me deitasse numa cama de esquecimento.
Reclino a cabeça
E é como se a deixasse repousar nos ombros de um amante.
Recordo tudo.
Tudo e mais.
O presente fala demais,
Mais que o passado,
Mais que o futuro
E dele jamais esperei tanto.
Não me traia, presente...

Toca um rebite floreado repetindo tudo que já nos foi dado

Floreado ao lado da ladeira
Entre a confraria dos ateus
E a barraquinha de feira
Em que a musicista alaúda,
A voz graúda,
Uns rebites de canção
Retocando o som da rua...

Um poema.
Ou será que só nasceu
Antes que os lábios meus,
Tema esse e outros poetas,
Os amantes e os estetas,
Antenassem nua a paisagem
Sobre a miragem que te acometeu?

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Facestratégia

Há dias em que sou gema
Preciosa e clara
Ou envolta em clara

Estratagema
Estratosfera

Fera
Ou extrato

Exalado no jardim
Sofrido no banco

Assentado na praça
No leito escuro do mar

Leite ou café
Café com leite

Mas visto de frente
Sem que se releve um lado
Não passo de menino.

Ferrotapa

Pego o metrô
Estou tonto
Desço a rua
Ando torto
Chego em casa
Não acho a chave
E nem embriagado estou.
Bem, talvez um pouco.
Uma dose de cachaça
E uma porrada de cotidiano
Que vinha me buscando
E acabou por me encontrar.
Agora a ferroada pegou.
Agora o tapa travou
Na mandíbula frouxa.
Não quero casa, não quero rua,
Não quero transporte público.
E agora, para onde vou?

domingo, 3 de agosto de 2014

Javali

Javali um sonho.

Recebi uma visita dos espíritos da felicidade.
Tudo passou rápido demais.
Sentamo-nos à mesa, passei um café.
Falamos de assuntos eruditos.
Rimos de coisas banais.
De repente era hora de partirem.
Há bichos na selva que se alimentam de espíritos
E roncam assustadoramente no calar da noite.

Javali um mito.

Era uma moça poeta quando criança.
Melhor que poeta, era ninfa.
Tão natural que nem a dor podia me doer.
Precisava de um escape para sofrer.
Um dia fugi pelo caminho do desencanto
E escapei para sempre de ser feliz.
Lá estava um enorme deus porco que me cobiçou
E em troca do tão desejado infortúnio
Pediu-me amor.
Hoje sou só poeta.

Javali uma vida.

Valho tantas vidas quanto já comi.
As carnes me passam, dissipam e saem desfibradas;
Desfibriladas; ventríloquas.
Já tive uma própria. Não mais.
Desde que me saciei do lombo de um javali selvagem
Virei vampiro de tempo:
Gasto-o todo para sentir os olhos piscarem
Por um segundo que seja.
Já fui muito mais...
Porém não quereria mais ser.
Aqui está melhor.

Jánãovalho e encravo melhor na seiva da vida.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Sobremaneira

Minto
Mente
Menta
O sabor
Saberei saborear
Quando não souber de saber
E souber sobreviver
Ao soco de mentir
Ao sentimento
De sentir
Sem que seja
Sobretuvir.

Broto

Amor que não é amor
Que não brotou
Que não tem cor
Que estremeceu
Mas não eu
Algo, alguém, o trem
Lá na passagem distante
Onde entra o amor
Antes de ser alguma coisa
É qualquer coisa
Que não seja
E seja amor.

Arranha

Arranha rarefeita a trama desconexa
Sei lá se perversa, manha ou ganha.
Será que me apanha?
Será que desconversa?
Será que sabe até se bate o peito
Contra a fronte da tua testa?
O som é desconforto
Mas o ar é de "me peça"
Enquanto a vitrola vai batendo
Tentando coraçãoficar
Quem já ficou perdido na primeira remessa.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Feitiço

