Ok, vamos lá, mais um texto sobre ateísmo. Eu sei que a grande maioria das pessoas que lê qualquer coisa postada aqui é teísta, e discorda dos meus pontos de vista, ou ao menos tira conclusões diferentes à partir de argumentos similares, mas justamente por isso acho que devo alguns esclarecimentos sobre minhas crenças e descrenças, em especial acerca de questões que foram levantadas quando debatia com conhecidos.
O que vou abordar neste post são pontos que nascem da minha perspectiva ateia da vida: não estou dizendo que minhas análises estão corretas, nem muito menos que elas são a mais absoluta verdade. Aliás, creio que convicções religiosas (ou "arreligiosas") são virtualmente inabaláveis, portanto já digo de antemão que não pretendo "converter" ninguém, e sei que com quase toda certeza não teria sucesso se este fosse meu objetivo; para um vislumbre sobre temas relacionados a isto, visite o post "
O ateu dogmático". Pretendo aqui tratar exclusivamente de algumas dúvidas expressas por teístas sobre ateus.
1. O bem e o mal
Para o ateísmo, não há entidades sobrenaturais capazes de direcionar o desenvolvimento (apesar de eu não gostar da palavra) da humanidade nem, afinal, de todo o Universo. Isto significa que ateus não acreditam em Deus, mas, e isto deveria estar implícito, também não acreditam no Diabo. Há uma enorme confusão quanto à diferença entre ateus e satanistas; estes últimos poderiam aproximar-se da definição de "adoradores" do Diabo frequentemente empregada aos ateus. Não quero com isso repassar o ódio aos ateus para os satanistas; aliás, entendo pouco de satanismo, e não recomendo que se façam conclusões sobre esta religião sem pesquisa e estudo acerca do tema. Enfim, a ideia é que não existiria a concepção maniqueísta do Bem e do Mal expressamente separados, representados por figuras deísticas distintas. Não acreditar nesta caracterização, contudo, não significa afirmar a inexistência do certo e o errado - esta distinção, na verdade, independe da religião, e adentra a questão da moralidade. Ateus seguem, sim, uma determinada moral, cujas propriedades transcendem as divindades, ao contrário do que muitos acreditam. Aliás, a moral correlaciona-se a uma série de fatores, como cultura, filosofia, família, dentre os quais está inserida a religião. Isso significa que a noção de certo e errado, ou melhor, uma noção de certo e errado, existe em todo indivíduo. A acusação de que um mundo sem Deus seria um mundo de anarquia moral não só é totalmente falsa como também absurda.
2. O invisível
Partimos, então, para outra dúvida: ateus não acreditam em algo que não possam ver? Ou ainda, ateus não acreditam no invisível? Bem, aí temos que fazer uma clara distinção entre invisível sobrenatural e invisível natural. Deus(es), Diabo, anjos, demônios, espíritos, fantasmas e afins, ou seja, as figuras espirituais que de acordo com deístas influenciam o universo de formas sobrenaturais, não existem para o ateísmo. Por outro lado a consciência, os pensamentos, os sentimentos, a psique e outras abstrações da humanidade, sim. Por exemplo, um ateu não teria problemas, exceto de corrente filosófica, em acreditar no Mundo das Ideias de Platão. Pode discordar da visão platônica da existência humana, e preferir, por exemplo, a filosofia aristotélica mais pragmática, mas não tem dificuldade em aceitar a existência de coisas que não vemos.
3. Evolucionismo e ateísmo
Agora uma questão que diz respeito, de certa forma, ao universo científico: a relação entre evolucionismo e ateísmo. Na verdade, este ponto suscita inúmeros questionamentos, mas tentarei ater-me apenas aos assuntos que geram confusão quanto à absorção ética e argumentativa da evolução pelo ateísmo. Peço perdão pela rispidez com que tratarei este tópico em alguns momentos, mas isso se faz necessário, considerando que há inúmeros mitos e inobservâncias científicas feitas em relação à evolução. A análise mais aprofundada delas, contudo, ficará para outro post. Vamos então aos fatos:
a. O ateísmo não é responsável pelo nascimento da teoria evolutiva, e em nada se relaciona a ela. Na verdade, há evolucionistas monoteístas, politeístas, panteístas e ateístas.
b. O evolucionismo é fato. Não há evidências de sua inveracidade; pelo contrário, há infinitas provas de sua corretude científica. Não há, em termos de evolucionismo, espaço para crer ou não crer.