Estou fazendo um esforço enorme
Para apagar tudo de bonito que ficou do passado.
Essa beleza me enoja.
Prefiro que caia nas graças dos deuses,
Que esses entendem de destruição
Onde nem o homem consegue alcançar.
Prefiro ser um deus
Por quem se derrame sangue no altar.
Prefiro ser bicho.
Prefiro ser um pedaço de carne para o bicho rasgar.
Prefiro ser passarinho morto.
Prefiro ser caos.
E se tentar me organizar, pré-firo tua consciência,
Pois sou tão absurdo que entre deus e caos
Até o futuro consigo enxergar.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Laissez-moi, je t'en prie

No roxo escuro da noite
Abastada de luzes artificiais
Demais para apagar por completo
E deixar a lua, por si só, ser lua
Não me permito esquecer em excesso
As primícias de quando fui
Antes de puído,
Outrora lírio noturno,
Primeiro dos sonhos...
A cor de vinho no céu da boca
As manchas nos dentes
A pele gasta
E os olhos arranhados
São os maiores sinais
Da minha madrugada
Insone, maculada,
De uma vida inacabada
Pigarreada na fumaça que estilhaça,
Colhida sem perdão,
Tombada,
Tumbada,
Forçada...
A rouquidão dessa noite de cidade
É a minha prisão.

domingo, 13 de julho de 2014

De raíz

Eu tenho um amor pra cada canto do Brasil.
Eles não sabem...
Sabem nem de mim.
Mas com amor é melhor assim,
Dado em pedacinhos
Distribuído como beijinho
Em festa de aniversário
E feito em segredo
Como se fosse questão de defesa nacional.
No momento é disso que preciso;
Plantar uma mudinha de emoção
Em cada canto de peito
E torcer que cresçam pra ser
Um coração gigantesco
Do tamanho da minha terra
E ter cheiro de orvalho.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Cerra serra

Dai-me mais de beber do vinagre
Faz-me mais amargo por dentro
Acelera o passo
Paço del diablo
Na catedral dos anjos
Corredeira no rio de escadas
Fluindo do altar
Del capital
De la lengua
L'enguia dos males
Guia
Fobia dos novos ares
Que doem nas asas ossificadas
E penas seculares em idade
Caindo, enfim, no cerrado.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Polterzeit

Multitarefas
Multimentes
Multiamores
Mutilado
Muito translado
Para pouco transespírito
Trans-in-tornado
Furacão
Descarga
Vômito
Câncer
Saboroso
Delicioso
Corpo
Morto
Vivo
Quase
Rijo
De prazer
Ou frio
Ou calcificado
Não importa.

Há uma semiconsciência ao meu lado.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Le succès

Ontem tive pesadelos acordado
De homens que me seduziam na penumbra
E flutuavam como anjos (ou demônios)
Sobre meu corpo congelado.
Ontem eu tive vontade de viver
Como se nada mais que o sexo importasse
Como se perfurasse a couraça de pele do corpo
E desse meu todo aos lindos fantasmas ao meu redor.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Dormência

Um poema para dormir
Para me por no chão
Bater na cabeça
E apagar essa sensação de doença
Que vai comendo os rins
Destruindo o pulmão
Sem causar dano aos tecidos
Mas corroendo a emoção
Matando sinapses
E destruindo meu poder de comunicação.
Meu corpo está velho, já não dá mais;
É hora da metamorfose chegar
E me transformar em alguma outra coisa
Mais leve
Sem mente
Sem sono
Sem medo do escuro
Sem sabe lá que corrente é essa que passa nas veias
E diz que é vida.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Caroço

Dor de peito não é
Parada cardíaca
É paralisia cerebral
Quem vive de amor
E sabe como funciona a dor
Sem lenga lenga de caroço
Entende esse moço
Que sofre de sabe lá
Talvez um fosso
Um poço cheio de fulanice
Babaquice colorida
Do caldo grosso que corre nas veias
As teias velhas
Do quase nada
No entanto muito.

Tábata

De saltos
Faltas
Maltes
Males
Falos
Vives
Andas
Corres
Morres
Errado demais...
A vida é errata falaz
Constante
Comprazente
Detergente e gordura
Pura
Diria loucura
Se não fosse sóbrio demais
Dizê-lo.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Le coït

Ofende?
Coroa?
Catequiza?
Então voa
E enraíza
Onde prende
Novo
E não escraviza.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Digerido/congestionado

Falha demais
Ao ponto do sucesso
Essa minha empreitada
De ser um anexo
Nas costas de alguéns
Virando ninguéns
Ao girar na cama e mudar de lugar.
Como posso ser tão bem sucedido
Nessa linha terrivelmente falha
De raciocínio?
Quantas vezes já disseram
Que a ignorância é um bálsamo
E não quis acreditar.
Resta saber se ela funciona tão bem
Na autoconsciência a longo prazo;
Se tem validade
Ou anuidade
Que pague como penitência
No perder de palavras
E esvaziar de mentes
Em que recaiam os entes da minha perdição.
Resta saber coisa demais
E no entanto pouco me interessa.
Estou mais que sobrevivendo
De alguma forma estou vivo
Num empurrão crível de força vital
Que brotou de qualquer lugar
Como pé de feijão nascido de terra infértil
Sem ser regado ou cuidado.
Estou o gosto salgado
Do feijão recém cozido
E talvez isso seja bom.
Talvez não.
A digestão ou a congestão dirá.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Superficial gay boys sound better in english and even more in sex

Resta o resto
Aqui não tem espaço
Pra menos que nada
Ou mais que ego
Alego logo então
Que meu legado não será
Levado a sério
Como um cemitério
De almas boas.
Aqui serei dos maus
Aqui serei dos óbvios
Aqui serei feliz
Epíteto do moderno
Epifania do cabelo
Cruel como um poema cru
Dissecando a estética
Do teu olhar.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Vaticinado

Bora dançar um fado
Deixar corpo e mente vacinados,
Que já vaticinaram:
Quando estiveres cansado
Do que quer tenhas carregado
Vá-se embora na dança
Pois todo o resto também vai.

Toldo errado

Melhor meter a mão no melaço e fazer lambança
Lambuzar o corpo na lambada
Apagar a lâmpada
Afagar o errado
Agarrar afobado
Bobear baleado

Que fingir que ferida cura com cicatrização perfeita.

Deixa a bala sambar no corpo
Estragar uns tecidos
Inflamar
Desintegrar no sangue
E vai ao circo tocar fogo
Sentado no meio do caldeirão.

Deixa o toldo cair
E fazer curativo como manda a vida.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Tem alguém

Tanto desentendimento e tristeza
Tanto mundo, frio e afins
Tanto eu que não cabe nele
E tanta gente que não entende
E a gente pensando que tinha obrigação...
Mas tudo bem. Deixa pra lá.
Tem gente que é alma gêmea mesmo,
Nem que só por uma temporada.
Gente que dói como a gente
E esquenta o peito só de pensar.
(Escrito dia oito de Maio de 2014)

Sobrou amarelo
Folhas
Alguma coisa de mofo
E uns sobrados.
Uma bituca
E um boto azul.
Quem nos encontrará?

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Todas as afirmações realistas são válidas.
Pena que sou surreal
Como uma pena que brota nas costas de um rinoceronte.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Tangerina

Se medicina curasse
Eu não estaria esse bagaço
De tangerina comida pela metade,
Meio frade, meio puta,
No caminho da sanidade sozinho.

Como será de mim nessa mente

Chamo-te Meu
Porque é um nome que combina muito mais
Com o que te quero
Como quero
Ah, quero...
Quieto!
Já é quase nada,
Não é hora de amar desmamado
Como um tolo qualquer
Que não te seja.
Sujeira de sentimento que volta
No meio da vassourada,
Do empurrão
Da escada
Rolante
Que roda e roda e roda
E roda gigante.
Amnésia mandou lembranças;
Como podes ver
Ela claramente não está aqui -
Somente a loucura
O absurdo de tentar
Essa desaventura de estar largado
Ao que ser.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Canário

(Stranger - Goldfrapp)


Há goteiras vazando em todo lugar
Sem teto;
Balões de hélio estourando sem agulha
Em fino ar;
Festas que não pude dar.
Lá no alto das nuvens
Deve haver um canarinho
Que aprendeu a chorar
E suas lágrimas caem por aí
Pinicando meus ombros
Minha cabeça
Meu meio luar esboçado nos olhos
E, entrando na minha gaiola,
Machucam o sabiá.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Velho Chico

Valha-me!
Valhalla!
Vá lá
Transpor o Velho Chico
Que no final da corrida do último córrego
Chego no meu amor.
Paulada e cala
Pelo amor
Criada não fala

Oxalá
Ó o chá lá
Amor, amor, amor
Amor, amor
Amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor
Verso gigante de amor.
Só me resta, salvem-me as ninfas,
Dizer
Pedir
Amor.