Esclarecidos esses pontos (e eu sei que o ponto 'b' é polêmico, mas como eu disse essa discussão fica para um outro post), vamos aos equívocos. Não há, da parte de nenhum ateu, nem de nenhum cientista, a menor intenção de doutrinar a humanidade acerca da existência ou não de Deus com base na evolução - estas são questões totalmente independentes. A ciência não é feita de crenças e achismos, ela trabalha com fatos, evidências e teorias. Se você prefere "acreditar" numa "teoria" sem evidências, é problema seu (sim, estou referindo-me ao criacionismo), mas a verdade é que ciência e religião não se confundem. Além disso, evolucionismo e neodarwinismo não são exatamente a mesma coisa: o neodarwinismo é uma teoria, que até agora não foi contestada com propriedade, que trata da evolução - esta, por sua vez, um fato.
Outro ponto importante neste tópico é a diferenciação entre evolucionismo, origem da vida e origem do universo. As pessoas costumam confundir estas três coisas, achando que tratam-se da mesma coisa, o que não é verdade. O evolucionismo trata de características da vida, e como ela se transforma em seu próprio decorrer, nada mais. A origem da vida é um tópico concernente, em especial, à bioquímica, e apenas apodera-se de alguns atributos do evolucionismo para suas teorizações. Já a origem do universo diz respeito à física quântica e a astronomia. Nestas duas últimas áreas temos uma multiplicidade de teorias, apesar de algumas dominantes, com fortes argumentos favoráveis e outros contrários. Aqui há espaço para contestação, desde que ela seja, e isto deve ficar frisado, científica.
4. Ódio a Deus
Por fim, e esta não exatamente uma dúvida, e sim uma convicção ilógica: a impressão que ateus odeiam Deus. Esta é, com o perdão do ar ridicularizante, uma afirmação irrisória. Podemos, neste sentido, citar o filósofo francês Jean-Paul Sartre, que fala de um "existencialismo ateu". Para ele, a questão da existência ou não de Deus é despresível; o fundamental seria entender-se e compreender os limites e problemas impostos pelo ser humano a si mesmo. Para aprofundarmo-nos ainda mais nesta questão, podemos lembrar que a filosofia ateísta cita duas formas distintas de ateísmo: aquele nascido sem ciência de um deus, e portanto desconhecedor de sua existência (o que eu tendo a considerar uma espécie de ateísmo ideal, já que num mundo profundamente dominado por religiões a chance de não entrar em contato com divindades é praticamente nula; entretanto, ele é sim possível, por isso não faço uma distinção objetiva entre ateísmo ideal e real), e aquele necessitado do que religiões chamariam "leap of faith", "salto de fé", em tradução livre, algo como uma declaração de descrença de um determinado indivíduo. Ao contrário do que pensam alguns, contudo, este processo não está, nem de longe, obrigatoriamente atrelado a uma decepção religiosa. Daqui, então, surgem argumentos ofensivos como "não existe ateu na morte iminente" e "ateus são só pessoas decepcionadas com Deus". Honestamente, creio serem estas declarações absurdas de pessoas que não compreendem o ateísmo e, aparentemente, nem fazem questão de compreendê-lo.
Estes quatro pontos foram os que mais saltaram-me aos ouvidos em debates recentes com teístas, ou que mais observei em declarações aleatórias feitas principalmente na internet. Espero ter esclarecido tais pontos para evitar confusões posteriores. Em caso de mais dúvidas sobre o assunto, comentários aqui mesmo, no blog, são sempre bem-vindos.