Incapacitado

Tão horrível a dor dos meus seios
Pedrados de não ninar.
Insólita a razão de cheirar
Sem teus cachos.
Monstruoso o empurro
Para aguentar sozinho -
Não sei fazer esfinges de uma face só.
As minhas são necessariamente horrendas,
Sofridas do teu açoite para andar,
Corridas de chuva que esculpe
Caminhos de choro
Do teu toque de mestre
Na planta que me escraviza
Maldita, maldita...
Não tenho Moisés,
Só Ramsés para eternizar
Numa imagem de estrelas escolhidas a dedo
Por mim, segundo do reino,
Segundo eterno
Para falar de qualquer coisa
Que não seja o Deus incapaz de te substituir.

Intenção

(Un año de amor - Luz Casal, interpretada no filme Tacones Lejanos, de Pedro Almodóvar)

A primeiríssima
E última.
A exasperada,
Engolida.
Viva no meu rasgo
Apelidado existir,
Entretanto tão morta
Que mal me coíbe denegrir
O restante -
E por isso mesmo tão mais viva.
Viva demais, pelo espanto de me ver no espelho!
Espelho mentiroso que só me reflete
Tão inconteste...
Ai, mentiroso! Mentiroso demais...
Ódio.
De ti, é claro, mas muito mais de mim.
Eu que não soube ser menos que sobrenatural
E tão ateu.
Se excluísse um dos dois, quiçá...
Mas vivem, ah, como vivem,
Ambos dentro de mim.
E como facilmente trocaria qualquer um e todos
Por causa de ti.

Facho de cismos

Não existe metáfora maior que o tal Deus,
Com "D" maiúsculo, monoteísta, monocromático, monolítico.
Deus, então, deveria estar morto,
Pelo bem das metáforas, pelo bem da poesia,
Até pelo bem dos deuses,
Pelo bem de todos os monólitos erguidos na história da humanidade.

Autorretrato em língua inglesa

Long nails
Devils beard
Angels hair
Terribly dark eyes
Slender nose
Chubby cheaks
Hellish squeals of earthquake
And delicate purrs of love
Whilst body of a gypsy Venus.
Ó, mãe,
Salvai-nos dos nossos pecados,
Pois já sabemos demasiadamente bem o que fazemos.
Cabelos e dentes.
Correntes e freios.
Mentes e socorros.
Tudo que resta de um ser.

Visão de transcorpo

Poupai-nos
Corpo celeste
De ser corpo.
Cai nessa Terra
E pedregulho no lago estilhaça
Até não ser mais raça
Este afago.
Apaga, senhor, esta chama -
Chama-me pelo nome inconcreto
De criatura mística
De rito
De covardia que dissolva
No instante mais bravo
Do que tu me climou.

Tu, porém, és abjeto;
Impalpável;
Intangível às palavras.
Tu não és um "tu".
És, sabe lá...
Eu, nós, nada,
Voz, atroz, elos;
Rabo de velhos que sobre nós rastejou.

Gotejou uma pincelada de ti
E fadaste
Com asas de mariposa
E olhos meus.
Deus meu! Que imagem é essa?
Deus que objetou meu credo,
Creda comigo agora
Em admiração do que não entendes
E... Deus meu!
Monstro!
Perfeito!
Inerte!
Vida!
Sabe lá que palavra termina um poema sobre tudo!

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sacolejos

Boemia querida
Poeminha de amor
Tragos pesados de letra
Rastros errados
E um semi-deus sem poderes.
Se há uma mãe-tudo
Seu nome é Karin.
Karin nunca me ninou
Mas hoje quer me hibernar.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Torniquete

(Fado - Maria Bethânia)

Quantas dores ainda visitará a vida?
Quantos arautos passarão
Para trazer notícias do mar,
Que vai alto sem dó,
Se mesmo desatado o nó
A corda enrija
Sem que finja rasgo
De total desilusão?
Quantas vidas visitarão a dor
E ainda assim não saberão
Da tosse que vem de tragar
Trovão e maresia?
Tragam uma garrafa de vinho,
Enrolem nos panos quentes
De velas das embarcações
Que se incendiaram à vista do cais
E libertemo-na à praia
Querendo que vá e, como os antigos,
Esperando apaziguar os espíritos,
Façamos na alma torção.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Ainda não

Hoje o rio dragão circulou na terra
E em tudo que tocou houve morte por fogo.
Mas, tendo passado sua cauda, vinha a vida em arrebentação
E brotava verde do chão.
Hoje pode ser dia de morte,
Mas ainda é de vida.
Hoje ainda não...

terça-feira, 22 de abril de 2014

Roma

(Kecharitomene - Loreena McKennitt)

Não há mais estrela guia no ocidente;
Em seu lugar pôs-se constelação
E se esvaiu o feitio estridente e consternado.
Por hora, chega de caminhos,
De estribarias,
De porto seguro e messias.
Chegou a hora de viver como o falaz poeta
Profetizou no passado
Sem saber da quinquilharia
Que precisaria desornar
Para espúria desonra de seu nome
E enfim fazer o entorno de 'seria's
Em agnóstico romar.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Verdades de um tremendo
Bradam as colunas do templo filisteu;
Nunca se sabe se nelas há poder
Ou infindável medo.

terça-feira, 11 de março de 2014

Diário dos meus muitos longos dias


(Los vestidos desgarrados - Alberto Iglesias)

A luz penetrou vagamente nos entre-olhos da porta da varanda
E retumbou no ventilador lento a afagar o corpo nu
Estirado entre cipós entrelaçados de lençol.
Os anzóis do dia tentaram me fisgar -
Em vão; a coisa outra era melhor.
Os maus enredos queriam despertar
Mas o gosto azedo contido no suor do medo de falar
Era melhor.
Qualquer coisa vale mais que o prazer,
Que o viver e o despetalar.
Qualquer coisa, então, se fez no meu lugar.

domingo, 2 de março de 2014

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Tele(re)verso desatado

Telepalavras
Guiadas pelo caos
Aos teus ouvidos
A teus pés
E o que és
De tão informal
No condicionado
Desinformado
Rompido no espaço
Sem nós de tempo -
Estado semi-nós.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Cafeteríamos

Dois cafés, por favor.
Um duplo sai mais em conta.
Prefiro que venham separados. Assim é mais simples para acertar as contas entre eu e os meus.
Dois cafés simples então?
Sim, simples, por favor.
Desculpe, simples não temos. Ou pede um duplo ou complica.
Então traga-me dois simples em xícaras duplas. A complicação fica por minha conta.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Indi-gesto

Amor de indigestão
A ligação é trote
Como trota a congestão
À sugestão da vida
De desligar o mote
E amar de morte
Ferido a bala de fuzil
Cortado com lasca de vinil
No tiroteio de silêncios
Ao som de indiferenças
Na cadência mais desumana
De que o humano é capaz
Cadeado no apraz
De apenas esquecer.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Faça um favor à humanidade: adote um bandido

A história é a seguinte: um jovem foi desnudado e acorrentado, com uma trava de bicicleta, a um poste no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Especula-se (apesar de não haverem provas, já que nenhuma vítima ou testemunha apresentou-se à Justiça para denunciar o fato) que o rapaz foi pego roubando na rua Rui Barbosa, perto dali. Ademais, é possível que o ato seja obra de um grupo local organizado com a clara intenção de promover essas humilhações em praça pública contra trombadinhas na região, já que foi registrado um caso similar recentemente numa praia da zona sul do Rio. Vale ressaltar, também, que na foto divulgada nas redes sociais, o rapaz aparece com uma orelha machucada - aparentemente um ferimento recente, o que leva a crer que foi perpetrado no decorrer de seu "cárcere" ou imediatamente antes.

Daí vem a âncora do Jornal do SBT, Rachel Sheherazade, afirmar que "a atitude dos 'vingadores' é até compreensível", no que ela chama de "legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite". Termina lançando uma campanha direcionada aos defensores dos direitos humanos que "se apiedaram do marginalzinho no poste": "faça um favor ao Brasil. Adote um bandido". Depois, em sua conta no Twitter, defendeu suas declarações na televisão citando o artigo 301 do Código de Processo Penal brasileiro, segundo o qual "qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito".

Pois bem.

Vamos "ignorar" a explícita semelhança entre as imagens do rapaz negro acorrentado nu a um poste e os famosos pelourinhos do Brasil de outrora, onde escravos rebeldes, dentre outros indivíduos postos às margens da sociedade, eram expostos em praça pública com o claro intuito de humilhá-los perante a sociedade. Vamos "esquecer" também a lembrança dos linchamentos, surgidos no século XIX nos Estados Unidos, e que também aconteciam no Brasil, cujo principal alvo, a partir do fim da Guerra Civil Americana, era a população negra, e que se davam com frequência sem que houvesse qualquer "causa instigatória" por trás desses assassinatos. Para dizer em claro e bom tom, sem que suas vítimas tivessem cometido qualquer crime.

Vamos "apagar", enfim, esse histórico de violência contra os afro-americanos (América em seu sentido lato, de continente) que sempre esteve intimamente ligado à exposição de seus corpos em praça pública, seja com ou sem vida, como forma de humilhação e subjugação. Não é conveniente sermos lembrados do racismo subjacente à desigualdade social e a violência do nosso país. Então depois desse breve exercício de esquecimento, atenhamo-nos apenas ao que o "cidadão de bem" diz estar familiarizado: a Lei e a justiça.

Fico me perguntando o que aconteceu com aquela velha Rachel Sheherazade. Aquela, de muito tempo, que dizia que Lei é Lei, e deve ser cumprida. Aquela de... Sete dias atrás. Não que eu concorde de todo com a opinião dela sobre a decisão do juiz que considerou a maconha uma droga recreativa, mas é interessante ver como uma formadora de opinião de um grande veículo de comunicação pode mudar de ideia tão rapidamente, dependendo da circunstância. É uma curiosa coincidência, também, que para um traficante "lei é lei", enquanto que para os "cidadãos de bem" envolvidos no caso do rapaz acorrentado seja possível abrir uma exceção, com o conceito absurdo de "legítima defesa coletiva", que mais parece termo jurídico, chique, para descrever um linchamento. Desculpem-me, falei dos linchamentos de novo - às vezes é difícil esquecer. Mas como não lembrar deles quando contemplado com uma multidão que "faz justiça com as próprias mãos", seja lá a que valores essa tal justiça responde? Afinal, justiça para uns pode ser injustiça para outros. Ou os linchadores de negros de meados do século XX não acreditavam estar fazendo justiça ao livrarem seu país do que eles consideravam "raças inferiores"? E a segurança jurídica, dona Sheherazade? É justo, portanto, que organizações do tráfico realizem o "policiamento" de periferias onde o poder da Lei não chega, como acontece em alguns lugares do Brasil? Rachel navega por águas perigosas com esse seu conceito propositalmente vago de legítima defesa coletiva.

Como ela se defende? Citando o Código de Processo Penal, é claro (aqui a Lei volta a valer). "Qualquer do povo poderá (...) prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito". Perfeitamente. Mas se Sheherazade fosse um pouco além em suas leituras da legislação brasileira, veria que meros sete artigos depois (no 308 do mesmo CCP) a lei exige que "não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo". De acordo com o próprio indivíduo que publicou a foto nas redes sociais, o rapaz foi deixado acorrentado, nu, ao poste por uma hora. Isso até que uma moradora da região chamasse os bombeiros para tirarem-no daquela situação. Não chamaram a polícia para levarem-no à delegacia. Suas supostas vítimas não se apresentaram para prestar queixa. Ele simplesmente foi abandonado, depois de ter sido desnudado e provavelmente ferido - não há qualquer sinal de isso foi uma prisão em flagrante, apenas uma forma de humilhação.

Rachel também diz que o rapaz fugiu do lugar ao invés de prestar queixa contra seus agressores, como se isso, de alguma forma, justificasse a ação destes. Um crime não compensa o outro - vingança, mesmo que exercida no espírito de multidão (aliás, principalmente nesse contexto), não é justiça. Por mais que a Justiça falhe frequentemente (e não nego que seja esse o caso no Brasil), isso não é desculpa para abandonarmos o Devido Processo Legal. Devemos analisar as causas por trás da dificuldade do Judiciário em cumprir sua função e buscar soluções para isso. Esse processo passa necessariamente pelo controle dos índices de criminalidade, que por sua vez tem relação direta com a melhoria das condições dos presídios e a reinserção dos condenados na sociedade, ao invés de sua marginalização ainda mais intensa, e da profunda crise humanitária que se observa nos presídios brasileiros. Como ressaltou Matheus Pichonelli em sua coluna online na Carta Capital, a cada dois dias um presidiário é morto de forma violenta no Brasil.

Enquanto a situação de nossos presídios continuar precária como está, os índices de reincidência provavelmente não cairão dos 70% em que se encontram atualmente. Lidar com essa questão é apenas uma das formas de abordar o problema da violência, é claro, mas é um fronte no qual já poderíamos estar apresentando resultados, se houvesse maior interesse tanto das autoridades quanto da população. Estou ressaltando esse ponto apenas para demonstrar como os defensores de direitos humanos, que Sheherazade ama odiar, também estão preocupados com a redução da criminalidade. Muitas vezes, afinal de contas, são os próprios envolvidos com atividades ilícitas as principais vítimas da violência, como demonstram levantamentos que indicam que o número de homicídios entre jovens subiu em 2013, especialmente nos chamados "polos de concentração de mortes", que envolvem, entre outras áreas, aquelas com domínio territorial de quadrilhas, milícias ou de tráfico de drogas.

A preocupação dos defensores de direitos humanos, no caso dos presidiários, é principalmente essa: a reinserção social, tanto para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos diretamente envolvidos com atividades criminosas, quanto para, consequentemente, melhorar a convivência em sociedade. Não são apenas eles, portanto, que devem "adotar um bandido", no sentido de facilitar sua reintegração. Somos nós, a sociedade, que devemos. Se você não quiser fazê-lo por um esforço humanitário, faça-o pelo menos pensando no bem futuro da sua (e da nossa) comunidade.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Mito de dessagração

Houve, certa vez, um rei que teve um sonho estranho.
Nele, todas as nascentes de rio da terra desciam na mesma direção,
Brotando do rumo de onde nasce o sol e estiando no poente.
Interpretou a mensagem como uma ordem
Para que alinhasse sua cidade virada a oeste.
Desabrigou tanta gente que o reino entrou em colapso.
Mas o rei não cedeu.
Terminada a obra, sucedeu que uma tempestade de areia
Foi suficiente para derrubar tudo, numa destruição em dominó.
Talvez o sonho fosse uma mensagem de alerta
Que do leste viria a tormenta.
Mandou que fizessem tudo de novo, desta vez afrontando o tal leste.
E depois de mais um longo sufoco, a ordenação foi cumprida.
Desta vez, a nuvem veio convenientemente do lado oposto,
E novamente tudo veio abaixo.
Inconformado, e com o tesouro esgotado,
O rei chamou sábios dos quatro cantos da terra
Para encontrarem o verdadeiro significado do sonho.
Foram muitas as interpretações, até que uma se ergueu ousada e diferente:
Talvez os rios com que sonhaste, ó rei - disse o sábio -,
Sejam somente o fluxo da tua mente
Que enquanto não mudar será inundada
Pela torrente de ventos da vida
Até aceitar que nada é tão somente.
Desde então não houve ordem no reino
E a cidade prospera vez ou outra,
Volta e meia perde um pouco,
Mas está de pé.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Posteriori

A caneta faltou ao trabalho
E logo começou um falatório.
Das falácias ao escrutínio de seu repertório,
Ela foi murchando em casa,
Doente de antemão.
Deitada em sua gaveta sem endereço,
Menstruou seu sangue preto
Que ramificou, como os tentáculos do polvo
De onde viera sua essência,
Nos riscos da madeira.
E foi assim que mesmo dura como antebraço sem cotovelo
Derramou sua vida em mais uma peça
Das juntas quebradiças do seu enterro em vida,
A que chamamos "obra póstuma",
Ou "poesia".

Dois reis

O mar é branco.
Espuma de gente jorrando
Contorcida.
Excessivamente branco.
Dizem que lá pelas tantas milhas náuticas
Há uma imensa nuvem de algas
De onde jorra saliva.
Dizem ser inofensivo.
Mas uma praia toda branca
Não pode ser boa notícia
Se no profundo o mar é negro
Até perder de vista.
O único preto
É o cafezinho que servem no quiosque
Com sabor de mosca que caiu no colarinho do chopp.

Ali, na mesinha sobre a areia,
Um tabuleiro de xadrez
E um cavaleiro solitário
Jogando com as peças brancas
Contra a espuma do mar
Que só vem para lançar uns peões
Tentando engolir os dois reis.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

(Poema escrito a quatro mãos com Juliana Pires)

O fogo
Curtiu como
A carne sob
A forma de
Um acento.
Ha! Disse o
Som inscrito
Na rude fruta
Se morder a casca
Do meu flamejo
A pele inflama
E o ruído acentua
O pelo ousado
Que te flutua
Sem patas para
O sossego.
Dali em frente, o
Éden jamais foi o mesmo
Mas não por culpa da serpente -
Foi o fruto
Que desviou
A nossa vertente.
(Poema escrito a quatro mãos com Juliana Pires)

No tocante
O toque se esvai
Como a bruma
Macia das
Constelações
Se há gozo,
Consiste em alisar
Sem toque;
Que se contem
As consternações,
Porquanto nos toques
Há uma poesia
Que não se sabe,
Não se faz.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Voz

Voz...

Bromélia no desfiladeiro
Chamado Humano
Saltando vermelha e texturizada
À beira do rochedo,
Empurrada constantemente pelo vento
Soprado da terra,
Olhando as ondas a quebrar
Na gruta de onde nascem suas raízes,
Que vão fundo no corpo inclinado
Sobre as nuvens do mar;
Nuvens que adentram o subterrâneo cavernoso,
Correndo os rios freáticos
Até as águas e grãos se confundirem
E não se saber onde é oceano
E o que é pedra.
Apenas a bromélia na bruma.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Gutural agudo

Acode, São Pedro,
Tem misericórdia!
Se não toca uma mísera córdia
Nesse acordeão de chuvas
Chorando na toca do meu cordão,
O acorde não sai do peito
E acordo apedrejado
Pelas cordas da vida em tensão.

Acuda antes que o açude sacuda;
E bem que sacode se mais tensionar
Nas perdas de chuviscar sem um atol de mata
Que atine as lágrimas
E afine o violão.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Falso inocente

Mas é um vagabundo mesmo.
Inconsequente, fazendo-se inocente...
Não sabe o que é sofrer,
Não pensa em trabalhar,
Um bon vivant tranquilo
Que não foi desmamado,
Reclama de barriga cheia
E ainda quer ser entendido.
Pensa ser inteligente, sábio,
Só porque fala bonito.
Não teve a vida dura e cruel que eu vivi.
Não sabe o que é aperto,
Nem lutar para alcançar algo que chamar de "seu".
Imaturo, mimado e auto-piedoso, o que é pior.
Jamais será adulto,
Jamais será entendido,
Jamais será humano como eu.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Tornar-me outro, por qualquer razão, é

Como mudar a terra.
Como encher um naufrágio.
Como fechar um caminhão.
Como flechar a maçã sem acertar o pomo de Adão.

Como
Como se não fosse corpo.
Comodoro da minha sagração dentre os homens
Sobre as pedras da desolação.
Cômodo aos que são mais do que carne
E impulso de devorar;
Aos que, vendo na direção o afogar dos rochedos chegando certeiro,
Desviam à contramão.